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Mensagem do Arcebispo de Braga para a Quaresma 2008

D. Jorge Ortiga
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"Quaresma - o dar-se como compromisso"

Nunca a vida foi tão apressada como nos tempos actuais. Todos mergulhamos num sem número de ocupações e obrigações e quando nos parece ter um pouco de tempo livre, “inventamos†coisas para realizar. É neste ambiente que acontece a Quaresma. Podemos permitir que ela passe despercebida ou assuma um trajecto a percorrer, como cristãos e como famílias. Gostaria de deixar uma palavra a toda a comunidade arquidiocesana. Se ela for acolhida, louvo ao Senhor; se ficar no esquecimento, cumpri o dever de sentinela da messe do Senhor a apontar caminhos de renovação e esperança. O Programa Arquidiocesano – “Família, dom e compromisso†– leva-me, espontaneamente, a escolher um texto evangélico extraído da liturgia do terceiro domingo da Quaresma. Pode parecer conhecido; sendo ouvido com o coração, provocará novidade de vida nas pessoas, nas famílias e nas comunidades. Refiro-me ao encontro de Cristo com a Samaritana (Jo. 4, 5-42), evidenciando alguns aspectos. 1. Jesus senta-se à beira do poço Este gesto pode sublinhar a necessidade de escolher alguns lugares ou espaços para parar. Os cansaços, perplexidades, dúvidas, interrogações, … necessitam de momentos de serenidade para readquirir o equilíbrio fundamental e prosseguir a caminhada. 2. Jesus DESCE AO NÃVEL DA Samaritana Jesus solicita à mulher Samaritana, sabendo que os judeus não se entendiam nem falavam com os Samaritanos, água para beber. Nesta atitude podemos descortinar a exigência do diálogo e da comunhão íntima a propósito das necessidades essenciais. O egoísmo e o individualismo fecham-nos, iludindo-nos no discernimento das melhores opções. A dimensão comunitária, a nível da família, da comunidade, das amizades autênticas é constitutiva da vida humana e nunca pode ser desconsiderada. O que acontece no diálogo natural e espontâneo a propósito das questões que inquietam e incomodam, deve ser transportado para um ambiente sacramental realizado na celebração e vivência, individual e não colectiva, do sacramento da reconciliação. Sabemos que, infelizmente, vai perdendo lugar na vida dos cristãos. As causas são variadas e deveriam ser examinadas a nível de consciência pessoal, por parte dos ministros e dos fiéis. Penso, porém, que a superficialidade com que o Sacramento é encarado pode explicar muitas coisas. A interiorização faz descortinar as verdadeiras causas das opções, repetidas inadvertidamente e justificadas pela adaptação ao ambiente, e aponta caminhos de renovação pessoal que se irão repercutir na família e na comunidade. 3. “SE CONHECESSES O DOM DE DEUS…†A paragem, sinal de silêncio interior, aliada à partilha da vida no intuito de discernir caminhos de conversão, conduz-me à ideia central do Programa Pastoral que, recordo, apresenta o objectivo de nos tornarmos uma autêntica família diocesana trabalhando para fazer com que as famílias cresçam como “dom†e “compromissoâ€. Daqui parto para a afirmação de Cristo à Samaritana: “Se conhecesses o dom de Deus e quem é Aquele que te diz: “Dá-Me de beberâ€, tu é que Lhe pedirias e Ele te daria água viva†(Jo 4, 10). Nesta resposta encontramos o convite para querer conhecer “o dom de Deus†e “Aquele†que pede de beber. Duas realidades que se identificam e que exigem um trabalho de “reconhecimento†do mesmo “dom†através de compromissos bem delineados. São variados os caminhos que permitem este novo conhecimento e reconhecimento. Por muito esforço que façamos, estaremos sempre a sublinhar a importância de realidades já conhecidas a que deveremos dar sentido novo. Eis algumas sugestões: 3.1. Conhecer o dom da interioridade Criar ambiente de interioridade e espaços de deserto para um estar a sós com Aquele que quer dar de beber. A dispersão empurra-nos para muitas actividades. Urge saborear a interioridade para nos tornarmos adoradores