Quando no dia das Ordenações Sacerdotais, em Julho deste ano, anunciei o programa pastoral diocesano para 2006-2007 (o ano pastoral vai de Outubro a Outubro) referi que a diaconia, ou seja, o serviço à família seria a prioridade. Sublinhei na ocasião que tal serviço deveria ser oferecido nos espaços das igrejas ou dos cartórios paroquiais mas que urgia ser concreto e audaz: preocupar-se com a vida de todos os dias, com os dramas do quotidiano, com os problemas e dificuldades que, de facto, afectam as nossas famílias. Disse ser imperioso olhar para o pão na mesa, a roupa para vestir, a casa digna para viver, os cuidados mínimos e elementares de higiene para a saúde, a situação dos desempregados ou com empregos precários, os enigmas da economia familiar onde nuns casos se gasta em coisas supérfluas e noutros falta o indispensável.
Na noite de Natal, sei e entristece-me que a solidão acompanhe muitos corações. Admito que, no aspecto material, haja algo com que assinalar e distinguir esta data. Penso, porém, que as comunidades paroquiais deveriam sensibilizar-se e mobilizar-se para descortinar quem terá necessidade de ternura e carinho, para além das campanhas convencionais destes momentos. Todas reconhecem que deveremos ser sensíveis e agir partilhando do muito ou do pouco de que dispomos. A gravidade da situação social obriga-nos a ir mais longe, a estar num permanente alerta. Importa dar nesta quadra natalícia mas como expressão duma acção solidária permanente.
É, sem dúvida, importante que nesta quadra a família se alargue para acolher e viver gestos de muita generosidade. E depois?... A ausência do pão, a carência de coisas essenciais desafiam-nos à criatividade da caridade. Existem situações crónicas de miséria, há desequilíbrios económicos familiares, enquanto se multiplicam gastos em coisas desnecessárias. Não seremos capazes de penetrar nas causas que permitem vidas indignas e repletas de enigmas? Os nossos movimentos apostólicos não conseguirão encontrar caminhos de intervenção para uma aurora de fraternidade?
O pensamento no tempo do Natal não pode ser somente ocupado pelas coisas necessárias para a “nossa” festa. A situação económico-financeira das famílias obriga os cristãos a parar para reflectir. Iremos permitir que o mal-estar social se agrave? Deixaremos correr os acontecimentos, continuando a esperar que outros modifiquem as coisas? Qual a minha responsabilidade na mudança dos acontecimentos?
Ser “família solidária” pode dizer muito: importa escutar os gritos, talvez abafados, de muitos irmãos. Ser “família solidária” pode obrigar a muito: importa intervir serena e persistentemente. Ser “família solidária” pode envolver grupos na solução dos problemas: importa encarar os problemas e arriscar respostas com a ousadia de homens e mulheres que acreditam que é possível um mundo com mais igualdade. Deus, em Cristo, é o Salvador que assume as contradições humanas. Com Ele e por Ele mostremos que a sociedade portuguesa pode e deve ser melhor. Falemos e operemos em nome dos mais pobres. Montaremos, assim, no presépio um “berço” para o natal da igualdade e dignidade, da justiça e da paz para todos. Hoje e sempre quero conviver com os mais carenciados.
Um santo e feliz Natal 2006!
+ Jorge Ferreira da Costa Ortiga,
Arcebispo Primaz