Matrimónios mistos e prudência pastoral D. Teodoro de Faria 13 de Março de 2006, às 10:49 ... Alertas do Bispo do Funchal Uma questão surge entretanto que tem preocupado várias conferências episcopais: os matrimónios mistos entre cristãos e muçulmanos. É uma questão delicada que se apresenta como um desafio pastoral. As Conferências Episcopais Europeias sugerem uma série de considerações para discernir os diversos casos antes de conceder a licença do impedimento de disparidade de culto. 1. Com 20 milhões de muçulmanos e uma importante comunidade judia, além de outras mais pequenas, com uma mistura de populações, o multiculturalismo e a secularização, o cristianismo na Europa pode dar uma imagem de gigante adormecido, mas ele tem uma capacidade de se reconstruir que ultrapassa as feridas que a história o marcou ao longo dos séculos. Com a queda do comunismo na Rússia e na Ucrânia em 1989, o número de paróquias ortodoxas triplicou, contando hoje com mais de 20.000, os mosteiros que no mesmo ano eram apenas 18, hoje são mais de 600. Em relação com os católicos a proporção é semelhante, de tal forma que o Patriarca russo tem dificultado uma relação mais amigável com a Igreja católica, embora o degelo pareça estar para breve devido à eleição do novo Papa. Uma questão surge entretanto que tem preocupado várias conferências episcopais: os matrimónios mistos entre cristãos e muçulmanos. É uma questão delicada que se apresenta como um desafio pastoral. As Conferências Episcopais Europeias sugerem uma série de considerações para discernir os diversos casos antes de conceder a licença do impedimento de disparidade de culto. Os problemas são múltiplos 2 - O discernimento tem em vista o bem das próprias pessoas. Os problemas devem ser afrontados com competência, com humanismo e caridade pastoral, e não apenas sob o aspecto jurÃdico e burocrático. Perante um matrimónio deste género, ainda raro entre nós mas que começa a aparecer entre os emigrantes, o sacerdote deve conhecer não só a sua fé religiosa, mas também os fundamentos da fé muçulmana. É preciso também conhecer em concreto a cultura das sociedades muçulmanas para situar os diversos casos. No encontro com o parceiro do islão, o padre tem ocasião para apresentar o projecto pastoral da Igreja e os fundamentos da fé cristã. É ocasião também para a parte católica aprofundar os seus conhecimentos religiosos, por vezes tão rudimentares. A dimensão da caridade pastoral torna-se ainda mais necessária quando se chega à conclusão que não se deve conceder a dispensa para a realização do matrimónio. As circunstâncias vão influenciar a decisão. O jovem muçulmano emigrado para a Europa procede de um paÃs maioritariamente muçulmano? Respeita a fé do parceiro de fé cristã? Algumas vezes trata-se de jovens que vieram trabalhar para a Europa com uma fraca participação no islamismo. Por vezes são jovens filhos de famÃlias cristãs que não foram baptizados e se converteram ao islão e agora querem realizar o matrimónio com um cristão. Os convertidos por vezes são muito rÃgidos e não reconhecem a liberdade religiosa do cônjuge. Como há vários islamismos – sunita, chiita, sufi – conhecer estas particularidades é importante para ter uma ideia clara da situação futura do casal e este estar preparado para os problemas que vai afrontar, pois não serão apenas jurÃdicos mas de várias dimensões. Pelo facto de alguns jovens muçulmanos não terem um profundo conhecimento da sua religião, não podemos ser ingénuos, porque a sua identidade verifica-se em fases sucessivas e a pertença a duas culturas torna-o frágil. Quando a parte cristã tem formação insuficiente e pouca prática religiosa, a fragilidade aumenta e a fé corre perigo. Os problemas são muitos e a caridade pastoral exige um acompanhamento competente e inteligente para que estes lares possam em comum viver a sua fé religiosa diferente, em plena liberdade. Dispensa de disparidade de culto 3 – A experiência tem demonstrado que os matrimónios mistos entre católicos e muçulmanos se rompem em tempos muito curtos, causando traumas profundos principalmente aos filhos. Daà a prudência e firmeza que devemos exigir, pelas consequências no campo religioso, social e do diálogo inter-religioso. As diversidades culturais e religiosas são profundas. Em linha geral a pastoral familiar desaconselha ou não encoraja estes matrimónios. O islão não reconhece aquilo que para a Igreja Católica são as «propriedades essenciais», ou seja a unidade e a indissolubilidade. Se a parte muçulmana exclui estas propriedades, o matrimónio é nulo. O direito muçulmano clássico estabelece uma disparidade entre a mulher e o marido, a este pertence a educação dos filhos e direito sobre a prole. Esta forma subalterna da mulher, coloca-a numa situação de fragilidade dentro da famÃlia. O marido tem o direito unilateral ao repúdio. A famÃlia, no matrimónio islâmico, é colocada sob a autoridade do marido, e o ideal familiar, segundo o livro santo do Corão, é o patriarcal, de forma que o homem é o senhor da famÃlia. O matrimónio entre católicos e muçulmanos pode ser celebrado com rito canónico, após a dispensa de disparidade de culto, concedida pelo Ordinário Diocesano. Não é conveniente que os noivos se apresentem perante o sacerdote quando tudo já está decidido e as núpcias marcadas. O padre para aconselhar deve ter um certo conhecimento do islão, das suas tradições, das suas práticas e da concepção islâmica do matrimónio. O acompanhamento pastoral deve estender-se não só na preparação do matrimónio mas ao longo de toda a vida familiar. Na construção de uma nova Europa, as relações entre crentes cristãos e de outras confissões ou tradições religiosas serão cada vez mais frequentes e a pastoral familiar não as pode ignorar nem basear-se apenas numa relação simplesmente burocrática ou jurÃdica. Funchal, 12 de Março de 2006 D. Teodoro de Faria, Bispo do Funchal Diocese do Funchal Share on Facebook Share on Twitter Share on Google+ ...