Documentos

Justiça e transparência nas eleições

Agência Ecclesia
...

Carta Pastoral dos Bispos de Moçambique às comunidades cristãs, a todos os moçambicanos, a todos os homens e mulheres de boa vontade por ocasião das eleições administrativas de 19 de Novembro

I. SAUDAÇÃO 1. Nós, os Bispos Católicos de Moçambique, solícitos em servir e confirmar os irmãos na fé, e empenhados em colaborar na promoção do bem de todos os moçambicanos, saudamo-vos com afecto, espírito de comunhão e solidariedade convosco. Em vésperas das Eleições Autárquicas no nosso País, desejamos que a busca da paz, a corresponsabilidade, a participação política e o zelo pelo bem comum, em ordem à melhoria das condições de vida de todos, movam permanentemente as vossas mentes e os vossos corações. Graça e Paz vos sejam dadas em abundância (1a Ped 1,2). II. INTRODUÇÃO 2. Durante a guerra civil, a Igreja em Moçambique desempenhou um papel preponderante na dinamização do diálogo para a reconciliação nacional. Após o Acordo Geral de Paz, a Igreja muito colaborou no restabelecimento das instituições democráticas. 3. A Igreja, porém, não se pode confundir com a comunidade política do País, nem se pode aliar a um sistema político ou partido. No entanto, ela é perita em humanidade e é sinal e salvaguarda da dignidade da pessoa humana. Ela está ao serviço da vocação pessoal e social dos homens, assim como o Estado. Por isso deve haver entre a Igreja e o Estado uma cooperação sem interferência na especificidade de cada uma. (Vaticano II, GS, n0 76) 4. Estando ao serviço da pessoa humana, hoje e aqui, em Moçambique, esta Igreja não pode ficar indiferente aos próximos eventos políticos (Eleições Autárquicas e Gerais) que constituirão um grande marco do processo democrático no País, para a consolidação da Paz e melhoramento das condições de vida do povo Moçambicano. A escolha certa de candidatos idóneos, comprometidos ao serviço do bem comum e da justiça e reconciliação, para dirigirem os destinos dos municípios e da nação, constitui um passo de vital importância para a solução dos problemas que afectam a sociedade moçambicana e retardam o progresso do País. 5. Lembremo-nos de que os nossos processos eleitorais têm sido, até hoje, a maior ameaça e perigo à paz que se vive e se deve consolidar em Moçambique. As últimas eleições (1999) perturbaram gravemente a vida da acção e violaram gratuitamente a nossa jovem democracia e não respeitaram devidamente a seriedade dos eleitores. Há pois que evitar que as próximas eleições sejam assim. 6. “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias” dos Moçambicanos e Moçambicanas “sobretudo dos pobres e dos que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias” da Igreja em Moçambique “e nada existe de verdadeiramente humano que não encontre eco em seu coração” (Cf Vaticano II, GS 1). Por isso, a Igreja em Moçambique apela a todos os Moçambicanos e a todas as Moçambicanas para reflectirmos a sério sobre a realidade socio-política e económica na qual vivemos, e para assumirmos o grave desafio de escolhermos, através do voto, nas próximas Eleições Autárquicas e Gerais, os candidatos capazes de solucionar os problemas que afectam a sociedade moçambicana e melhorar as suas condições de vida e de conduta ética. 7. Olhando para o tempo que decorreu desde as últimas Eleições Autárquicas em 1998 e Gerais em 1999 apresentamos, neste documento, uma breve análise da situação que se vive em Moçambique, seguida de uma reflexão sobre as Eleições e sua importância na consolidação da Paz e Democracia. A seguir apresentamos algumas considerações sobre as Autarquias Municipais e alguns aspectos do perfil do candidato à Presidência do Município. Tendo em conta ainda as experiências do passado e do presente, apontamos alguns desafios que nos colocam as próximas Eleições Autárquicas e concluímos o nosso documento com uma exortação. III. REFLEXÃO SOBRE A REALIDADE SOCIOPOLÍTICA E ECONÓMICA DO NOSSO PAÍS Após as últimas Eleições Autárquicas e Gerais alguns aspectos socio-políticos têm melhorado, lenta e gradualmente, enquanto outros merecem redobrados cuidados. O medo e a corrupção 8. O nosso povo, sobretudo nas zonas do interior, ainda se encontra atormentado pelo medo perante alguns factos que impedem o normal desenvolvimento da justiça e, consequentemente, do processo democrático, tais como: intimidações de vária ordem, prisões sem culpa formada, prisões preventivas que excedem os prazos regulamentados pela lei, repressões violentas em diversas manifestações, distúrbios durante o processo das Campanhas Eleitorais,... Tudo isto cria um clima de medo que não é favorável a um processo eleitoral livre e dificulta a consolidação do processo democrático. Assim, os órgãos de administração da justiça não podem ainda gozar da plena confiança do povo. É urgente, pois, criar e aplicar mecanismos concretos e correctos para que estas anomalias sejam vencidas pelo exercício dos direitos democráticos. 