Homilia do Cardeal-Patriarca proferida na Solenidade de São Vicente, no encerramento do Ano Santo Vicentino
1. Com esta solene celebração da Solenidade do Mártir São Vicente, nosso padroeiro, encerramos o Ano Jubilar Vicentino, graça que o Santo padre concedeu à Igreja de Lisboa, nas celebrações dos 1700 anos do martírio do Diácono de Saragoça. Para o Santo Padre vai, neste momento, a nossa gratidão, também ela expressão da nossa comunhão de fé e de amor com o Sucessor de Pedro.
Esta Igreja Catedral, sinal visível da unidade e da comunhão de toda a Diocese, foi, durante o ano, visitada por muitos milhares de cristãos que para ela peregrinaram em atitude jubilar. Foi uma expressão discreta, mas significativa, da vitalidade espiritual da Igreja de Lisboa, sinal que fundamenta a nossa esperança e confiança, neste ano em que nos comprometemos a encontrar e aprofundar um novo dinamismo evangelizador. Tive ocasião de afirmar, durante este ano de graça e referindo-me ao Congresso Internacional da Nova Evangelização, que todo e qualquer dinamismo evangelizador deve partir da Catedral, porque nela está a Cátedra do Bispo, cujo ministério apostólico é a garantia perene da contínua fidelidade da Igreja particular, à missão evangelizadora. Este encerramento do Ano Jubilar insere-se, assim, nesse novo dinamismo evangelizador, tendo em São Vicente um modelo e um intercessor, na Catedral o coração da Igreja, de onde tudo parte e para onde tudo converge, no Bispo Diocesano e nos outros ministros ordenados que com ele partilham a graça do ministério apostólico, o seu primeiro agente dinamizador e a garantia da fidelidade da iniciativa à autenticidade da missão que Cristo confiou aos Apóstolos e, por eles, a toda a Igreja.
Durante os meses que nos restam até ao Congresso, continuaremos a sua preparação, tendo como pano de fundo o mistério da Eucaristia e encontrar-me-ei com diversos grupos de membros da Igreja de Lisboa, com particular responsabilidade na realização do Congresso. Era imperioso convocar, em primeiro lugar, os sacerdotes e os diáconos, participantes, pelo sacramento da ordem, no ministério apostólico, não porque sejam mais um grupo, mas porque, comigo, temos de estar em todos os grupos, aprofundando aquela relação única com Jesus Cristo que tornará a Igreja capaz de evangelizar.
2. Antes de mais, e neste momento solene, convido-vos a todos a não “mitificar” a ideia de “Nova Evangelização”, como se evangelizar fosse qualquer coisa de novo exigido à Igreja pelas novas circunstâncias do mundo e da história. De facto a missão de evangelizar faz parte da essência da Igreja, desde aquele dia em que Cristo disse aos Apóstolos: “Ide pelo mundo inteiro e anunciai a Boa Nova” (Mc. 16,15). A maneira de realizar esta missão revestiu-se de várias formas, ao longo dos séculos, conforme as circunstâncias, mas teve sempre presente em todos esses diversos caminhos, o ardor que lhe vinha do amor de Jesus Cristo, que ama a Igreja como uma esposa e a dinamiza para a fidelidade do testemunho, com o calor da sua presença e a força do seu amor. O Santo Padre escreveu, recentemente, aos Bispos: “Cristo é o coração da evangelização, cujo programa se concentra, em última análise, no próprio Cristo, que temos de conhecer, amar, imitar, para n’Ele viver a vida trinitária e com Ele transformar a história, até à sua plenitude, na Jerusalém Celeste” .
Evangelizar é uma maneira de seguir Jesus Cristo. Basta amá-l’O, procurar conhecê-l’O, obedecer à sua Palavra, anunciar a Sua ressurreição, porque “de Cristo, coração do Evangelho, derivam as restantes verdades da fé e irradia a esperança para todos os homens” . O Evangelho de São João que acaba de ser proclamado apresenta-nos a dimensão radical deste seguimento de Jesus Cristo, onde acontece a evangelização: “Se o grão de trigo cair na terra e não morrer, fica só ele; mas se morrer dá muito fruto (…) Se alguém estiver ao meu serviço, que me siga”. A fecundidade da nossa missão evangelizadora depende do dom da nossa vida, com Jesus Cristo, como Jesus Cristo. Também no Seu ministério, mas sobretudo na Sua morte e sepultura, Ele foi semente lançada à terra, donde renasceu a Vida, donde continua a renascer a Vida.
