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Mensagem Quaresmal do Bispo de Aveiro

D. António Francisco dos Santos
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Da peregrinação interior ao serviço dos irmãos, para que em Cristo Ressuscitado haja vida nova para todos

1. Outrora Deus ouvira o clamor do Povo e a libertação aconteceu. Agora, em nome de Deus, uma voz clamara a preparar o anúncio da Boa Nova do Reino e surgiu uma escola de discípulos no interior de uma multidão disponível para acolher o convite à conversão e iniciar o regresso da Humanidade a Deus. Um longo caminho foi percorrido pelos Israelitas entre a hora da libertação e o dia da plena realização da promessa, às portas da terra da liberdade, da justiça e da aliança. À beira da cidade, na terra encontrada e habitada por um Povo que Deus libertou, Jesus escolhe o deserto, a oração e o jejum para preparar o tempo da nova aliança e abrir caminho à plenitude da redenção. No horizonte do tempo, no percurso do êxodo e na meta anunciada pelo Evangelho está sempre a esperança da libertação e a certeza da Páscoa. O “Evangelho não é apenas uma comunicação de realidades que se podem saber, mas uma comunicação que gera factos e muda a vida†(Spe Salvi, n.º2). À luz do Evangelho, a Quaresma é este tempo onde a vida se renova e a Humanidade se transforma a partir do íntimo das pessoas e do coração das comunidades, para que a Páscoa aconteça como dom de Deus ao seu Povo e celebração da morte e ressurreição de Jesus. Neste sentido, importa reavivar o Baptismo fortalecendo a consciência cristã e a comunhão eclesial. A Quaresma é um tempo especialmente propício à celebração do Sacramento da Reconciliação. Vivamo-lo com alegria, como experiência de conversão e como caminho de graça e de santidade. Aprofundemos igualmente a oração pessoal e comunitária. Abramo-nos à graça de Deus em oportunidades criativas e momentos intensos de oração, de adoração e de contemplação que tantos dons nos prodigalizam e tão necessários se revelam neste nosso tempo. 2. A Diocese de Aveiro é chamada a viver esta Quaresma em comunhão com a mensagem do Santo Padre Bento XVI e em sintonia com o Plano diocesano de Pastoral, voltada para o serviço aos mais pobres, acolhendo as propostas quaresmais que urge desenvolver em cada comunidade cristã e em todos os movimentos e organismos apostólicos. A oração, a reflexão, a esmola, o jejum e o testemunho de partilha afirmam de modo inequívoco e pedagógico a presença cristã no mundo e abrem caminho à novidade do Evangelho na vida das pessoas, das comunidades e das instituições. São muitas as pessoas, as comunidades, as instituições, os movimentos e os serviços diocesanos de pastoral a viver com alegria e com verdade a esperança e a oportunidade que a Quaresma nos oferece, para que, em Cristo ressuscitado, haja vida nova para todos. 3. Ajuda-nos ainda mais neste tempo a oportuna e sempre necessária Palavra de Deus acolhida no silêncio, de coração livre e reconciliado. Valorizemos esta abertura à Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja, preparando o Sínodo dos Bispos que se avizinha. Guiam-nos neste caminho de conversão, de novidade cristã e de fascínio evangélico, a vida e o exemplo de S. Paulo neste ano jubilar que lhe é dedicado. A fidelidade de uma vida apaixonada por Cristo, vivo e ressuscitado, e a entrega corajosa ao serviço do Evangelho ensinam-nos o caminho e os passos, a linguagem e a palavra, a urgência e a missão. “Ai de mim se eu não evangelizar!â€(1 Cor 9,16). Esta paixão de Paulo pelo Evangelho, este amor à Igreja nas pessoas e nas comunidades concretas e este gosto sentido e afirmado de ser apóstolo de Cristo fazem-se hoje escola de novos discípulos, escola de vocação, de alegria e de santidade que são critérios e paradigmas fundamentais da vida e da missão dos discípulos. 