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Homilia do Bispo de Vila Real na celebração da Bênção das Pastas

D. Joaquim Gonçalves
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Homens ao serviço do Bem Comum

1- Nos últimos vinte e cinco anos presidi a muitas celebrações deste género, e vivi-as a todas como se fossem a primeira: é que os corações dos jovens em festa eram sempre diferentes. Também hoje assim acontece.

Quero, pois, saudar-vos a todos e a cada um, aos vossos pais, irmãos e familiares que sonharam com este dia, e aos vossos professores e ao vosso Reitor a quem também pertence a festa. Aceitai, pois, a minha comunhão com a vossa alegria e a partilha da reflexão que faço sobre este acontecimento.

2- A festa do final do curso é o fim de um período da vida e o início de outro. O primeiro foi tempo de luta e o segundo também o será, ainda que de modo diferente. Vamos aproximar esta vossa experiência das leituras que foram proclamadas: iluminar-se-ão mutuamente.

A 1ª leitura lembra o trabalho de S. Paulo e de S. Barnabé naquela que é hoje a Turquia. A cidade de Icónio ali citada corresponde à moderna cidade de Kónia. Nesta leitura vemos uma face da Igreja daquele tempo: a mensagem enviada a várias culturas, contestada por grupos do judaísmo e do helenismo,  e que acabará por se impor por força do Espírito, cima das culturas. A 2ª leitura é o pólo oposto, o ponto final, a consagração dos vencedores: a Igreja no Céu, onde chegaram povos de todas as culturas, todos saídos da grande tribulação, com túnicas da cor da Páscoa e, na mão, as palmas da luta e do martírio.

No meio temos a etapa do presente, o rebanho que ouve a voz do Mestre e Senhor: «as minhas ovelhas ouvem a minha voz»

3- Aproximando a vossa experiência destas leituras, vedes que também vós procedeis de várias camadas sociais, das aldeias e cidades, de pais com tradição cultural e de pais humildes e quase analfabetos, e vindes todos da luta de um curso académico de vários anos: luta de aulas e de estudo, lutas de viagens e despesas, lutas de desânimo e de persistência.

Nessa luta fizestes também uma experiência da vossa liberdade, esse baloiço sempre instável entre o bem e o mal: alguns tiveram tempo de estudar, de brincar e ainda tiveram tempo para auxiliar na catequese das paróquias da cidade e das suas terras de origem, tempo para cantar nos coros litúrgicos e académicos, tempo para irem à Missa aos Domingos e aí fazerem bem as leituras da Missas; outros passaram o tempo a gritar durante a noite, em actos de alguma vadiagem, a ir e vir das discotecas nos fins-de-semana. Olhando para trás nesta hora de triunfo, sentis claramente como é ambíguo o baloiço da liberdade. Também isto serviu de aprendizagem. Foi a primeira etapa.

 A segunda etapa é a etapa do futuro que, para vós, ainda será de luta: a luta do emprego, a luta do trabalho. Nesta hora de festa, gostaria de vos lembrar alguns critérios para essa segunda etapa da corrida.

a) O primeiro critério é que a estrada a percorrer na luta do trabalho deve ser a estrada da competência e da consciência.

Sentis claramente que subir na vida profissional e pública por caminhos que não sejam esses dois é uma subida desleal e desonesta, é traição aos colegas. Usar o peso da classe social, o ser filho de a ou de b, ser da cidade, o ser militante de um partido para passar à frente, aproxima-se daquilo que o Evangelho do Bom Pastor classifica de «ladrão», entrar pela porta indevida.

b) O segundo critério é sentir que estais ao serviço do povo, da comunidade. Qualquer tarefa que venhais a desempenhar, particular ou pública, é ao povo que servis e, nesse serviço, não vale tudo. Tendes de ser conscientes e fortes, mesmo que, na sua aflição e ignorância, os cidadãos vos peçam desonestidades. O vosso título académico impõe respeito e seriedade ética.

Este sentido da comunidade arrasta consigo o sentido do Bem Comum. Esta ideia não está muito enraizada, mesmo em gente instruída. Ora todos fazemos parte da sociedade e ninguém está cima do Bem Comum, por maior que seja a sua competência profissional.

Alguns de vós irão ter bons ordenados, outros tê-los-ão mais modestos. De qualquer modo, tudo tem limites tanto para os de cima como para os de  baixo. Não faz sentido que se invoque a competência para auferir regalias nascidas da administração de bens da comunidade: se os lucros são muitos, então cobre-se menos pela matéria  vendida ao povo, mormente quando esse produto é monopólio da empresa, não tendo o povo hipótese de escolha. Aí tendes um exemplo de como não basta ser competente, sendo necessário ser consciente e ter sentido do Bem Comum.

c) O terceiro e último critério é mais subtil, mas indispensável nos tempos actuais: refiro-me à educação da inteligência.

Da vossa experiência universitária e do guião litúrgico constam trinta e seis cursos da UTAD aqui presentes. Isso diz-vos claramente que o caminho do saber é múltiplo, havendo matérias que vós dominais e outras de que pouco ou nada sabeis. Desses saberes, há o saber experimental, matematizado, que passa pelo laboratório; há o saber histórico que não se pode verter em contabilidade matemática; há o saber filosófico que ultrapassa a experiência sensível e é sólido; e há o saber teológico que nasce da revelação, da razão e da experiência humana. Todos esses saberes caminham a par, vão-se acumulando com o tempo, havendo pessoas que se revestem de autoridade em cada um desses ramos.

Hoje, por causa dos triunfos técnicos do saber laboratorial, há a tendência para absolutizar esse tipo de saber arvorando-o em único saber. Há nisso alguma esonestidade intelectual e em tal encantamento  podem cair professores universitários famosos sem respeito pela epistemologia.  

Este alerta é um pouco indigesto no clima festivo da bênção das pastas, mas quis referi-lo porque vós sois os homens e mulheres de cultura  universitária, e foi aí que se instalou a raiz da cultura contemporânea. É essa uma área a que o Papa se tem referido permanentemente no seu magistério e é possível que, de um modo ou de outro, ele volta à questão na sua próxima Visita.

 

Meus caros jovens:

Vamos proceder à Bênção das Pastas e ao que elas significam para o futuro. Dai graças a Deus pelo caminho percorrido, aprendei a ler os vossos passos errados, e olhai corajosamente  para o futuro. Mesmo que tenhais lágrimas pelo meio, o futuro é o vosso tempo. Empenhai-os em ser justos e dignos porque o futuro  depende  em grande parte de vós mesmos. Como cristãos, assim como entrais de cabeça levantada na Universidade com o vosso saber confirmado, assim entrai de cabeça erguida em qualquer Igreja, sabendo que o que ali se ensina tem solidez e futuro.  

Que a Senhora da Conceição, em cuja praça estamos, derrama sobre cada um de vós um pedaço da sua brancura e fortaleza.

Vila Real, 24 de Abril de 2010

Joaquim Gonçalves, Bispo de Vila Real



Diocese de Vila Real