Não compremos falsas esperanças
Homilia do Dia de Natal do arcebispo de Braga
E? com alegria e fundada esperanc?a que hoje nos reunimos, em comunidade crista?, para celebrar o nascimento do Salvador. Ha? muito que aguarda?vamos por este momento. Foram quatro semanas em que, apoiados na caminha arquidiocesana de advento, fizemos o caminho interior “da espera ao encontro”. O Natal, o nascimento de Jesus e?, por isso, o ponto alto da nossa esperanc?a.
Cristo inaugura um tempo novo, dando cumprimento ao tempo que o precedeu e abrindo novos horizontes no tempo que se segue. Inaugurou uma histo?ria nova, na?o apenas para os que Nele acreditaram mas para toda a Humanidade, porque a Sua salvac?a?o e? universal. Com Cristo, a eterna salvac?a?o irrompeu na finitude da nossa histo?ria.
O evangelista Joa?o abre-nos a conscie?ncia da salvac?a?o divina ao afirmar que “no princi?pio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus” (Jo 1,1). E? ao princi?pio do projecto de Deus que Joa?o nos quer transportar. “No princi?pio” significa o ini?cio absoluto, significa a eternidade. E desde a eternidade, como nos recorda a Dei Verbum, aprouve a Deus revelar-Se a Si mesmo e levar-nos a? comunha?o consigo. Todos os gestos de Deus, todos os profetas e padres da Igreja sa?o conti?nuo esforc?o de Deus para o conhecermos cada vez melhor e Nele reconhecermos a fonte da nossa esperanc?a.
Entendemos assim que o nascimento de Jesus implica dois aspectos intimamente unidos: uma acc?a?o salvadora, que liberta a Humanidade do poder do mal, e uma nova criac?a?o, que oferece aos Homens a participac?a?o na vida divina. A certeza de que Jesus esta? presente na nossa histo?ria e? raza?o de so?lida esperanc?a. Foi esta certeza que sustentou, como sabemos, a vida de muitos santos e de crista?os com uma espiritualidade profunda. Ao mesmo tempo, e? errada a perspectiva da fuga mundis, a fuga do mundo, se entendermos o mundo como uma realidade ma? ou pecaminosa da qual nos temos de afastar. Se Cristo, pelo Seu nascimento, veio habitar entre no?s e Ele, sendo o Verbo, e? o criador por excele?ncia, enta?o o mundo so? pode ser bom. Na verdade, quando Deus criou o mundo e contemplou a sua obra, “viu que isto era bom” (Gn 1,25). E e? esta beleza da criac?a?o que nos deve levar a comprometer cada vez mais com a realidade, com as pessoas e as suas histo?rias de vida.
Inseridos neste mundo, que e? bom, e conscientes de que a raza?o primeira da esperanc?a crista? e? Cristo, na?o compremos falsas esperanc?as alicerc?adas na confianc?a em i?dolos que nos querem vergar e iludir com uma felicidade imediata. Os i?dolos sa?o ha?beis e convincentes nas suas promessas. Mesmo sabendo que sa?o este?reis, as suas promessas na?o deixam de nos seduzir. A hipocrisia, a falsidade, o lucro fa?cil, a corrupc?a?o, o aproveitamento alheio, a gana?ncia a todo o custo, sa?o sinais que nos podem confundir no momento de optar. E? fa?cil viver na lo?gica dos interesses imediatos, naquilo que pode dar prazer momenta?neo, silenciando as grandes questo?es e procurando garantias humanas. E? fa?cil condenar estas atitudes nos outros, mas elas podem tambe?m fazer parte da nossa vida.
Dai? que teremos de alicercar o nosso quotidiano num se?rio encontro com Cristo. A nossa vida, mesmo sendo composta de diversas realidades humanas, deve partir sempre da dimensa?o sobrenatural. E? Cristo quem nos da? os crite?rios de actuac?a?o e quem nos permite olhar para o mundo com olhos diferentes. O dia de Natal e?, neste sentido, um momento crucial para gerarmos uma nova realidade e levarmos vida e esperanc?a onde ela na?o existe. Vendo as noti?cias dos u?ltimos dias, e fazendo memo?ria de alguns acontecimentos nacionais deste ano, gostaria, de modo particular, de alertar para a necessidade de despertarmos para as necessidades dos doentes e dos mais idosos.
Sabemos que o Natal e? tempo de fami?lia, de convi?vio, de festa e de paz. Mas sabemos, ao mesmo tempo, que existem muitos idosos abandonados nas suas casas, para quem o Natal assemelha-se mais a Sexta-feira Santa. E? com corac?a?o pesado que pec?o aos filhos ou familiares que na?o abandonem os seus idosos. Podera?o, ate?, considerar que existem razo?es va?lidas para um afastamento, que existem feridas na relac?a?o, mas creio que nenhuma ferida deve ser mais forte do que a possibilidade da reconciliac?a?o. A dor, a ferida e a inimizade, se na?o forem resolvidas, apenas tendera?o a crescer. Ao mesmo tempo, nenhuma ferida entre um filho e um pai deveria privar a convive?ncia entre um avo? e um neto. Na?o podera? ser o Natal uma oportunidade para reconciliar as fami?lias e devolver-lhe a esperanc?a de um futuro em comum?
Ao mesmo tempo, os doentes encontram-se, nesta quadra natali?cia, numa situac?a?o semelhante. A doenc?a, seja ela fi?sica ou psicolo?gica, relega a pessoa para uma situac?a?o de fragilidade. E precisamente por estarem mais fra?geis, precisam mais da nossa atenc?a?o, da nossa companhia e afecto. Precisam, numa linguagem crista?, de esperanc?a. Sa?o muitos os doentes institucionalizados. Pec?o, por isso, aos profissionais de sau?de que tratem os doentes como se fossem seus familiares. Os hospitais, IPSS ou instituic?o?es de sau?de sa?o, para todos os efeitos, neste momento a sua casa. E toda a casa deve ser um lugar onde as pessoas se sentem bem, onde se sentem acolhidas e estimadas.
O Natal e o nascimento do Salvador sa?o, como tive oportunidade de afirmar, fonte de esperanc?a crista?. Cristo e? a luz que vindo ao mundo todo o Homem ilumina. Sejamos neste Natal luz que ilumina com esperanc?a a vida das pessoas e na?o nos deixemos iludir por falsas luzes ou i?dolos. E? esta fidelidade a Cristo e a? Igreja que nos introduz no caminho da felicidade.
Que Maria, ma?e do Salvador, nos abenc?oe e desperte em no?s os mais nobres sentimentos de fraternidade espiritual e de cuidadores da realidade realidade humana.
† Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz
Natal 2017