Intervenção do arcebispo de Braga na sessão solene de abertura do ano académico na Universidade Católica
Intervenção do arcebispo de Braga na sessão solene de abertura do ano académico na Universidade Católica
Contributo para uma nova síntese humanista
A abertura solene dum novo Ano Académico pode significar rotina dum programa a cumprir com abordagens de pormenores que, necessariamente, implicam alguma novidade nos conteúdos.
Penso, porém, que a rotina não pode dominar-nos e o tempo atual com a situação que o caracteriza obriga-nos a sublinhar que, dum modo sempre renovado e ousado, importa repensar o quotidiano duma Universidade, mergulhado em problemas como todas as outras, mas com uma responsabilidade específica e peculiar pelo simples facto de ser Católica.
Para muitos, esta denominação significa estabilidade, rigor económico e manutenção de esquemas. Importa, porém, reconhecer a força dinâmica duma fé que a orienta e que, necessariamente, deve incidir no mundo. E porquê? Porque a “fé é o instinto da nossa ação”, como afirmava o poeta Fernando Pessoa.
Posto isto, é natural sublinhar as dificuldades que a crise traz à Universidade Católica. Mas não será também oportuno questionar-se sobre o que a Universidade Católica pode oferecer à crise?
A globalização dum desenvolvimento norteado, pela dimensão económica e tecnológica, não só não conseguiu delinear e oferecer condições de dignidade de vida quanto fomentou ou gerou o “escândalo das graves disparidades” (P.P. Paulo VI). Os resultados são evidentes, ficando apenas na promessa dum mundo melhor e as carências do essencial não só diminuíram mas aumentaram. (1)
O Papa Bento XVI usa palavras duras para afirmar que chegamos a uma sociedade de morte (2), onde variadíssimos aspetos da vida humana o confirmam. Daí que seja natural que o Papa sublinhe a urgência de realizar “uma nova síntese humanista” (CV 21) que ele mesmo especifica: “A caridade e a verdade colocam diante de nós um compromisso inédito e criativo, sem dúvida muito vasto e complexo. Trata-se de dilatar a razão e torná-la capaz de conhecer e orientar estas novas e imponentes dinâmicas, animando-as na perspetiva daquela civilização do amor, cuja semente Deus colocou em todo o povo e cultura” (CV 33).
Ninguém ignora a profundidade e atualidade da doutrina do Papa. Todos nós nos admiramos e reconhecemos nela o caminho a percorrer. Todavia, sabemos também que, na comunicação social e nos fazedores de opinião, as suas reflexões emergem como verdadeiros meteoritos passageiros, que apenas se vislumbram e imediatamente são colocados na prateleira da ignorância ou marginalização.
Nós deveriamos reconhecer que o Santo Padre nos confia uma tarefa, por sua vez, árdua, imensa e exigente a nível individual e coletivo. Particularmente, uma tarefa que supõe experiência e testemunho. O desenvolvimento tão ansiado será humano se for integral e daí importa “dilatar a razão”, e fazer com que ela conheça as imponentes dinâmicas da “semente da caridade” que Deus colocou no coração da cultura e do homem.
A procura da verdade, num mundo alheio ao sentido da vida, só se encontra no Deus-Amor que professamos e testemunhamos. “Longe de Deus, o homem vive inquieto e está mal”, o que significa que “além do crescimento material, o desenvolvimento deve incluir o espiritual, porque a pessoa humana é um ser uno, composto de alma e corpo, nascido do amor criador de Deus e destinado a viver eternamente” (CV 76). “Não há desenvolvimento pleno nem bem comum universal sem o bem espiritual e moral das pessoas, consideradas na sua totalidade de alma e corpo” (ibidem).
Seremos capazes de dar este contributo que parece simples, mas implica muita obsessão e trabalho por este mundo que amamos? Isto não é tarefa de alguns ou de alguns momentos! Urge aplicar e suscitar apaixonados por esta síntese humanista.
Posso parecer ingénuo e repetitivo formulando essa pergunta, quase todos os anos. Não terei mais nada a dizer ficando no meramente protocolar de ter que dizer alguma coisa?
Creio colocar-me no essencial, que também me envolve e que assumo como contributo que quero dar, para que a Igreja e, neste caso, a Universidade Católica, anunciadoras do Deus de Jesus Cristo, readquiram significado no meio desta indiferença e desorientação global. As coisas inócuas não me encantam. Daí a teimosia em questionar e insistir. A sociedade Portuguesa merece e necessita de quem aponte,
teórica e dinamicamente, caminhos novos. Braga precisa dum Centro Regional da Católica para, como Igreja, estar presente neste mundo novo que tem de nascer.
Por último, e respondendo à pergunta inicial sobre o que a Universidade Católica pode oferecer à crise, considero que o seu contributo reside no seguinte: o pensar a crise a partir da vida humana, e não a vida humana a partir da crise. Pois só assim “é possível construir uma sociedade renovada e resolver os complexos e graves problemas que a abalam.” (3)
Bom ano e bom trabalho! Que a “síntese dum novo humanismo”, marcadamente integral e nas pegadas de Cristo, mostre que vale a pena investir na Católica!
Faculdade de Filosofia - Braga, 11 de outubro de 2011
D. Jorge Ortiga
NOTAS:
1 Cf. Jonathan Sacks, A dignidade da diferença. Como evitar o choque das civilizações, 47.
2 Cf. Bento XVI, Caritas in Veritate, 28-32.
3 João Paulo II, Veritatis Splendor, 99.
UCP