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Legislativas 2005 à luz da Doutrina Social da Igreja

Nota da Comissão Justiça e Paz da diocese de Portalegre - Castelo Branco

Sobre as eleições que tiveram lugar no passado dia 20 de Fevereiro já muitos analistas políticos se debruçaram e retiraram delas algumas conclusões. A uma estrutura da Igreja Diocesana, como é a Comissão de Justiça e Paz da Diocese de Portalegre/Castelo Branco, não lhe cabe fazer esse tipo de análises mas, antes, a partir dos resultados que foram obtidos, saber até que ponto a Doutrina Social da Igreja permite fazer uma leitura cristã desses resultados. Diz-se na Constituição Pastoral sobre a Igreja no Mundo Contemporâneo (parágrafo nº 75) que “é plenamente conforme à natureza humana a constituição de estruturas jurídico-políticas que ofereçam a todos os cidadãos (...) a possibilidade efectiva de participar livre e activamente”, nomeadamente “na eleição dos governantes”. Foi esta possibilidade efectiva de participar que, nestas eleições, teve um significado mais nítido, na medida em que houve um menor número de abstencionistas. Mas, no mesmo parágrafo recorda-se a todos os cidadãos “ o direito e, simultaneamente, o dever de usar da liberdade de voto para promover o bem comum.” O Parlamento que se formou e o Governo que dele emanou explicitam, em si mesmos, uma determinada orientação, por parte da maioria dos cidadãos, de promover o bem comum. Mas que bem comum é este? No mesmo parágrafo diz-se, mais adiante, que “ se reconheçam, se respeitem e se promovam os direitos de todos os indivíduos, famílias e grupos, assim como o exercício dos mesmos, juntamente com os deveres cívicos, que obrigam todos os cidadãos.” Isto é: só um Estado que faça bandeira dos direitos das pessoas, consideradas individualmente mas, também, das famílias e dos grupos está na senda do bem comum. Por direitos das pessoas devem entender-se os cuidados que cada um merece no que se refere à saúde, à justiça, à educação, ao emprego, à cultura, à livre escolha do seu caminho, enfim, à igualdade de oportunidades. Quanto às famílias, é delas que depende, mais do que de qualquer outra sociedade, instituição ou ambiente, no dizer de João Paulo II (Discurso do Papa em Portugal, 1982), o futuro do homem. “Por isso”, continua ele, “a família, na atmosfera actual do mundo – especialmente do mundo ‘rico’, do mundo da ‘elevada civilização material’ – está ameaçada. Ela permanece, contudo, a fonte de esperança ”. Os cuidados materno-infantis, a educação pré-escolar e os apoios nos restantes níveis de escolaridade às famílias mais carenciadas, a conciliação do emprego com a assistência aos filhos nos primeiros anos de vida, a habitação, a protecção às mães solteiras, são tópicos que qualquer Governo deverá colocar como primeiras prioridades das suas políticas em relação às famílias. Uma sociedade moderna e aberta é aquela que facilita a livre associação das pessoas, tendo em vista a consecução de determinados objectivos. É nos grupos que, a par da família, as pessoas se socializam. São esses grupos que, cada vez mais, intervêm na regulação do tecido social e contribuem para dar à sociedade aquilo que o Estado não pode. Vejam-se as associações de natureza humanitária, de natureza cultural, de natureza desportiva e recreativa e, até, de natureza religiosa. Elas constituem, quantas vezes, o principal auxílio a muitos dos cidadãos em carência, seja ela, física, psicológica, moral e espiritual. O Estado e os governos não podem passar ao lado destas entidades, no auxílio que lhes prestam. Mas o documento conciliar citado diz, ainda, que se promovam os deveres cívicos, que obrigam todos os cidadãos. Significa isto que numa sociedade equilibrada e justa os cidadãos não têm só direitos; eles têm, igualmente, deveres. Esses deveres apresentam-se, desde logo, em relação ao próprio Estado, como seja o pagamento devido dos impostos; deveres para com os outros, nos diferentes tipos de relacionamento que a vida quotidiana proporciona; deveres para com os próprios, numa vivência da sobriedade e no respeito pelos limites da natureza humana. No início deste documento dizia-se que os cidadãos tinham explicitado, através destas eleições, uma determinada orientação para promover o bem comum. A orientação é a de que, no momento que o País atravessa, se constitua um Governo coeso, com uma base de sustentação estável, que seja capaz de levar em frente, de uma maneira determinada mas sem desprezo pelas minorias, a satisfação de todos aqueles direitos, já referidos, mas com a capacidade e a autoridade para exigir o cumprimento dos deveres de cidadania que a todos competem. Governar implica, pois, assumir valores. Ora, ter valores é actuar nas diferentes perspectivas – política, económica, social e cultural – tendo sempre como sujeito a Pessoa. Portalegre, 18 de Março de 2005 A Comissão Justiça e Paz da Diocese de Portalegre/Castelo Branco


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