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Intervenção do presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social e da Mobilidade Humana no XXIV Encontro Nacional da Pastoral da Saúde

D. Jorge Ortiga
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“Cuidados de Saúde, lugares de esperança”

No passado domingo, os católicos colocaram-se perante a simbologia de Cristo como o Bom Pastor que deve tornar-se num verdadeiro ícone de toda a ação Pastoral da Igreja. O Bom Pastor dá a vida, livremente, ninguém a tira; vai à procura da ovelha ferida (perdida), ainda dela ousando estabelecer uma prioridade, testemunhada pelo facto de deixar as 99 para com ela se encontrar.

O caminho que a Igreja deve percorrer não pode ser outro. Não há alternativa possível e impõe-se uma coragem heroica para efetuar a viragem de olhar, fixando-se preferencialmente em quem sofre, mesmo com o abandono doutras atenções também importantes.

 

1. Nova evangelização e Pastoral da Saúde

Referia na mensagem que dirigi para este encontro que a Pastoral da Saúde necessita duma maior integração na Pastoral Social. Não se trata de dois âmbitos diferentes ou complementares. Integram-se como partes dum todo e exigem uma presença na dimensão celebrativa (Eucaristia e Oração) e, particularmente, no âmbito da Evangelização. Se esta pretende ser Nova, não pode deixar de se rever na atenção que lhe presta. A Salvação oferecida por Cristo é integral e, como tal, deve passar por todas as iniciativas. Daí que viver Cristo, como identidade do cristão, também é encontrar-se com Ele em todos e em todas as dimensões, incluindo os cuidados com a saúde.

A história da Igreja recorda que ela foi construindo hospitais, mas que na pregação dava orientações concretas, muitas vezes preventivas, para uma qualidade de vida. Enunciava o que era prejudicial a evitar e os estilos que deveriam ser adotados. Basta consultar alguns livros de pregação para reconhecer como isto era estruturante duma evangelização. Cuidar da alma exigia atenção ao corpo! A vida humana e a sua qualidade esteve sempre na perspetiva da pregação e do agir de Cristo. Continuando o Seu itinerário estaremos a ser esperança para muitos. S. Ireneu referia que “a glória de Deus é a glória do homem.”

Este encontro deve, por isso, ser uma consciencialização de todos os cristãos para que a saúde possa ser adquirida ou conservada através duma solicitude muito pessoal de quem se sente próximo na lógica do Bom Samaritano.

 

2. A comunidade solícita

Se queremos rever as luzes e as sombras, sendo estas preocupantes em variados aspetos (nos quais não me quero deter para não condicionar a vossa reflexão), não poderemos fixar-nos exclusivamente numa atitude de exigência aos poderes políticos ou de denúncia de anomalias estruturais. A comunidade cristã deve intensificar um dinamismo interno que seja capaz de assumir e acompanhar quem sofre ou necessita de determinados cuidados. Se a pastoral tem diversas dimensões, a saúde não pode ser esquecida e exige uma organização capaz de “ver todos os casos” e de oferecer os “gastos” que só o amor cristão consegue identificar. Não ouso enumerar. Apenas alerto para um acompanhamento personalizado junto de todos quantos pertencem à comunidade humana.

Como parte integrante, a comunidade cristã deve conhecer quem passa por momentos de doença e interrogar-se sobre o que deve fazer como mais adequado ou oportuno. Dar sinais de presença, silenciosos ou de conversa amiga, em casa ou em estabelecimentos hospitalares significa ser pai (ou mãe) que segura pelos ombros para que a meta da serenidade seja alcançada. Trata-se duma tarefa solitária ou organizada. O que importa é saber estar e não passar ao lado.

 

3. Assistência espiritual nos estabelecimentos de saúde

Copulativamente, não podemos ignorar que somos parte duma sociedade e como cidadãos temos direitos, iguais para todos, que o Estado deve respeitar com a qualidade necessária, mas a que os mais carenciados devem ter um acesso mais fácil. Pertence à missão da Igreja denunciar e propor alternativas numa responsabilidade que lhe vem do paradigma do Bom Pastor que está próximo e conhece a real situação de todos. Nunca se trata da denúncia pela denúncia. É estruturante uma paixão pela humanidade que não se resume a mera teoria.

