«A Luz da Páscoa revela o mistério da criação»
1. Esta Vigília é a contemplação adorante do mistério da criação. Na Sua ressurreição Cristo resplandece como plenitude da criação. “Imagem do Deus invisível, Ele é o primogénito de toda a criatura” (Col. 1,15). Se Ele é a plenitude da criação, esta anuncia-O, desde o início. A plenitude da Páscoa resplandece, já, na harmonia do Génesis. Entre a criação e a redenção não há ruptura mas aperfeiçoamento progressivo. E porque Aquele que é a plenitude da criação é também o seu primogénito, é na Sua vida que toda a vida encontra sentido e recebe a energia que a faz crescer. Esta Vigília é um hino à unidade da criação e ao longo caminho a percorrer, na busca da harmonia definitiva.
Na narração genesíaca da criação estão presentes todos os elementos constitutivos da vida e da pedagogia sacramental com que, em Cristo, Deus completa a criação, inaugurando a plenitude da nova criação. O centro da narração é a criação da vida e esta encontra a sua expressão criada mais perfeita na vida humana. O que Deus cria antes da vida, são os elementos necessários para que ela exista: a luz, o firmamento, a água. A criação aparece como a resposta de Deus às trevas e ao vazio em que estava mergulhada a terra. Por isso começou por criar a luz, vencendo ou, pelo menos, isolando as trevas. Sabemos que a vida não pode subsistir nas trevas. Mas a luz, além de elemento físico primordial para a existência da vida, é o primeiro esplendor da Glória de Deus e inunda de beleza, com a infinita variedade dos seus efeitos, o Universo. Era importante que o homem, criado para a beleza, surgisse na vida, num Universo que o inundava de beleza. A luz tornou possível que o homem contemplasse a beleza do Criador desde o primeiro momento da sua existência. E a luz que o envolve suscita nele a luz interior, da inteligência, do coração, do desejo de verdade e de harmonia. Também no seu coração o homem não pode viver sem luz.
Essa luz interior foi a primeira que o homem deixou murchar, na experiência do pecado. E sem ela, ele tornou-se progressivamente insensível à luz que inunda o Universo de beleza. Com o pecado do homem, as trevas voltaram a ensombrar a terra. Por isso, nesta Noite Santa, o anúncio da vida nova é o anúncio da luz que volta a vencer as trevas, a luz de Cristo ressuscitado. “Rejubile a terra, inundada por tão grande claridade, porque a luz de Cristo, o Rei Eterno, dissipa as trevas de todo o mundo”. Desta Noite Santa estava escrito: “A noite brilha como o dia e a escuridão é clara como a luz”. E o pregão pascal continua, pedindo a Deus que faça com que o círio, símbolo da luz de Cristo, “arda incessantemente para dissipar as trevas da noite; e subindo para Vós, como suave perfume, junte a sua claridade à das estrelas do Céu. Que ele brilhe ainda quando se levantar o Astro da manhã, aquele Astro que não tem ocaso, Jesus Cristo, Vosso Filho, que, ressuscitando dos mortos, iluminou o género humano com a Sua luz”. A luz de Cristo volta a fazer brilhar a beleza do Universo e a beleza do coração do homem, que pode voltar a contemplar Deus no esplendor da Sua claridade.
2. Voltando à narração do Génesis, da criação primeira, depois da luz Deus criou a água, outra condição essencial para que surja e se desenvolva a vida. A água que fecunda, vence a aridez, faz germinar as sementes e enche a terra de flores e de frutos. Sem água, a terra não é fecunda; e a vida que não frutifica, morre. Jesus disse que a vontade do Pai era que os discípulos dessem muito fruto, sinal da vida abundante e mandou cortar a figueira estéril.
A fecundidade trazida pela água é um símbolo importante para significar a fecundidade da salvação, da vida regenerada pelo poder recriador de Deus. Quantas vezes o Povo de Israel viu a salvação, realizada pela mão poderosa de Deus, ligada ao símbolo da água: a pujança do paraíso era garantida pelos rios que o irrigavam; no dilúvio, a água sufocou o pecado e fez surgir a virtude; ao fugir dos exércitos do Faraó, o Povo de Israel encontra na água protectora a porta da salvação; na visão de Ezequiel, as águas que jorram do Santuário vão restituir a vida às águas salobras; os profetas baptizaram, anunciado a conversão do coração e em Caná Jesus transforma a água que anuncia o vinho novo da Páscoa, aquele que será a fonte definitiva de água viva. No Calvário, São João vê brotar do lado de Cristo trespassado pela lança sangue e água, e os Padres da Igreja verão nessa água que brota do coração de Cristo o anúncio do baptismo.
Tal como na primeira criação, a luz e a água, o esplendor da luz de Cristo é água que brota do Seu coração, nascente de água viva, são o princípio da nova criação. Por isso, nesta Noite Santa, a oração da Igreja só pode ser esta: “Olhai, agora, Senhor, para a vossa Igreja e dignai-Vos abrir para ela a fonte do Baptismo. Receba, esta água, pelo Espírito Santo, a graça do Vosso Filho Unigénito, para que o homem, criado à Vossa Imagem, no sacramento do Baptismo, seja purificado das velhas impurezas e ressuscite homem novo, pela água e pelo Espírito Santo”.
3. Na narração do Génesis, a luz e a água, produzem grande abundância e variedade de seres vivos, manifestação da pujança da vida, sinal do esplendor da vida divina. A criação narra o mistério da vida, e o homem, plenitude da criação, é a manifestação da vida que melhor exprime a vida divina: ele é imagem de Deus. No homem pode contemplar-se toda a beleza da vida, pois todos os seres vivos encontram nele o seu sentido; mas a fonte do sentido da vida do homem está em Deus, fonte da vida. Quando no homem triunfa a vida, todas as outras manifestações da vida, fruto da fecundidade da água e iluminadas pela luz, resplandece a beleza da criação. Algumas civilizações antigas encontraram na beleza e harmonia do Universo o sinal sensível da beleza de Deus. Eles estavam mais perto da verdade do que aqueles, tantos dos nossos contemporâneos, que não são capazes de reconhecer Deus em nada.
Mas se a vida fracassa no coração do homem, fica toldada, para ele, toda a beleza da vida, pois só um coração novo e um olhar purificado podem contemplar a beleza da vida. É por isso que no âmago do drama da redenção, qual parto de uma nova criação, está o mistério da vida. Cristo é o Verbo da vida, veio para que tenhamos a vida em abundância. Porque é a fonte da vida, Ele é o primogénito da nova criação. Enquanto luz, vence as trevas, vencedor da morte, garantindo o triunfo da vida. Do mesmo modo que proclamamos “na vossa luz veremos a luz”, na Sua ressurreição de entre os mortos teremos a Vida. A Páscoa é o triunfo da Vida e é por isso que Cristo ressuscitado é o novo Astro que, com a Sua luz, recria todas as coisas.
A “nova criação”, sendo segunda na ordem do tempo e da história, é verdadeiramente a primeira, pois só a partir dela se descobre a beleza da criação. A luz de Cristo revela os contornos definitivos do mistério. A partir da luz de Cristo podemos contemplar, de uma maneira nova, toda a beleza da criação, do Universo, dos seres vivos, do homem, que esconde na capacidade de amar, a surpreendente beleza para que Deus o criou. Na luz de Cristo, podemos contemplar a beleza de Deus em tudo o que vive. E nesse novo olhar do homem sobre a criação, ele desvenda já o horizonte dos “novos céus e da nova terra”.
† JOSÉ, Cardeal-Patriarca