9. Reconhecemos, contudo, que alguns aspectos do medo, na nossa sociedade, estão sendo, gradualmente, ultrapassados. Os acontecimentos que envolveram o processo do julgamento do caso "Carlos Cardoso" são sinais de que uma significativa parte da sociedade moçambicana está tomando a sério a problemática da busca da justiça, e que o poder judicial, apesar de tudo, começa a agir. 10. Apelamos, entretanto, aos órgãos da Justiça, a que lutem pela liberdade que lhes é de direito, levem avante outros processos de julgamento de crimes organizados e comecem a trazer a lume, de forma isenta, os mandantes desses crimes e lhes apliquem as penas que a Justiça preconiza. Assim, estarão contribuindo para erradicar o medo e a corrupção que pairam entre os cidadãos e consolidar o exercício efectivo dos direitos democráticos. O fosso entre ricos e pobres e as assimetrias 11. Enquanto uma minoria continua a enriquecer de forma não transparente, uma grande maioria do povo vai sendo empobrecida, com todas as consequências que daí podem resultar. Por outro lado, sente-se que o tratamento dos cidadãos não respeita o princípio da igualdade de direitos e deveres entre todos. § É deplorável a situação de assimetrias regionais que se verificam em muitos aspectos da vida dos cidadãos colocando grande parte deles em condições incompatíveis com o desenvolvimento e o bem-estar desejáveis. Esta situação verifica-se em diversos aspectos da vida dos moçambicanos: na educação, na saúde e assistência sanitária, no comércio, nos transportes e comunicações, na habitação, etc. § Condenamos a grande desigualdade de oportunidades entre os habitantes da cidade e do campo que faz com que estes sejam empurrados para o mundo da marginalização. § Condenamos igualmente a diferença de tratamento dos cidadãos na base da raça, do sexo, da cor político-partidária, das condições sociais, económicas, e da origem regional. § Não podemos deixar de referir, com indignação, a situação de disparidades de compensação salarial entre técnicos superiores moçambicanos e seus pares estrangeiros ao serviço da mesma entidade patronal. § Embora se notem significativos esforços para a dignificação e promoção da mulher, o povo moçambicano debate-se ainda com a discriminação da mulher nos mais diversos aspectos da vida: o acesso à escolaridade em muitas regiões do nosso País é proporcionado mais ao rapaz que à rapariga; o aceso ao emprego continua ainda a beneficiar mais o homem que a mulher. § É alarmante o contínuo e crescente número de crianças de rua, fenómeno que ensombra as nossas cidades e algumas vilas. § São tristes e desoladoras a discriminação e a marginalização da camada da sociedade moçambicana constituída por portadores de deficiência física e mental. 12. Estes e outros dados que evidenciam a diferença de oportunidades para a formação integral do cidadão moçambicano, bem como para a aquisição dos meios de produção, deixam claro que a distribuição equitativa de bens e serviços não está sendo ainda uma realidade no nosso País. Há toda uma urgência em que sejam tomadas medidas concretas e correctas, por quem de direito, para inverter a situação em ordem à construção e conquista de relações democráticas, para um Moçambique mais humano, mais justo e mais fraterno. Deficiência do plano de desenvolvimento económico 13. Enquanto, por um lado, sentimos a implementação do plano de desenvolvimento económico orientado teoricamente para a redução da pobreza absoluta e para a macroeconomia, com todos os aspectos positivos que isto implica, constatamos, todavia, que a melhoria da qualidade de vida do moçambicano caminha em marcha muito lenta. Continua a crescer o desemprego que delega ao informal a responsabilidade da