3. A nossa acção evangelizadora, afirma o Santo Padre, consiste em conduzir os homens à fé e fortalecê-los na fé , e isto significa que nós próprios nos fortalecemos, cada vez mais, na fé, que o mesmo é dizer, na identificação e intimidade com Jesus Cristo. Ouçamos ainda o Santo Padre: “Sinal e pressuposto da autenticidade e da fecundidade desta missão é a unidade dos Apóstolos com Jesus e, n’Ele, entre si mesmos e o Pai” . E acrescenta ainda: “A relação do sacerdote com Jesus Cristo e, n’Ele, com a Sua Igreja situa-se no próprio ser do presbítero, em virtude da sua consagração/unção sacramental, e no seu agir, isto é, na sua missão ou ministério. Em particular, «o sacerdote ministro é servo de Cristo presente na Igreja mistério, comunhão e missão. Pelo facto de participar da “unção” e da “missão” de Cristo, ele pode prolongar na Igreja a sua oração, a sua palavra, o seu sacrifício e a sua acção salvífica. É, portanto, servidor da Igreja mistério porque actua os sinais eclesiais e sacramentais da presença de Cristo ressuscitado. É servidor da Igreja comunhão porque – unido ao Bispo e em estreita relação com o presbitério – constrói a unidade da comunidade eclesial na harmonia das diferentes vocações, carismas e serviços. É finalmente servidor da Igreja missão porque faz com que a comunidade se torne anunciadora e testemunha do Evangelho” .
Isto evidencia que a missão evangelizadora dos Bispos, Sacerdotes e Diáconos, exprime-se na totalidade do seu ministério, com o qual deve fazer unidade a vida pessoal de fé e de busca da santidade. Aliás o anúncio de Jesus Cristo, Verbo encarnado, morto e ressuscitado, exprime-se tanto na Palavra, como na celebração sacramental do Seu mistério e na oração, com a Igreja e em nome da Igreja. Neste Ano da Eucaristia, é apaixonante descobrirmos a dimensão eucarística da evangelização e a dimensão evangelizadora da Eucaristia, a que presidimos “in personna Christi”. Procuremos, queridos Padres, daqui até ao Congresso, presidir à Eucaristia do Povo de Deus de modo a fazer dela um encontro vivo com Cristo Vivo, Palavra de Vida e Pão vivo que nos alimenta.
4. A Segunda Leitura desta celebração, abre-nos para uma outra expressão do ministério dos sacerdotes e, porventura, dos diáconos, de grande significado evangelizador. Depois de louvar a Deus, “Pai cheio de misericórdia e Deus de toda a consolação”, acrescenta: “É Ele que nos consola em todas as nossas tribulações, para podermos consolar aqueles que sofrem qualquer tribulação, por meio da consolação que nós próprios recebemos de Deus”. Todos nós sabemos, por experiência, a importância que tem, no nosso ministério, o tempo que dedicamos aos outros, para os consolar, expressão do amor com que Cristo ama todos os homens. E este ministério da consolação nem sequer se limita aos fiéis, que nos procuram sob a forma de aconselhamento espiritual. No coração do padre têm lugar todos os que sofrem, todos os aflitos, todos os que procuram a verdade. E todos sabemos também que esse caminho de relação personalizada é o contexto ideal para a descoberta de Jesus Cristo.
E consolar, se significa a palavra amiga e a atitude acolhedora para quem sofre e está aflito, significa também aceitar caminhar com que procura, está inquieto, deseja a luz.
O Apóstolo é claro: não acolhemos os nossos irmãos como psicólogos ou simples pedagogos. É a “consolação” que nós próprios recebemos de Deus que nos permitirá consolar os irmãos, pois só a ternura de Deus, de que somos sacramento, consola e cativa os corações atribulados. Nunca regateemos o tempo que dedicamos a um irmão ou irmã que busca a consolação de Deus.
Seria importante que, no contexto da “Missão na Cidade” que estamos a preparar, as chamadas “acções de rua” fossem uma expressão de quem vai ao encontro dos irmãos que sofrem e que procuram. Compete-nos a nós, como pastores, orientar as Comunidades e os Movimentos para essa qualidade na forma de ir ao encontro dos irmãos.
Que a fidelidade de São Vicente inspire a nossa fidelidade, expressa nas formas e circunstâncias que a sociedade actual nos apresenta. Tal como ele, ponhamos as nossas vidas ao serviço de Jesus Cristo e do seu Evangelho.
Sé Patriarcal, 22 de Janeiro de 2005,
† JOSÉ, Cardeal-Patriarca