Muitas coisas serão referenciadas neste XXIV Encontro. Quero, porém, sublinhar o direito dos doentes em estabelecimentos privados ou públicos, a uma assistência espiritual de modo que os cuidados de saúde tenham a exigida qualidade. Como direito do doente, e não mera defesa ou conquista de privilégios, e tendo sempre em conta o respeito pela liberdade pessoal, não poderemos aceitar desculpas de ordem económica ou de qualquer outra ordem que impeçam o exercício desse direito.

Não podemos esquecer que o Decreto-Lei n.º 253/2009 estabelece: a “assistência espiritual e religiosa nas instituições do Serviço Nacional de Saúde permanece reconhecida como uma necessidade essencial, com efeitos relevantes na relação com o sofrimento e a doença, contribuindo para a qualidade dos cuidados prestados. Particular atenção deve ser dada aos doentes em situações paliativas, com doença de foro oncológico, com imunodeficiência adquirida ou severidade similar.”

Sabemos ainda que este Decreto-Lei tem em consideração as recomendações do Plano Nacional de Saúde (2004-2010), no qual se reconhece a “especial importância do acesso à assistência espiritual e religiosa nos estabelecimentos de saúde.”

Concluindo, este Encontro Nacional deve, assim o entendo, ter esta dupla finalidade. Por um lado, a serenidade de ver a saúde em Portugal nas respostas que são oferecidas. Por outro, intuir determinadas coordenadas na vida dos cristãos e das comunidades para que a esperança esteja presente, sempre na linha duma responsabilidade a que a Igreja não pode furtar-se.

A saúde em Portugal merece uma atenção cuidada. As perplexidades são variadíssimas e complexas. Não basta um encontro. Cada dia da comunidade cristã é um contributo positivo para a resolução dos diferentes problemas. Importa que se fale do concreto das situações e que não se fique no Reino das Palavras. A situação do doente e os seus direitos são a nossa causa e, sem esquecer ninguém, permitam que abra, também, a janela da nossa reflexão a uma categoria muito concreta de pessoas.

É verdade que a doença não escolhe idades, mas os idosos, regra geral, são os mais afetados. No Ano Europeu do Envelhecimento Ativo não nos faltam pistas para acolher a sabedoria dos idosos e proporcionar-lhes os cuidados e atenções que uma vida sacrificada e dura bem merece como recompensa, pela marca que deixaram na sociedade.

Para terminar, seja-me permitido concluir esta saudação/introdução dos trabalhos com um texto de S. Agostinho, extraído do Sermão 91, 7:

“Que o amor a Deus traduzido em boas obras seja gratuito e que o amor ao próximo seja benéfico. Na verdade, nada temos para dar a Deus, mas, uma vez que temos o que dar ao próximo, dando ao pobre, seremos dignos daquele que tudo tem em abundância. Por isso, que cada um dê ao outro aquilo que tem, que distribua pelo pobre o que tiver a mais. Se um tiver dinheiro, que dê de comer ao pobre, que vista o nu, que edifique uma igreja, que do seu dinheiro faça todo o bem que puder. Se outro tem o dom do conselho, que oriente o próximo, que dissipe as trevas da dúvida com a luz da piedade. Se outro tiver formação doutrinária, que distribua da despensa do Senhor, que administre o alimento aos seus companheiros, que conforte os fiéis, faça retroceder os que erram, que procure os perdidos, que faça tanto quanto puder. Até os pobres têm o que repartir: Um pode emprestar os seus pés a um coxo; outro pode oferecer a um cego os seus olhos como guias; outro pode visitar um enfermo; outro pode sepultar um morto. Há oportunidades destas em todos, de forma que bem dificilmente se encontra alguém que não tenha como dar alguma coisa a outro. Há também aquele último e grande preceito que o Apóstolo deu: Levai os vossos fardos uns aos outros e assim cumprireis a lei de Cristo.”

Aqui verificamos que Amar a Deus é amar o próximo, e amar o próximo é dedicar-lhe todo o cuidado que lhe podemos prestar. Esta é tarefa de todos os cristãos! A mudança necessária, em muitos aspetos, não depende só do sistema, mas também da consciência que cada um tem de adquirir o real valor da saúde, que Cristo, o Bom e Belo Pastor, redefiniu na parábola da ovelha perdida.

Santuário de Fátima, 2 de maio de 2012,

D. Jorge Ortiga, arcebispo de Braga



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