segurança económica. E o informal orienta-se apenas para a sobrevivência. Estamos a caminho de um País que pode vir a ser rico e a população continuar a viver abaixo do limiar da pobreza absoluta. Os salários, embora sejam revistos de quando em vez, continuam sendo de fome porque não respondem às exigências mínimas de uma vida digna e não acompanham a subida do custo de vida. A grande maioria dos cidadãos que vivem nos centros urbanos, não consegue adquirir normalmente os géneros de primeira necessidade, devido ao seu elevado custo, nem tem facilidades de aquisição ou construção de uma habitação condigna para a família. Quanto aos habitantes do campo, é dolorosa a situação de falta de infra-estruturas de produção, a dificuldade de acesso ao mercado e ao crédito, e, em grande parte, a falta de acesso à educação, à saúde, à água, à justiça e uma série de bens e serviços. Vive-se ainda numa grave insegurança económica. Educação 14. A educação joga um papel importante para o reconhecimento e uso, por cada cidadão, das oportunidades para o desenvolvimento da sua personalidade, para o alcance do bem-estar pessoal e colectivo e não menos para o gozo dos seus direitos cívicos. Neste âmbito,é visível o esforço do Estado e da Sociedade Civil para o aumento do número dos estabelecimentos de ensino e dos professores, desde o fim da guerra até ao momento, aumentos esses que se repercutem num maior acesso dos moçambicanos à educação formal. Este melhoramento, no entanto, ainda não consegue, de longe, proporcionar a cada moçambicano a possibilidade de gozar o seu direito à educação. O Sistema de Educação debate-se com o aumento constante de procura de lugares para o ingresso nas instituições de ensino, desde o pré-primário até ao superior. Para além disso verifica-se que, mesmo para os que estão dentro do Sistema de Educação, a qualidade de educação que se lhes é oferecida é baixa, caracterizada, sobretudo, pela orientação para a alfabetização e formação académica, sacrificando o saber fazer, o saber ser e o saber estar com os outros. Por outras palavras, queremos aqui referir-nos à falta de uma educação técnico-profissional, à promoção e valorização da educação formal e não formal, à ausência da educação cívica, ética e moral. Apelamos a que se dê a devida atenção à extrema importância da definição de políticas de educação e legitimação do saber que permitam a participação de todos e a integração de diversos modelos num movimento que promova uma educação para todos. Saúde 15. O real aumento de infra-estruturas no sector da saúde pode, infelizmente, conduzir à idéia de que o acesso à saúde de qualidade está a ser melhorado para todos. Na prática, verifica-se que os pobres, que constituem a maioria, são segregados pela falta do poder financeiro. São extremamente chocantes as condições em que os doentes pobres são atendidos e hospitalizados na maior parte dos centros de saúde e hospitais estatais do nosso País. Igualmente são reportados vários casos de mau atendimento dos doentes pelo pessoal da Saúde. 16. Das doenças que mais atormentam o povo moçambicano contam-se a malária, a tuberculose, o HIV/SIDA, a diarreia e várias infecções intestinais. Devido à ameaça que a propagação do HIV/SIDA constitui para o capital humano, esta doença é, actualmente, objecto de grande preocupação. Por causa desta preocupação tem-se descurado algumas causas que favorecem a propagação do HIV/SIDA e dificultam, aos seropositivos, uma vida longa. Mencionamos como exemplos, a falta de perspectivas de vida de muitos moçambicanos, que ajudaria a estimar a vida, a prevalência de doenças como a malária, a diarreia e várias infecções intestinais, e problemas ligados à nutrição, cuja erradicação reforçaria o sistema imunológico, etc. 17. A Igreja continua a acreditar que a fidelidade conjugal e a abstenção, antes do casamento são um caminho seguro para travar a propagação do HIV/SIDA e apoia todos os esforços científicos que possam ajudar a salvar vidas e a garantir o futuro do nosso País e da humanidade. Agricultura 18. Parece que o objectivo da agricultura ainda está sendo orientado unicamente para a subsistência e não para o desenvolvimento. Este problema afecta mais de 60% da população que vive no campo onde a camada mais prejudicada são as mulheres, as responsáveis pela machamba. O agricultor não tem