verdadeiros, em espírito e verdade, que adoram Aquele que conhecem. Ele quer dar-se a conhecer e o grande dom desperdiçado está aqui. O mundo moderno pode ter muitas fomes e sedes. A sede fundamental é de realidades sobrenaturais de horizontes infinitos. Acolhendo a “água†que Ele nos quer dar, adquirimos a certeza de ser “nascente†que sacia aqueles com os quais contactamos. • Reconhecer na Oração e Palavra O reconhecer este dom exprime-se em momentos, na vida pessoal e familiar, de oração, meditação e contemplação a partir dum diálogo espontâneo com Deus sobre as vicissitudes da vida ou acolhendo, em leitura serena e tranquila, a sabedoria que a Palavra de Deus dá á nossa mente, ao nosso falar e ao nosso agir. Na verdade, o dom da Palavra é tesouro a ser saboreado e assimilado nos contornos que encerram. 3.2. Conhecer a vida Trinitária O “dom de Deus†é, estruturalmente, a vida comunitária da Santíssima Trindade. Há modelos de existência e de família que invadem as nossas mentalidades e as nossas casas. Não contentar-se com o vulgar e o mais comum mas tentar ir para além do imediato é mergulhar na comunhão trinitária de três pessoas que testemunham a unidade na diversidade. • Reconhecer na comunhão relacional Reconhecer o dom trinitário deve passar para o exercício permanente de comunhão onde a individualidade de cada um integra as diferenças que, por muito que queiramos, nunca se destroem. Elas não são concorrentes da felicidade pessoal mas o ambiente único gerador da verdadeira alegria. A índole relacional é um campo de iniciativas e apostas que nos colocam permanentemente perante desafios novos. A família, o emprego, as comunidades são o terreno onde é possível demonstrar o reconhecimento da dádiva do amor trinitário. 3.3. Conhecer a diferença cristã Conhecer o dom de Deus é deixar-se moldar por Ele. O divino vai penetrando para possuir, provocando uma identidade que nos diferencia de muitos outros estilos de vida. Deus não é um concorrente com a vida humana, mas deve permear tudo o que a caracteriza numa plurifacetada expressão de comportamentos. Sublinha-se muito a diversidade oriunda da liberdade de consciência. Só que, nem sempre, conseguimos expressar a identidade de algo que tendo raízes interiores se manifesta, talvez silenciosamente, no quotidiano complexo e difícil. • Reconhecer na ousadia da fidelidade Daí que o compromisso, como reconhecimento, encontra a sua expressão mais eloquente no testemunho. O cristianismo nunca se pode reduzir a mera interioridade. Parte do invisível mas deve tornar-se visível através de comportamentos que não necessitam de estatísticas para serem consideradas normais. Somos vocacionados para a universalidade mas teremos de ter a coragem de testemunhar fidelidade aos princípios que o dom de Deus encerra. Nada mais premente que esta fidelidade à pessoa de Cristo e aos princípios e valores evangélicos, com carácter de testemunho corajoso e público, na sociedade da “feira†que propõe “produtos†enganadores. Como tantos outros poderemos “beber†das águas que quotidianamente nos oferecem. Importa ousar a coragem de beber da “água que Eu lhe der†“para nunca mais ter sedeâ€. Por isso, o testemunho emerge, como exigência a viver na vida pessoal e familiar, e significa “renunciar†sendo diferente em todos os lugares, públicos ou privados, para que a Igreja aí esteja presente. Não desconsideramos as renúncias, abstinências, jejuns prescritos. Existem outras com mais actualidade e rigor. Com elas pode nascer uma personalidade nova que, mesmo não sendo reconhecido por todos, elevará o mundo e apontará caminhos de esperança. 