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Intervenção de D. Jorge Ortiga no Sínodo dos Bispos

D. Jorge Ortiga
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"Promover a reconciliação pelo exercício da Caridade"

A minha intervenção pretende ser memória dum passado evangelizador, no caso concreto de Portugal – congratulando‐me com o uso da língua portuguesa nesta sala, pela representatividade que ela significa no contexto dos católicos espalhados pelos quatro cantos do mundo – e compromisso numa reinterpretação da missão que as comunidades da Europa devem assumir.

O Instrumentum Laboris alertou‐nos para a realidade da globalização com consequências nefastas para o continente africano. Pode parecer que este fenómeno não se repercute no quotidiano dos povos a debaterem‐se com dramas existenciais e verdadeiras afrontas à dignidade humana. Se o Evangelho deve inculturar‐se, o anúncio deve acontecer como resposta, e aqui está o núcleo central das minhas palavras – “implicando outros continentes e respectivas instituições económicas, financeiras e suas redes de informação”.

O passado evoca‐nos um aproveitamento das riquezas africanas. Hoje, devemos retribuir com uma dedicação total aos flagelos, concretos e reais, da falta de pão e de esperança (cf. n.13). Sabemos, e não podemos ignorar, a corrida “dos países industrializados para apoderarem‐se” da abundância dos recursos naturais, o que constitui uma permanente ameaça à paz e à justiça, gerando conflitos que impedem o desejo de reconciliação (cf. n.72).

Urge, não só impedir este processo, mas entrar na lógica do sermão da montanha, onde Jesus elucida sobre os dinamismos da missão da Igreja.

Encontrar‐se com os pobres, com os que choram por causa da fome e da sede de justiça é o único caminho a percorrer para que o reino de Deus aconteça. Daí que não basta denunciar e condenar os interesses, individuais e colectivos, de quem procura enriquecer à custa dos mais pobres. Estes não podem esperar e a Igreja na Europa deve ser capaz de ir ao encontro de Cristo em cada irmão “Cada vez que o fizestes a um dos meus irmãos mais pequeninos a mim o fizestes” (cf. Mt 25,40 e 45 e Instrumentum Laboris n. 35).

Coragem de reconhecer Cristo

Se a Igreja na Europa interpretou o mandato de Cristo de partir e fazer discípulos dando a conhecer Jesus e a Sua mensagem, torna‐se imperioso que, neste mundo global, continue a partir, mas na atitude de querer ver Jesus em todos e particularmente nas situações indignas duma sociedade que se orgulha das capacidades técnicas capazes de proporcionar os meios adequados para uma vida verdadeiramente humana. Este reconhecer Jesus em todos supõe a atitude corajosa de fazer como se fosse a Cristo. Trata‐se de ir ao encontro de Cristo em cada irmão para que, pelas nossas atitudes de justiça‐expressão do amor de Deus, se questionem e adiram à mensagem como Boa Nova libertadora.

O ir ao encontro de Cristo deve ter uma dimensão universal, no sentido de um verdadeiro encontro de comunhão com todos, não aceitando excepções de qualquer género, incluindo a religião. O proselitismo ou interesses de conquista não se coadunam com a verdadeira interpretação do mandamento do amor. O amor vale por si e ele encerra uma capacidade de manifestação de Deus. Nesta tarefa, nunca se pode olhar para os resultados ou recompensas de qualquer género. Pelo contrário, trata‐se dum trabalho persistente, característico de quem acredita no seu valor. “A civilização do amor é uma tarefa da qual ninguém se pode cansar” (IL n.147).

Organizar-se convenientemente para servir verdadeiramente os necessitados

Encontrar‐se com Cristo em cada ser humano tem as suas exigências. Se é verdade que a Europa deve estabelecer esta ponte de circularidade de bens, pagando uma divida histórica, as comunidades locais devem organizar‐se de modo que as ajudas não se percam nas demoradas burocracias ou beneficiem sempre os mesmos, deixando de lado quem não tem capacidade de procurar ajuda.

É importante chegar aos lugares onde o povo anónimo tem o seu quotidiano muitas vezes sem horizontes, pois não lhe foram revelados. Se é urgente caminhar no rumo da condivisão e partilha, torna‐se imperioso uma organização bem estruturada de modo que a caridade privilegie prioritariamente os mais necessitados. A verdade explicita o amor e a caridade na verdade necessita deste serviço desinteressado e gratuito.

Voluntariado para um desenvolvimento integral

Nesta renovada dedicação total não podemos esquecer o envio de pessoas. O voluntariado pode ser um caminho novo para levar a África a possibilidade de interpretar um progresso integralmente humano.

Dar coisas é necessário, dar-se criará as condições para que os povos, por si mesmos, adquiram a competência necessária para extraírem das riquezas locais uma vida com dignidade. O mundo do ensino e da saúde deve ser privilegiado, embora me pareça que é na escola que o futuro se edifica.

Penso não ser utopia interpelar as Igrejas Particulares da Europa para um maior compromisso através da geminação de pessoas e de bens. Dando e dando‐se, as comunidades europeias nada perdem, pelo contrário, adquirem consistência na sua vida de fé feita testemunho.

 Conclusão

Resumindo, a Europa deve regressar à África não só para levar o conhecimento de Cristo – e hoje há muitas outras intenções disfarçadas onde nem sempre o jogo é claro – mas para se encontrar com Cristo na lógica do Sermão das Bem‐Aventuranças e da descrição do juízo final. “Tive fome e destesme de comer... Sempre que deixastes de fazer isto a um destes pequeninos, foi a mim que o deixastes de fazer” (Mt 25,40 e 45).

Urge redescobrir de novo os mares de África, não para trazer mas para levar. Não bastam discursos. Impõem‐se os gestos de solicitude e as vidas disponíveis para caminhar com o povo para que experimente o amor de Deus.

+ Jorge Ferreira da Costa Ortiga, Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, Arcebispo de Braga



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