estímulos e incentivos para estimar a sua profissão que é a responsável do sustento das cidades. É fraca, por quem de direito, a preocupação de organizar o camponês em ordem ao aumento da produção agrícola, à melhoria da sua qualidade, à criação de reservas alimentares, à facilitação ao acesso ao mercado, e a empréstimos bancários. Transportes e Comunicações 19. Há um certo aumento quantitativo dos transportes rodoviários sobretudo nas cidades, com o crescimento dos "chapas". Lamentamos, todavia, que a qualidade destes meios de transporte deixe ainda muito a desejar. Por um lado, os transportes colectivos e semi-colectivos de passageiro, nas cidades, ainda são insuficientes e não cobrem as necessidades dos cidadãos. Por outro lado, os poucos existentes transportam pessoas em condições que constituem um atentado frontal à dignidade humana. São muitos os casos em que os vulgos “chapas” semeiam a morte, por circularem sem as mínimas condições de segurança e por os respectivos motoristas não respeitarem as regras de trânsito, na sua condução. 20. Na maior parte das zonas rurais, os transportes de passageiros são inexistentes e, quando existem, os seus proprietários não prestam atenção à segurança das pessoas, não manifestam sensibilidade pela dignidade humana, preocupando-se mais com o aspecto de lucro do que de serviço. 21. Os serviços de telefonia e rádio, televisão e informação em geral estão à disposição somente das populações das capitais do País e das províncias. Em diversas sedes de distritos, os serviços básicos de comunicação, a telefonia, a rádio, ou são inexistentes ou obsoletos. 22. O País não está ainda a dar a devida atenção às vias de comunicação terciárias. Por falta delas e, consequentemente, por falta de transportes, a grande maioria da população rural não tem acesso aos produtos de primeira necessidade e aos serviços essenciais, nem pode comercializar os excedentes da sua produção. 23. Como interligar a maioria da população, que vive no campo, ao desenvolvimento, se ela não pode comunicar-se nem locomover-se por falta de meios de transporte, para alcançar a escola, o hospital, o mercado? Cidadão, objecto de intervenções políticas 24. De uma forma geral, constata-se que o cidadão, no nosso País, é objecto de intervenções políticas e não o sujeito principal. O cidadão comum continua ainda, em grande medida, refém de promessas enganadoras e demagógicas que, muitas vezes, ou não são realizadas ou não são realizáveis. São raros os partidos políticos que se preocupam em ir escutar e saber das preocupações e reais necessidades das populações, para tomá-las como base dos seus projectos de governação. Por outro lado, o povo não tem uma educação cívica que lhe permita organizar-se para expor as suas reais necessidades aos políticos. 25. É necessário e urgente um trabalho de educação cívico-política para as populações, em ordem a que elas saibam organizar-se para identificar correctamente as suas reais necessidades e possam expô-las aos políticos que queiram obter os seus votos. Mas é também necessária e urgente uma educação aos políticos, para que saibam escutar as populações com o objectivo de conhecerem os anseios das mesmas para inseri-los em seus programas de governação. Em simultâneo com as duas propostas acima, é necessário e urgente que as novas gerações comecem, desde a Escola, a participar deste processo democrático: para tal, urge incluir nas escolas o programa de educação e participação cívico-política. Individualismo institucional 26. Nota-se a tendência de um individualismo institucional que faz com que grande parte de instituições, partidos, ONG’s, religiões, se orientem mais para si próprias do que para a busca do bem comum. Não se sente ainda, salvo raras e tímidas excepções, a preocupação de montagem de um plano global em ordem à realização de um trabalho conjunto para reforço da identidade nacional. O mesmo se verifica também ao nível do Governo e da Oposição. Há, por isso, toda uma necessidade e urgência de um estudo sério e profundo, com o objectivo de criar mecanismos que ajudem a realizar, em comum, tudo o que concorra para o bem público sem, todavia, interferir nas especificidades de cada organismo. IV. ELEIÇÕES - IMPORTÂNCIA DO ACTO ELEITORAL 27. Nestes dois anos, (2003 e 2004) vamos ter Eleições no nosso País (Autárquicas e Gerais) que são os factores propícios para mudar todo este conjunto de situações que acabamos de citar. 