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"Nasceu o Emanuel: Deus está no meio de nós"

D. José Policarpo
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Homilia na Noite de Natal do Cardeal Patriarca de Lisboa

“Nasceu o Emanuel: Deus está no meio de nós” Homilia na Noite de Natal Sé Patriarcal, 24 de Dezembro de 2003 Escolhi três frases retiradas de cada uma das três leituras desta celebração, que podem iluminar a nossa compreensão do mistério e conduzir-nos à adoração, atitude própria para quem se aproxima do presépio: - “Um Menino nasceu para nós, um filho nos foi dado. Tem o poder sobre os ombros e será chamado Conselheiro Admirável, Deus forte, Pai eterno, Príncipe da Paz” (Is. 9,5). - “Manifestou-se a graça de Deus, fonte de salvação para todos os homens” (Tito, 2,11). - “Imediatamente juntou-se ao Anjo uma multidão do exército celeste, que louvava a Deus, dizendo: Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados” (Lc. 2,14). Um Menino nos foi dado. Esse Menino nasceu em Belém, filho de uma Mãe Virgem. Puseram-lhe o nome de Jesus e deram-lhe como apelido o Cristo, o ungido, significando a sua origem divina, como enviado por Deus, e a sua missão redentora. Tinha sido anunciado como o Emanuel, o Deus connosco. Esse nome expressava o mais profundo anseio dos crentes de Israel: poderem contemplar o rosto de Deus, sentirem Deus presente na ternura do Seu amor, como Pai bondoso e esposo solícito de Israel. O próprio Deus fizera aliança com o Seu povo; e essa aliança sempre renovada criou nos crentes esse desejo íntimo e inexplicável, de conviverem com Deus, de O sentirem próximo, o íntimo do coração, a sublinhar a semente de divindade que germina no coração de cada homem. Ele ali está, tendo como berço as palhinhas de um estábulo, envolto em panos, como qualquer recém-nascido pobre, mas cuidadosamente zelado pelo terno desvelo de Sua Mãe. Aquele Menino é o Filho de Deus, o Deus connosco. Foram cumpridas todas as promessas e podem ser realizados todos os desejos dos corações crentes, de construírem uma intimidade com o próprio Deus, na certeza de que esse amor os salvará. Naquele Menino manifestou-se, abundantemente, a graça de Deus, caminho de salvação para quantos O reconhecerem e adorarem. Parece tudo tão simples a partir daquele momento. Deus está connosco, é o Emanuel. Mais uma vez o amor de Deus nos surpreendeu na sua generosidade e ousadia. Deus ultrapassou uma fronteira inimaginável por aqueles que, na fé, O adoravam como Senhor altíssimo: fez-Se homem, nasceu de uma mulher, como todos nós, para ser Deus connosco, Deus no meio de nós. Mas nessa simplicidade, nesse encanto de um recém-nascido, Deus não nos dispensou de ultrapassarmos, também nós, a mais exigente fronteira da nossa peregrinação: a fronteira da fé. Contemplamos aquele Menino, mas para vermos e acolhermos tudo o que Ele é, precisamos de acreditar. A beleza do que vemos atrai-nos para a beleza escondida do mistério. Acreditar é passar para além do que vemos, atraídos por essa outra beleza que só brilhará iluminada pela luz da fé. Como podemos ver, naquele Menino, o Deus connosco, o Emanuel prometido? É tudo tão humano, tudo tão normal. Ali só não é normal a pobreza do presépio, porque não houve lugar para eles na hospedaria. Mas essa anormalidade da circunstância pode até distrair-nos do essencial. Mas se cruzarmos o nosso olhar com o olhar sereno daquela Mãe, sentiremos que dos seus olhos sai uma luz que nos conduzirá à fé. Ela sabe quem é aquele Menino, ela acredita naquele Menino. Ela sabe como Ele foi gerado no seu seio, ela recorda que o mensageiro divino lhe revelara que Ele seria o Filho do Deus Altíssimo. Ela é a única que saboreia, desde o primeiro momento, essa intimidade do Deus connosco. Ela não fala, nenhum evangelista relatou qualquer palavra sua, nesse momento; mas contempla com a profundidade do seu olhar, que sorri. Naquela noite, naquele presépio, só o olhar iluminado de Maria nos poderá levar a acreditar, nos poderá conduzir à contemplação do mistério daquele Menino, e ajudar-nos a fazer da nossa ternura um acto de adoração e um hino de glória. Os Reis Magos chegaram à adoração do Menino, conduzidos pela luz de uma estrela. Há-de ser sempre assim: só através de sinais mergulharemos no mistério daquele Menino. Ele próprio recorrerá aos sinais quando, mais tarde, quer revelar a Sua divindade. Mas naquela noite, a luz que o olhar daquela Mãe irradia, é mais forte do que a luz de qualquer estrela; ela será para a Igreja, até ao fim dos tempos, a “estrela da manhã”. Aos pastores teve de ser um Anjo a abri-los para o mistério daquele Menino. Também isso é normal, na ordem da graça. O anúncio e a revelação de quem é Jesus, só pode partir do coração de Deus. Os Anjos são mensageiros excepcionais; a grande mensagem que nos virá do coração de Deus é a Sua Palavra, essa sim acessível e disponível a todos, até ao fim. Tanto a Palavra como o olhar de Maria permanecerão como fontes permanentes daquela luz que nos conduz ao mistério. Ela continua a guardar tudo, em silêncio, no seu coração (cf. Lc. 2,51), mas o seu olhar maternal continua a irradiar essa luz que nos conduz ao mistério, e há-de ser assim em todos os momentos da vida de Jesus como Deus connosco, Deus para nós. Na Igreja, na sua caminhada de fé, para se encontrar com o amor de Deus em Jesus Cristo, há uma complementaridade entre a Palavra profética da Igreja e o olhar de Maria. Ambos são o sinal, o testemunho de uma experiência de intimidade com o Senhor. Nesta Noite de Natal, somos convidados a contemplar aquele Menino. Mas como povo crente, somos chamados a celebrar a plenitude de Cristo, manifestada para nós na Páscoa. Continuamos atraídos por Deus, e somos de novo desafiados para atravessarmos essa fronteira da fé, para além da qual nos encontraremos com a profundidade do mistério. Já ouvimos a Palavra da Escritura; resta-nos cruzar o nosso olhar com o olhar de Maria, a Mãe de Jesus; guiados por essa luz, brotará do nosso coração crente, um hino de glória. Poderemos exclamar, também nós: “Glória a Deus nas alturas”. Essa experiência do Deus connosco, inundará o nosso coração de paz; e essa paz com que Deus inunda o nosso coração é o nome do Natal. † JOSÉ, Cardeal-Patriarca


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