Mensagem Quaresmal do Bispo de Portalegre-Castelo Branco D. José Alves 04 de Fevereiro de 2008, às 12:13 ... «Quem dá empresta a Deus» A Quaresma organizou-se e desenvolveu-se gradualmente ao longo dos primeiros quatro séculos do cristianismo. Desde então, com algumas variantes, tem-se mantido essencialmente com a mesma estrutura e finalidade. A duração de quarenta dias encontra apoio em muitos acontecimentos referidos no Antigo Testamento e também nos quarenta dias que Jesus passou no deserto, onde foi tentado pelo diabo, e se preparou para aparecer em público a pregar a Boa Nova do Reino. A finalidade da Quaresma é múltipla. Ela encaminha os fiéis para a celebração da solenidade da Páscoa, núcleo central à volta do qual gira todo o ano litúrgico. Celebrar a Páscoa é abeirar-se do mistério salvÃfico, consumado na entrega voluntária de Jesus à morte e na Sua Ressurreição gloriosa. Tal como Moisés se descalçou para se abeirar do lugar sagrado em que Deus lhe revelou o Seu nome, também o cristão, para se abeirar do mistério pascal, no qual Deus revela à humanidade o Seu amor infinito de Pai misericordioso, se deve despojar de tudo quanto o impede de se apresentar de alma purificada diante de Deus. A Igreja dedica todos os anos quarenta dias a preparar a festa da Páscoa e aponta algumas formas concretas de o fazer. É claro que se trata de uma preparação espiritual. Por meio dela se pretende essencialmente obter maior e mais eficaz desapego do pecado e uma mais perfeita identificação com Jesus Cristo, modelo acabado de todo o ser humano. Os meios habitualmente sugeridos pela Igreja são a prática dos sacramentos, a leitura e meditação da Palavra de Deus, a oração, a renúncia voluntária e a generosidade para com os mais necessitados, além de outros que fazem parte do património espiritual do cristianismo. Sabendo que não é possÃvel fazer tudo ao mesmo tempo e usando uma saudável pedagogia, radicada na sua secular experiência, a Igreja, em cada ano, evidencia um aspecto particular. Ora, este ano, o papa Bento XVI convida-nos à prática da esmola, que nos há-de ajudar a compreender o verdadeiro sentido dos bens materiais, a moderar o apego desordenado a esses mesmos bens, em detrimento do cultivo dos bens espirituais e, ainda, a servir a Deus no próximo, sofredor e privado do essencial para viver. Nesse sentido, o papa lembra-nos as palavras de Jesus: não podeis servir a Deus e ao dinheiro (Lc16,13). O Papa adverte-nos de que a esmola não tem apenas um sentido filantrópico de ajuda aos carenciados. Ela tem a ver com a justiça e com a caridade, tal como se depreende da raiz bÃblica do termo e da sua tradução para a lÃngua grega. O sentido da justiça radica-se na benevolência de Deus que estabeleceu aliança com o Seu Povo e permanece fiel ao compromisso assumido, tratando a todos com igualdade. Por sua vez, o termo grego valoriza mais o aspecto psicológico da compaixão e da misericórdia para com os mais carenciados, em função da generosidade e da livre vontade de cada um. Na mentalidade do nosso tempo, esta é a acepção corrente dada ao termo esmola. Mas não podemos esquecer o seu sentido original, que aponta para a justiça. Se quisermos ir ao fundo da questão, a prática da esmola insere-se no âmbito da justiça e tem directamente a ver com o destino universal dos bens criados por Deus, isto é, dos recursos naturais. Deus criou-os para todos e entregou-os à humanidade e não apenas a alguns privilegiados. Ora, sendo assim, quando o que tem dá ao que se encontra na miséria, apenas está a cumprir um dever de justiça, reconhecendo dessa forma o direito do outro. Com efeito, o princÃpio do direito universal dos bens impõe algumas restrições ao direito de propriedade, porque ninguém é senhor e dono absoluto. Todos nos devemos considerar meros administradores dos bens que chegaram à nossa posse e não foram produzidos por nós. E, se enquanto administradores repartimos os bens com os outros, tornamo-nos intermediários para o restabelecimento da justiça, neste mundo marcado por desigualdades gritantes, onde alguns se tornaram detentores da maioria dos recursos, enquanto a multidão imensa dos pobres morre de fome ou passa graves privações dos bens essenciais à sobrevivência. Centrar a vivência da Quaresma na prática da esmola, como meio de purificação da consciência e de atenuação das desigualdades, implica que cada um se decida a reflectir, tenha a coragem de analisar a situação actual da sociedade, se deixe interpelar pela realidade dos factos observados e se disponha a assumir a quota-parte da responsabilidade que lhe cabe, sem recorrer ao velho álibi de transferir para o Estado todas as responsabilidades relacionadas com o estabelecimento da justiça. A partilha generosa dos bens com os mais carenciados, seja por razões de justiça seja por razões de caridade, pode ser também um meio para educar a consciência das novas gerações e de as levar a descobrir a igual dignidade de todas as pessoas, combatendo o egoÃsmo que alastra na sociedade e corrói as consciências. Caso contrário, corremos o risco de reduzir a discurso oco e sem sentido tudo quanto se apregoa sobre igualdade e fraternidade. Pois teoria sem prática não compromete. E vida sem compromisso nunca se colocou ao serviço da justiça. É nesta linha que devemos entender a proposta da Igreja para a Quaresma deste ano. E, porque o campo de acção da Igreja é o mundo inteiro, a intervenção dos cristãos para o restabelecimento da justiça e para o exercÃcio da caridade não tem fronteiras. Onde houver um irmão carenciado aà é chamado a intervir. O ano passado o produto da nossa renúncia quaresmal, que somou à volta de sessenta e três mil euros, foi distribuÃdo por uma obra diocesana – A Vida Nasce – e por uma obra dos Missionários do PreciosÃssimo Sangue, na Guiné. Este ano proponho que alarguemos mais os horizontes, voltando-nos para dois paÃses de lÃngua portuguesa, com graves dificuldades económicas: Cabo Verde e Timor. Em Cabo Verde, ajudaremos a construir um Centro Social e Paroquial na Diocese de Santiago; e em Timor, patrocinaremos o Seminário de Dili na aquisição de bibliografia básica e fundamental para a formação dos mais de oitenta seminaristas de Filosofia e Teologia, que constituem uma autêntica esperança para a Igreja. Sejamos generosos e lembremo-nos do que diz o povo: quem dá aos pobres empresta a Deus. +José Alves Diocese de Portalegre-Castelo Branco Share on Facebook Share on Twitter Share on Google+ ...