28. As Eleições são a maior expressão de Democracia que é o governo exercido pelo povo. Por isso, quando o cidadão participa nas eleições começa já a governar ainda antes dos eleitos começarem a organizar e exercer a administração da governação. Nas Eleições o cidadão não é apenas consultado, mas participa activamente na análise dos programas e candidatos que vão melhorar a qualidade de vida de todos os cidadãos do seu Município e do País. 29. As Eleições constituem a melhor oportunidade para o cidadão exercer o seu direito de liberdade de escolha. Para tal, o cidadão não deve votar coagido por qualquer força estranha. Por isso o voto é secreto, isto é, ninguém pode ser obrigado a dizer em quem vai votar ou em quem votou. O voto é pessoal, pois que cada pessoa vota por si e ninguém pode votar em nome do outro. O voto é livre, quer dizer, o cidadão não pode ser coagido ou ameaçado a escolher este ou aquele candidato, nem deve sofrer retaliações por causa do seu voto. O cidadão deve votar livremente no programa e no candidato que ele julgar, em consciência, ser a alternativa para o desenvolvimento do Município e do País. 30. As Eleições são a forma privilegiada pela qual o cidadão exerce o seu direito e dever de participar na melhoria de condições de vida dele próprio e do seu povo. O Processo Eleitoral não termina com a simples indicação do programa e do candidato que vai realizar esse programa. Ele inicia com esta escolha e indicação, tanto do programa quanto do candidato, e continua com o acompanhamento do desempenho do cidadão ou cidadãos eleitos. O cidadão que vota ou elege tem autoridade e obrigação de fiscalizar para ver se os programas de desenvolvimento propostos estão sendo cumpridos ou realizados. No decurso do mandato dos eleitos, o cidadão tem o direito e o dever de se expressar para corrigir os desvios de administração do programa aprovado. Em caso de incumprimento das obrigações, por parte dos eleitos, o cidadão tem o direito e o dever de escolher outros candidatos, nas eleições seguintes. 31. As Eleições são uma ocasião especial para o cidadão exercitar e exercer o respeito pela opinião dos outros. Se a maioria dos cidadãos escolher programas e candidatos diferentes dos da sua preferência, por respeito à opinião dos outros, o que faz parte integrante do jogo democrático, o cidadão tem a oportunidade de dar o seu voto de confiança à maioria e trabalhar em sintonia com esta maioria para que os programas aprovados sejam cumpridos para o bem de todos. Na verdade, a nossa liberdade termina onde começa a dos outros. 32. Por tudo quanto ficou dito, compreendemos facilmente que Votar é um acto muito importante e de grande responsabilidade política e democrática. Com o seu voto consciente, o cidadão eleitor assume a responsabilidade de uma boa governação do Município ou do País. Se fizer uma má escolha o eleitor deve sentir-se co-responsável por esta situação e não deverá queixar-se de que os dirigentes eleitos não servem os interesses do povo. 33. No Acto Eleitoral há quem elege e quem é eleito. Para quem é eleito, o acto eleitoral tem um valor crucial porque lhe permite participar no desenvolvimento socio-económico como servidor do povo. Por isso é um erro muito grave candidatar-se com o objectivo de ascender ao poder, de se enriquecer facilmente e de se tornar grande. O cidadão que é eleito, no caso das Eleições Autárquicas, encontra-se em melhores condições de fazer uma boa gestão do bem público ajudando assim a construir um Município mais humano, mais justo e mais fraterno. 34. Apelamos a que todo o cidadão eleito se comprometa verdadeiramente a fazer do seu mandato um serviço aos seus concidadãos, aos seus irmãos munícipes. V. AUTÁRQUIAS MUNICIPAIS - O MUNICÍPIO 35. Neste ano (2003) vamos ter Eleições Autárquicas. Aceite o princípio de que todo o cidadão deve participar nas decisões que dizem respeito ao País, as Eleições Autárquicas (no próprio Município) são a forma mais privilegiada de participação na vida socio-política. 36. O Município funciona como um pequeno Estado dentro de um grande Estado. No Município quase todos se conhecem ou, pelo menos, já se ouviu falar da pessoa que se candidata a Presidente do Município e até os nomes dos futuros vereadores e deputados municipais. Assim, o eleitor poderá fazer a escolha da pessoa certa para presidir os destinos do Município, bem como os nomes de todo o Governo Municipal. 