4. Ser discípulo de Cristo e “ viver para Ele significa deixar-se envolver no seu ser para os outros†(Spe Salvi, n.º28). O esforço de conversão e a exigência de verdade a que o discípulo de Cristo é chamado educam-nos para este ser para os outros através da generosidade e da partilha fraterna, aprendendo a viver com sobriedade, com preocupação pela justiça e com ousadia da caridade, defendendo os valores humanos fundamentais da vida, da pessoa e de um humanismo solidário. Seremos, assim, luz de esperança, percursora de um mundo novo, se caminharmos na Luz que é Cristo. O discípulo de Cristo, sempre em atitude de acolhimento e de entrega, a exemplo do Mestre, vai ao encontro dos pobres e dos que sofrem, providenciando respostas que sejam soluções para as causas da pobreza, da injustiça e do pecado. Unir o mandamento primeiro do amor a Deus com o mandamento novo do amor aos irmãos constitui o cerne do Evangelho e afirma o essencial da identidade cristã. O amor de Deus exprime-se, revela-se e cumpre-se na nossa responsabilidade pessoal e comunitária pelo outro que é o nosso irmão, independentemente da sua fé, cultura ou condição. Para o cristão dar é dar-se e amar a Deus é servir. É na base deste imperativo cristão e da prioridade pastoral dada à evangelização que passa necessariamente pelo serviço da caridade que somos chamados a “edificar a cidade†e a construir o futuro com justiça e com esperança, abrindo caminhos para um mundo com Deus, porque “nunca é tarde demais para tocar o coração do outro, nem é jamais inútilâ€(Spe Salvi, n.º48). Este mesmo espírito preenche e inspira diariamente iniciativas pastorais como a ceia com calor, os itinerários de catequese e de pastoral juvenil e vocacional, os cursos de Doutrina Social da Igreja, as Escolas Arciprestais, a Visita Pastoral e tantas outras que percorrem com renovado dinamismo a nossa vida diocesana. 5. Também neste espírito e com este sentido de corresponsabilidade cristã e de partilha generosa e solidária, a Igreja de Aveiro destina a renúncia quaresmal deste ano à Casa Sacerdotal, às Florinhas do Vouga e à Diocese de Brejo no Maranhão, Brasil. A Casa Sacerdotal será, em resposta à necessidade sentida e à vontade expressa do Clero, uma das formas de melhor servir e acompanhar os sacerdotes idosos e doentes e os familiares que a eles e à Igreja se dedicaram; as Florinhas do Vouga são uma instituição diocesana destinada a servir os mais pobres, ignorados ou esquecidos, de qualquer idade e em toda a área diocesana, criada pelo primeiro bispo de Aveiro, falecido há precisamente cinquenta anos, e que cumpre agora um sonho antigo e uma necessidade premente - a construção do edifício sede; a diocese de Brejo no Maranhão é uma Igreja irmã com reduzidos recursos humanos e materiais, a braços com enormes carências, onde trabalha um sacerdote em missão, membro do nosso presbitério diocesano. São muitas assim as razões que nos levam a olhar a realidade com outro olhar e nos abrem caminho à nossa generosidade fraterna, à nossa caridade cristã, ao nosso sentido missionário e à nossa renúncia quaresmal. Que Maria, Mãe sempre solícita, nos anime e fortaleça neste caminho de conversão e de fidelidade a Cristo, nesta missão de evangelização do mundo e nesta escola de serviço atento e solícito aos irmãos, sobretudo aos mais pobres. Ela que esteve junto à Cruz de Seu Filho, estará sempre presente junto daqueles que, pelo mistério pascal, se tornam filhos no Filho e, portanto, nossos irmãos. Que a Estrela da Esperança, como a invoca Bento XVI, nos ajude a crescer na alegria da filiação divina e na esperança da fraternidade humana. Aveiro, 6 de Fevereiro, Quarta-feira de Cinzas, início da Quaresma de 2008, D. António Francisco dos Santos, Bispo de Aveiro


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