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João Paulo II, um dom para a Igreja e para a Humanidade

D. Manuel da Rocha Felício
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“O Cardeal Camerlengo do Colégio Cardinalício anunciou assim a morte de João Paulo II: “o nosso amantíssimo Papa João Paulo II retornou à Casa do Pai. Rezemos por ele”. Eram 20h37, hora de Portugal, do dia 2 de Abril. Era um acontecimento esperado nos últimos dias, mas nem por isso deixou de emocionar o mundo. As grandes cadeias de televisão e rádio estiveram em permanente directo antes e depois do acontecimento, quer da Praça de S. Pedro, em Roma, onde se aguardavam os sucessivos boletins médicos quer das mais variadas partes do mundo, onde se acompanhavam, a oração e no silêncio, os últimos momentos da vida do Papa. Os grandes líderes mundiais reagiram, de imediato ao acontecimento da sua morte que fez parar o mundo. Lembraram-no como “infatigável advogado da Paz” (Kofi Annan), como “campeão da liberdade” (Presidente da U.S.A.), como promotor da unidade, da liberdade e da democracia na Europa (Presidente da Comissão Europeia). Associaram-se nesta imediata reacção líderes de comunidades religiosas do Islamismo e do Judaísmo, sublinhando o contributo inovador deste Papa para o diálogo ecuménico e inter-religioso. Entre nós, o Senhor Presidente da República destacou, na sua mensagem, a superior estatura moral e humana do Papa João Paulo II e, entre outros contributos decisivos que ele deu para a construção da Europa e do mundo, sublinhou a sua intervenção na crítica tanto ao colectivismo de estado nos regimes socialistas como ao capitalismo liberal sem preocupações sociais. O Senhor Primeiro Ministro, para além de declarar luto nacional durante três dias, sublinhou o empenho de João Paulo II em promover a Doutrina Social da Igreja, a sua solidariedade com os pobres e todos os que são colocados à margem ou ficam para trás no desenvolvimento da sociedade. Por sua vez, o Senhor Cardeal Patriarca D. José Policarpo convidou os cristãos a viverem este momento de grande densidade espiritual, a continuarem em profunda comunhão com o Papa João Paulo II, ele que, de facto, quis oferecer por nós, pela Igreja e pelo mundo, o seu sofrimento, a sua doença, a sua vida. Ele quis morrer por nós, à semelhança de Jesus Cristo. Também nós queremos viver, na esperança cristã, a passagem deste Papa do tempo para a eternidade. O Papa João Paulo II partiu de retorno à Casa do Pai, para usar a expressão que foi utilizada no anúncio oficial da sua morte, ao fim da tarde de um sábado, que era o primeiro sábado e também já era domingo, o domingo dedicado à Divina Misericórdia. Como cristãos e como Igreja, curvamo-nos diante deste modelo de fé e de apostolado. E lembramos, em primeiro lugar, o grande contributo que ele deu para a construção do mundo e em particular da Europa. Uma Europa unida e solidária, acolhedora de novas identidades como são os países de leste, capaz de aproveitar ao máximo a sua história e a sua cultura para ajudar todo o mundo a crescer nos valores verdadeiramente humanos deve-lhe muito. Nunca será demais sublinhar o seu contributo para a queda do muro que dividia a Europa, até 1989, em dois blocos antagónicos. Também não podemos esquecer as suas 104 viagens apostólicas internacionais, que ele fez não só ao encontro dos seus irmãos na fé, mas também ao encontro de todos os homens e mulheres de boa vontade. Em todas elas ele foi um arauto incansável dos valores universais da solidariedade e da paz. Os mais de dois mil discursos que ele pronunciou nestas suas viagens apostólicas constituem, por si mesmos, um valiosíssimo património e um notável contributo para que toda a humanidade seja cada vez mais a família universal sonhada no coração de cada ser humano. Foi muito lembrado, nas horas que antecederam e seguiram a morte deste Papa, o contributo que ele deu para o diálogo entre culturas, civilizações e religiões. O diálogo ecuménico e inter-religioso foi, de facto, uma das suas grandes preocupações. Levou esta inquietação a toda a Igreja e quis marcá-la com iniciativas várias que surpreenderam o mundo e até alguns sectores dentro da própria Igreja. Lembramos a caminhada percorrida desde o Encontro de Assis, em 1986, até ao Encontro de líderes religiosos promovido pelo Papa em Roma para assinalar o Grande Jubileu do ano 2000. Mas se João Paulo II foi um notável presente oferecido por Deus à Humanidade, ele foi um grande dom, em primeiro lugar, para a Igreja. Com a sua experiência humana e cristã muito próprio de um polaco que lutou sempre pela liberdade, contra a opressão ditatorial do regímen comunista, o Papa João Paulo II apresentou-se na cadeira de S. Pedro disposto a levar a fé cristã ao encontro de todos os homens e de todas as culturas. Daí as suas viagens apostólicas. Soube preparar-se e conduzir a Igreja para a entrada no novo milénio. Podemos dizer que o programa de todo o seu Pontificado foi ajudar a Igreja a dialogar, sem perda de identidade, com os novos tempos e a preparar os novos caminhos da Evangelização; realidade que ele passou a chamar, desde finais dos anos 80, a nova Evangelização e, referindo-se à Europa, a reenvangelização da Europa. Por isso o grande acontecimento que foi o Jubileu do ano 2000 constituiu um ponto de chegada que o Papa preparou desde a sua primeira encíclica – a “Redemptor Hominis” – mas constituiu sobretudo um ponto de partida decisivo que lança a Igreja ao encontro do mundo – sentido da expressão emblemática “duc in altum” – para lhe levar, de novo, o tesouro do Evangelho, com novos métodos, nova linguagem e novo entusiasmo. Com a carta apostólica “Novo Milennio ineunte”, o Papa traça o programa da Igreja e também de cada cristão para os novos tempos inaugurados com a chegada do terceiro milénio. Contemplar o rosto de Cristo e, a partir d’Ele fazer as grandes opções pessoais e comunitárias é a sua palavra de ordem para cada cristão e para a Igreja. Olhando mais uma vez para a pessoa do Papa João Paulo II, que o Cardeal Secretário de Estado classificou como figura inesquecível e o Cardeal Tarciso Bertone, aquele que foi legado do Papa ao funeral da Irmã Lúcia, definiu como o atleta de Deus, sentimos nele o desafio para continuarmos a construir uma Igreja que sabe cumprir cada vez mais e melhor o modelo original descrito nos Actos dos Apóstolos (Act. 2, 42-46); uma Igreja sempre a viver de Cristo Ressuscitado que sabe fazer das dificuldades, em vez de obstáculos na caminhada para Deus, novas oportunidades; uma Igreja que se experimenta como bem-aventurada, porque, aprendendo a lição de Tomé (Jo. 0, 19-31) sabe acreditar sem ter visto, ou seja aprendeu a ler por trás da cortina, diga-se no invisível, o fio condutor da História”. + Manuel da Rocha Felício


João Paulo II