37. Nas Eleições Autárquicas o eleitorado de cada Município escolhe não só o Presidente, como também, uma Assembleia Municipal, isto é, uma espécie de Parlamento ao nível da circunscrição municipal. 38. É no Município que o respectivo eleitorado inicia o exercício da democracia e dos direitos e deveres de cada munícipe, (cidadão residente dentro da área da circunscrição municipal), quer escolhendo quem vai governar o Município, quer assumindo o Poder Político Municipal, quer controlando e exigindo uma acção Governativa Municipal adequada e desejada por todos os munícipes. 39. Por isso apelamos para o livre e necessário exercício de voto de cada eleitor municipal. Uma boa Administração Municipal contribui, de forma decisiva, para uma boa Administração Pública de todo o País. 40. Nas Eleições Autárquicas, o munícipe, ao dar o seu voto, deve escolher conscientemente o programa e as pessoas mais correctas que conhece, porque residem na circunscrição municipal onde ele também reside e vão resolver os problemas da vida real local. O voto não deve ser dado ao Partido Político, mas a uma determinada pessoa que garanta que vai cumprir os programas e presidir os destinos da Autarquia Municipal. Esta eleição personalizada permite ao eleitor ajuizar o valor do candidato quanto à sua competência e eficiência, às suas qualidades de trabalho e à garantia da sua honestidade e transparência dos seus actos na implementação do programa que o próprio eleitor aprova. 41. O Governo Municipal não depende do Governo Central. O Governo Municipal responde perante o seu eleitorado, os munícipes. Deste modo, o munícipe tem a possibilidade de conhecer e fiscalizar a acção de cada Autoridade Municipal. E a fiscalização incide sobre aquilo que as autoridades municipais fizeram ou deixaram de fazer. Mas, além de acompanhar e fiscalizar as pessoas escolhidas para a administração do Município, o munícipe tem também o direito e o dever de dar sugestões necessárias para melhorar os programas de governação municipal. 42. Por lei, para garantir a participação dos munícipes na condução dos destinos do Município, as sessões da Assembleia Municipal são de livre entrada, podendo cada munícipe levantar questões municipais, indagar o Presidente do Conselho Municipal a razão de ser desta ou daquela situação do Município, como se gastou o dinheiro, quer do Orçamento Geral do Estado, quer das receitas próprias arrecadadas pelo Município, as taxas municipais referentes aos serviços prestados pelo Conselho Municipal, os pequenos impostos municipais ou ainda as receitas de venda de bens do Município. 43. Se, para todo o cidadão é um dever participar na gestão do Município, para o cristão torna-se um imperativo da própria fé. A Doutrina Social da Igreja deixa bem claro que um mundo mais humano, mais fraterno e mais justo não vai ser um presente, mas uma conquista. Cada cristão é chamado a participar deste projecto, por força da própria fé. “O desenvolvimento integral... tem a ver com o âmago da Evangelização” (A Igreja em África, 68). O cristão que se omitir deste dever, além de se manifestar como péssimo cidadão, participa do pecado social da omissão e legitima a corrupção e todo o mal socio-político. Ao cristão não são permitidos nem a letargia, nem a indiferença, nem o medo das mudanças, nem o conformismo, nem o desespero. 44. É dever da Igreja participar na Educação Cívica para esclarecer o povo sobre os seus direitos e deveres. Por isso, as Comissões Sociais da Igreja, as Dioceses, as Paróquias devem programar e realizar intervenções, em conjunto com todas as forças organizadas da Sociedade Civil, para sensibilizarem os cidadãos a serem eles próprios a dizer o que querem, para que as decisões saiam da base para o topo e não o inverso. VI. PERFIL DO CANDIDATO À PRESIDÊNCIA DO MUNICÍPIO 45. Antes de eleger, o cidadão deve estudar com cuidado os candidatos e as qualidades que deve ter um candidato à Presidência do Município. Precisamos de escolher pessoas certas para o lugar certo e no momento certo. 