Cardeal James Francis Stafford, Presidente do Conselho Pontifício para os Leigos
Viemos em peregrinação a este santuário de Nossa Senhora do Rosário em Fátima. Neste domingo as leituras ajudam-nos a aprofundar a nossa compreensão sobre o mistério das Aparições de Nossa Senhora aos três pastorinhos, em 1917.
A primeira leitura fala dos protestos de um profeta cuja vocação tinha sido negada pelas autoridades em Bethel, santuário nacional de Israel. Bethel era o local do templo nacional daquela nação. Amós protestou ao sacerdote de Bethel que ele não era um profeta – nem por ocupação nem por aprendizagem. A sua chamada era absolutamente comparável às chamadas dos pescadores da Galileia, de que ouvimos na terceira leitura. Jesus chamou os Doze sem qualquer explicação adicional. Por que escolheu ele precisamente estes doze? O texto não o diz. Por que chamou Deus a Amós? À semelhança dos Doze, também Amos não escolheu tal encargo. Ele não o queria. Estava simplesmente no caminho: “Vai e fala ao meu povo” “ Vai profetizar ao meu povo de Israel”.
No sentido original da palavra, a chamada de Amos era uma vocação. Assim foi também a chamada aos três pastorinhos de Fátima. Eles não andaram à procura dessa chamada. Ao contrário das aparições de Nossa Senhora a Santa Bernadette em Lourdes, as três crianças de Fátima foram cuidadosamente preparadas para as visitas da Imaculada. Um anjo aparecera-lhes e ensinara-os a praticar a oração de adoração e a sacrificar-se pela paz.
A sua resposta à pergunta deles sobre o significado do sacrifício é importante e merecedora de ser relembrada. O anjo explicou: “De tudo o que puderdes, oferecei um sacrifício em acto de reparação pelos pecados com que Ele é ofendido e de súplica pela conversão dos pecadores. Atraí, assim, sobre a vossa Pátria, a paz... Sobretudo, aceitai e suportai com submissão o sofrimento que o Senhor vos enviar.” Por outras palavras, como os pastorinhos de Fátima, o sacrifício não exige que façamos coisas especiais ou extraordinárias, mas que ponhamos uma disposição interior em tudo o que já fazemos. Os três pastorinhos foram chamados inesperadamente a proclamar a necessidade de reparação e de conversão. Eles ainda nem sequer sabiam rezar bem o terço, mas Nossa Senhora disse-lhes que pedissem insistentemente a todos para rezar o rosário pela paz. Nossa Senhora chamou à parte a Jacinta, de seis anos, para a ensinar como rezar os quinze mistérios.
A grande abertura da Carta aos Efésios, da segunda leitura, coloca a pessoa escolhida por Deus dentro do intemporal e todo-envolvente plano de salvação de Deus. O que eu sou e o que serei, estas duas facetas do apelo de Deus a alguém foram dispostas desde a eternidade, antes da criação do mundo. Nem como indivíduo nem meramente dentro do tempo sou chamado, mas antes existo como alguém adaptado a um projecto predestinado e compreensivo, consistindo na Encarnação de Cristo, na glorificação da graça amorosa do Pai e no selo do Espírito Santo.
Durante as aparições de Maria em Fátima ela refere-se ao seu Imaculado Coração. Ela refere--se à sua missão predestinada por Deus revelada na sua Imaculada Conceição. Ela revela-se como Mãe da Igreja que segue atentamente os caminhos dos pecadores, caminhando connosco com tristeza indizível.
Soubemos do olhar imaculado de nossa Mãe Maria, em Fátima, através dos olhos de três crianças. O olhar revela-nos o único e verdadeiro olhar de criança, o único e verdadeiro olhar a demorar-se na nossa vergonha e infortúnio. As crianças de Fátima ensinaram-nos como rezar bem a Maria. Devemos primeiro sentir em nós o olhar destes olhos que estão postos em nós, não exactamente com indulgência, porque a indulgência é inseparável de alguma amarga experiência. Os olhos de Maria olham para nós, pecadores, com terna compaixão, com surpresa dolorosa, e ainda com outros sentimentos que permanecem inconcebíveis e indescritíveis para nós, sentimentos que a fazem mais jovem que o pecado, mais jovem do que toda a raça da qual ela descende. Esse é o papel predestinado de Maria no mistério da salvação.
Quando completarmos a nossa peregrinação a Fátima, rezaremos ao Espírito Santo para que expanda a sua actividade nas nossas vidas. Desse modo repelirá a esfera de espírito pecaminoso dentro de nós. As graças que recebemos aqui em Fátima são dons do Espírito. Não devemos confundi-las com os nossos próprios meios de ajuda e propaganda. No Evangelho de hoje não proibiu Jesus os seus discípulos de viajar com sacos, pão, dinheiro, roupas lavadas... e a não procurar alojamento confortável? Depois da nossa peregrinação a Fátima, o Evangelho de hoje destina-vos uma tarefa de proclamação. E tal como os discípulos do Evangelho, a vossa chamada é para a conversão, não para o sucesso.
Pedimos a Nossa Senhora da Reparação: «Virgem Imaculada, refúgio dos pecadores, vós que, para reparar as ofensas ao Deus Todo Poderoso e os males infligidos aos homens e mulheres pelo pecado, aceitastes com resignação a morte do vosso divino Filho, sede sempre propícia para connosco. E no Céu, onde reinais em glória, continuai o vosso trabalho de zelo e amor em nosso favor. Seremos vossos filhos; mostrai que sois nossa Mãe. Amen»
+ Cardeal James Francis Stafford, Presidente do Conselho Pontifício para os Leigos