3.4. Conhecer o dom na criatividade do amor Conhecer o dom de Deus significa, ainda, acolher uma semente. Na verdade, onde está Deus aí está a criatividade dum mundo de fraternidade nascido da consciência dum Pai comum que congrega a humanidade numa autêntica família. O “dom de Deus†não é meu. É um “dom†oferecido a todos através duma dignidade comum a defender e promover. Com ele recebemos o dinamismo duma vida que pretende saciar a sede de todos. • Reconhecer a Partilha como fonte de água viva Reconhecer o dom como semente exige que a partilha se torne experiência para poder ir ao encontro dos mais necessitados e dotar a Igreja das condições necessárias de modo a que se torne capaz de oferecer a água viva de Cristo à humanidade. Aqui situamos a renúncia quaresmal ou contributo Penitencial. Acolhemos o “dom†e renunciamos e partilhamos. O Santo Padre, na mensagem para esta Quaresma, opta por concentrar-se nesta sugestão “que representa uma forma concreta de socorrer quem se encontra em necessidade e, ao mesmo tempo, uma prática ascética para se libertar da afeição aos bens terrenosâ€. Aí recorda-nos que não somos “proprietários mas administradores dos bens que possuímos†e interpela-nos a dar com alegria e para glória de Deus com gestos de doação escondidos e sem vanglória para nos sentirmos próximos dos outros e de Deus. Nesta experiência de doação estamos a oferecer um anúncio e testemunho de Cristo uma vez que peregrinamos em sintonia com o estilo que S. Paulo sintetiza afirmando: “Cristo fez-se pobre por nós†(2 Cor. 8, 9). Este “estilo†convida à conversão e adverte que se é fundamental “darâ€, é imperioso “dar-seâ€. “Na sua escola, podemos aprender a fazer da nossa vida um dom total: imitando-O conseguimos tornar-nos disponíveis para dar não tanto algo do que possuímos, mas darmo-nos a nós próprios… Quando se oferece gratuitamente a si mesmo, o cristão testemunha que não é a riqueza material que dita as leis da existência, mas o amorâ€. 4. Compromisso de Renúncia e Contributo Penitencial Nesta perspectiva recordo as finalidades do nosso Contributo Penitencial: 4.1. Finalidades habituais – Para o Fundo de Solidariedade com o qual a Conferência Episcopal Portuguesa responde às solicitações que lhe são formuladas de todo o mundo; – Para a construção de Igrejas e espaços de evangelização nas comunidades da nossa Arquidiocese com menos possibilidades. 4.2. Finalidades especificas da Quaresma 2008 Para este ano, e depois de ouvido o Conselho Presbiteral, determino que reverta, dum modo particular, para duas grandes causas: uma de dimensão diocesana e outra como expressão missionária. – O Centro Universitário, a edificar no Campus da Universidade do Minho, manifesta a aposta da Igreja Arquidiocesana no diálogo com a cultura, como pastoral a promover e a incentivar. – A Igreja e a Residência Paroquial de Bolama, Diocese de Bafatá, na Guiné-Bissau, evoca uma presença portuguesa que continua a sentir-se e que deve crescer. 5. Conclusão Regresso ao texto que me acompanhou nesta mensagem. O convite de Cristo a conhecer o “dom†de Deus foi acolhido pela samaritana e muitos outros Lhe pediram que ficasse com eles. Ele ficou dois dias e eles quiseram “ficar com Eleâ€. O resultado foi que acreditaram não só por causa da Palavra dita. Chegaram a uma experiência pessoal “Nós próprios ouvimos e sabemos que Ele é realmente o Salvador do mundo†(Jo 4, 42). Como Arquidiocese quisemos concentrar-nos na realidade das nossas famílias. Conhecemos o dramatismo de muitas situações, consciencializamo-nos da existência de formas alternativas ao modelo cristão, interiorizamos a força de propostas eivadas dum laicismo impressionante, vimos a vida ameaçada em todas as idades e desconsiderada na indignidade de muitas existências, advertimos a degradação do amor na superficialidade de experiências sexuais dentro e fora do matrimónio, observamos as infidelidades e a pouca estabilidade de muitas situações… Com tudo isto não cruzamos os braços. Pretendemos, através de propostas duma nova pastoral familiar a estruturar no final da caminhada, continuar a ser esperança para o mundo na opção única de que Ele é realmente o Salvador. A mudança cultural responsabiliza-nos. Só o empenho e compromisso de todos permitirá que a Páscoa aconteça quotidianamente. Quarta-feira de Cinzas, 06.02.2008 † Jorge Ortiga, A. P.


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