46. O candidato à Presidência do Município deve: § Conhecer a realidade do Município, isto é, os problemas políticos, sociais e económicos do Município; § Saber explicar aos munícipes, de forma objectiva, como irá resolver os problemas que o programa proposto poderá levantar; § Ser honesto e recto na sua vida privada e no seu relacionamento com as pessoas; § Saber respeitar a dignidade humana, a justiça, a liberdade e todos os direitos humanos; § Ser maduro, transparente, dedicado, aberto ao diálogo e tolerante; § Manifestar a vontade real de servir aos munícipes e não ser ambicioso do poder e da riqueza; § Interessar-se realmente pela solução dos problemas do Município; § Comprometer-se em realizar os programas com o objectivo de melhorar efectivamente a vida dos munícipes; § Ser capaz de lutar contra a corrupção, a criminalidade e outros males sociais. VII. DESAFIOS QUE NOS COLOCAM AS PRÓXIMAS ELEIÇÕES Comissão Nacional de Eleições (CNE) 47. A Comissão Nacional de Eleições (CNE), nos termos da lei orgânica, deve ser constituída por elementos politicamente isentos de qualquer tendência ideológica ou político-partidária. Infelizmente, as nossas CNEs, quer em 1998, quer em 1999, não foram bem sucedidas. 48. A CNE tem grandes responsabilidades na aceitação ou não dos resultados eleitorais. A isenção, a transparência e a legalidade dos actos do processo eleitoral constituem o melhor instrumento da consolidação do processo democrático do País. 49. A Democracia Moçambicana pode ser destruída se a CNE não conquistar a confiança de todas as Forças Políticas concorrentes ao acto eleitoral e, principalmente, da Sociedade Civil. 50. Um dos desafios que nos colocam as próximas eleições é o da existência de uma CNE que prime pela isenção, eficiência, transparência e legalidade dos actos eleitorais. 51. Apelamos para a responsabilidade e honestidade dos membros da CNE, a fim de não se deixarem corromper nem influenciar por quaisquer interesses ideológicos ou político-partidários. Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE) 52. O Secretariado Técnico de Administração Eleitoral deve ser constituído de cidadãos democratas, isentos. Assim o impõe a sua natureza de um Departamento Estatal, para uma objectiva apreciação e execução de actos eleitorais tais como: o recenseamento e a actualização dos cadernos eleitorais, a realização do acto eleitoral propriamente dito, o registo e apuramento dos resultados, permitindo a fiscalização de todas as forças concorrentes, de forma a acompanhar todo o processo de apuramento. 53. Um isento, competente e diligente STAE é uma garantia certa de que os vencedores e os vencidos aceitarão naturalmente os resultados finais da contagem dos votos. 54. Se os políticos, os partidos e os eleitores acreditarem e confiarem na eficiência, isenção e transparência dos órgãos eleitorais, porque de facto são pessoas credíveis e não foram colocados naquele lugar de forma obscura, as Eleições contribuirão para a consolidação da democracia e consequentemente do bem-estar da sociedade. Participação, em massa, no Processo Eleitoral 55. O Processo Eleitoral só se justifica e é aceitável se para ele concorre o maior número de eleitores. Nas primeiras Eleições Autárquicas, em 1998, 85% de eleitores não votaram, o que foi muito negativo. A abstenção permite a possibilidade de se introduzirem nas urnas votos direccionados dos eleitores que se abstiveram de votar. A abstenção significa favorecer e consolidar a situação de injustiça e de corrupção existentes. 56. Se todas as pessoas recenseadas forem votar, não será fácil a tentativa de fraude, porque na urna não pode aparecer um número de votos superior ao do eleitorado registado em cada mesa de voto. 57. A participação, em massa, de todos os cidadãos em condições de votar, é o grande desafio que nos colocam as próximas Eleições Autárquicas, para podermos usufruir dos benefícios das eleições. A abstenção é uma decisão negativa, porque é uma recusa a um direito inalienável. 58. Para não se repetir o triste episódio das abstenções havidas nas Eleições Autárquicas de 1998, com todas as consequências negativas que disso advieram, apelamos para a maior afluência possível de eleitores inscritos no caderno e recenseamento eleitoral, sobretudo dos jovens. Uma adequada fiscalização 59. Para assegurar que, tanto a votação quanto o apuramento dos resultados sejam transparentes e isentos de todos os malefícios da corrupção e da injustiça, há que assumir o grande desafio da organização de uma equipa de observadores e fiscais qualificados. 