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Homilia do Bispo do Porto na Eucaristia do Dia de Páscoa

D. Armindo Lopes Coelho
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Celebrámos ao longo da semana os mistérios pascais da paixão e morte de Jesus Cristo. Evocámos na vigília da noite passada os principais acontecimentos da História da Salvação que culminaram com a Ressurreição. Celebramos agora, em sequência lógica, a Solenidade da Páscoa cristã. A ressurreição de Cristo é a verdade fundamental e essencial da nossa fé cristã. S. Paulo escreveu: “Se Cristo não ressuscitou, a nossa pregação é vazia e também é vazia a fé que tendes... Se Cristo não ressuscitou, a fé que tendes é ilusória... Se a nossa esperança em Cristo é somente para esta vida, nós somos os mais infelizes de todos os homens†(1Cor 15, 14.17.19). Este raciocínio do Apóstolo é sublinhado pelo testemunho de Pedro, chefe dos Apóstolos, em casa de um militar e na presença de um grupo de pagãos. Resume os dados biográficos de Cristo, mais significativos para tal assembleia: Cristo é alguém que “passou fazendo o bem e curando a todos os que eram oprimidosâ€. Os conterrâneos mataram-no porque se dizia Deus, mas “Deus ressuscitou-O†e “permitiu-lhe manifestar-se às testemunhas de antemão designadas,... a nós que comemos e bebemos com Ele, depois de ter ressuscitado dos mortos†(cf. Act. 10, 34 ss). Pedro dá testemunho daquilo que aconteceu no primeiro dia da semana, o Domingo, fixado em nomenclatura na tradição cristã: “No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi de manhãzinha, ainda escuro, ao sepulcro e viu a pedra retirada do sepulcro. Correu então e foi ter com Simão Pedro e com o outro discípulo que Jesus amava e disse-lhes: ‘Levaram o Senhor do sepulcro e não sabemos onde O puseram’. Pedro partiu com o outro discípulo e foram ambos ao sepulcro. Viram as ligaduras no chão e o sudário. Foi o que viram. Ainda não tinham entendido a Escritura a propósito da ressurreição de Cristo. Mas, e por isso, partiram a dar testemunho. Ser cristão é pois acreditar neste testemunho, e ser capaz de dar o mesmo testemunho, nas palavras que dizemos e nas obras que confirmam a verdade das palavras. Na Carta aos Colossenses, S. Paulo continua o seu raciocínio: “se ressuscitastes com Cristo, aspirai às coisas do alto... Porque vós morrestes e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus†(Col.3, 1-4). Segundo a fé cristã e a doutrina bíblica tão presente nas celebrações pascais, o Baptismo em Cristo é um nascimento e o início de uma vida nova por Cristo em Deus. E são as obras dos que foram baptizados em Cristo que hão-de manifestar esta novidade, que é em si mesma um testemunho a favor da Vida do Ressuscitado e ao mesmo tempo um sinal de que o seu autor peregrina no caminho ascensional da plenitude em Cristo Acreditamos que Jesus Cristo, o Filho de Deus, assumiu a humanidade que lhe demos por Maria, ofereceu esta vida pela humanidade toda, ressuscitou para que todos tivessem a Sua vida, novidade para nós. Ressuscitou para todos, mas constatamos que muitos não acreditam no mistério da Sua vida, morte e ressurreição, não aceitam o testemunho da ressurreição e por isso não dão, não transmitem este testemunho. Vivem porventura como se Cristo não tivesse existido, não tivesse dado a vida por amor, e sobretudo como se Ele não tivesse ressuscitado. E também se sabe, ou se percebe, ou se adivinha, que há “cristãos†que não acreditam na Ressurreição, nem na ressurreição de Cristo, nem na própria ressurreição. De facto, muitos reduzem o Cristianismo a um conjunto de prescrições, de imposições, de proibições, de atentados às alegrias e prazeres da vida, às liberdades e legítimas ambições, à sede incontornável de liberdade e de urgência de viver uma vida que tem limites neste tempo e neste mundo. Sem transcendência ou de pseudo-transcendência fabricada ou inventada, ou até dispensada, tal a confiança trazida por um neo-pelagianismo que vigora na mente de quantos – e são tantos... que não querem outra salvação senão a que eles idealizam e entendem conseguir por si mesmos. Se Deus deixou de ser problema (o mais fácil é ser agnóstico...), também não aceitam que o problema seja Cristo como a Igreja dele dá testemunho, anunciando-O e procurando educar e alimentar a fé na Sua Pessoa, no Evangelho ou na Boa Nova que é Ele mesmo, nos valores que constituem, em diversidade de valores, a Verdade que n’Ele se manifestou e continua a revelar-se. Depois dos acontecimentos pascais que agitaram um povo e abalaram a própria natureza, ficou a impressão, de que a face do mundo voltara à situação de um passado a esquecer. Ficou esta impressão no seio do povo em cujo seio Jesus Cristo viveu, e resta-nos a mesma impressão quando procuramos na História situar estes acontecimentos. Mas de facto a realidade foi outra: na manhã do primeiro dia da semana, ao terceiro dia depois da morte do Senhor, uma mulher vai de manhãzinha ao sepulcro e não encontra o corpo de Jesus. Vai dizê-lo a Pedro e outro discípulo. Estes vão também a correr ao sepulcro. Vêem... e acabam por acreditar. E vão dar testemunho. E o testemunho multiplica-se, e Jesus vai aparecendo a fomentar estes testemunhos. E aconteceu o Pentecostes. E difunde-se a Igreja para manter e continuar este testemunho da Ressurreição. A vida que parecia morta explodiu de vigor novamente, e com toda a força. Há sem dúvida no mundo, e no nosso mundo, situações de morte, de silêncio sepulcral, de injustiças, de discriminação, de astúcias covardes, de acomodações interesseiras, de mentiras, de aparências enganadoras, de promessas sem convicção, de expectativas vãs, de experiências frustrantes, de abandono, de isolamento, de pobreza e de fome, de desânimo e de falta de esperança. Mas Cristo está vivo, continua vivo sobretudo na Igreja (na Igreja de todos nós), a Igreja que celebra a Páscoa e a vida, a Igreja de Cristo que é a nossa esperança, a Igreja de Cristo sem a qual não pode haver esperança de Salvação. Com o Papa no seu exemplo de defensor da Vida e anunciador da Esperança, neste terceiro milénio da era cristã, procuremos renovar em palavras e em obras o nosso testemunho de fé no Senhor Ressuscitado. Santa Páscoa. Aleluia. Porto e Sé Catedral, 27 de Março de 2005


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