60. Apelamos à criação de mecanismos sérios e eficazes que permitam uma justa observação e fiscalização da votação e do apuramento dos seus resultados onde, além de observadores internacionais, os políticos e os diversos sectores da Sociedade Civil organizada possam participar. Campanha Eleitoral 61. A Campanha Eleitoral é o momento em que Programas, Partidos e Candidatos se apresentam ao povo com o dever de explicar claramente as suas propostas em vista a uma futura administração. É um momento de festa e de exercício de direitos cívicos dos moçambicanos, de reencontro e demonstração da vontade de partilhar, de democracia, de consolidação da Paz. Lembremo-nos de que foi o diálogo, e não a violência, que permitiu chegarmos ao estado actual de Paz e Reconciliação e elevemos os nossos valores morais e espirituais durante a fase da Campanha e Propaganda Eleitoral. 62. Apelamos a que na próxima Campanha Eleitoral os eleitores, lembrando-se das palavras do Evangelho “...que vos ameis uns aos outros” (Jo 15, 17), façam tudo o que estiver ao seu alcance para que não se repitam episódios de violência, perturbações, provocações e agressões que aconteceram no passado. 63. Para os partidos e candidatos, o nosso apelo é que o lema da sua conduta ética seja: “saber ganhar, saber perder”. Papel da Polícia 64. Partindo do princípio de que as Eleições devem ser uma festa, e para que elas decorram em ambiente de uma sã participação cívica, apelamos a que a Polícia assuma o seu papel de protecção do cidadão, independentemente da sua filiação partidária e zele pela manutenção da lei e ordem, sem extremismos, não intimidando nem favorecendo ninguém, nem antes, nem durante o Processo Eleitoral. Meios de Comunicação Social 65. O bom êxito de todo o Processo Eleitoral, desde o Recenseamento, passando pela Campanha e Propaganda Eleitoral e Organização das Assembleias de Voto (Eleição e Processo de Votação), até ao Apuramento dos Votos, depende, em grande medida, do bom desempenho dos Meios de Comunicação Social. Por isso, apelamos a que os Meios de Comunicação Social trabalhem com imparcialidade, rigor e objectividade na informação, sem favoritismos, sem manipulações de espécie alguma e sem agitar os fantasmas do passado. Partidos Políticos 66. Por ocasião da Campanha Eleitoral os partidos políticos têm tido a oportunidade de “tempo de antena” para poderem exprimir-se diante do povo. Apelamos a que aproveitem ao máximo esse tempo para fazerem conhecer os seus programas e propósitos das respectivas candidaturas. Observadores Internacionais 67. Os observadores internacionais não devem ser meros espectadores, mas observadores de facto e de direito. Apelamos pois a que tenham um papel activo, imparcial e isento de favoritismos para que a vitória das Eleições Autárquicas seja a vitória dos respectivos munícipes e do Povo Moçambicano. VIII. CONCLUSÃO Exortamos a todos os Moçambicanos e a todas as Moçambicanas de boa vontade e, particularmente a todos os que acreditam em Deus e aos fiéis das Igrejas Cristãs e da Igreja Católica, para que façam do Acto Eleitoral uma manifestação política da sua Fé e do seu compromisso ao bem comum integral do País. Apelamos a todos os crentes para que peçam a Deus que as próximas Eleições Autárquicas sejam uma verdadeira festa da Cultura de Democracia e Paz no País. Maputo, 28 de Agosto de 2003 Os Bispos Católicos de Moçambique Dom Jaime Pedro Gonçalves, Arcebispo da Beira e Presidente da CEM Dom Tomé Makweliha, Arcebispo de Nampula e Vice - Presidente da CEM Dom Januário Machaze Nhangumbe, Bispo Emérito de Pemba e Secretário Geral da CEM Dom Paulo Mandlate, Bispo de Tete e Vogal do Conselho Permanente da CEM Dom Adriano Langa, Bispo Auxiliar do Maputo e Vogal do Conselho Permanente da CEM S. Eminência D. Alexandre José Maria dos Santos, Cardeal- Arcebispo Emérito de Maputo D. Luís Gonzaga Ferreira da Silva, Bispo Emérito da Lichinga D. Alberto Setele, Bispo de Inhambane D. Bernardo Filipe Governo, Bispo de Quelimane D. Júlio Duarte Langa, Bispo de Xai-Xai D. Francisco João Silota, Bispo de Chimoio D. Germano Grachane, Bispo de Nacala D. Manuel Changuira Machado, Bispo de Gurué D. Francisco Chimoio, Arcebispo de Maputo D. Hilário da Cruz Massinga, Bispo de Lichinga


Igrejas Lusófonas