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Natal com preocupação social

D. Jorge Ortiga
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Arcebispo de Braga deixa alertas e pede aposta na construção de um verdadeiro humanismo, integral e solidário

Quem tem medo da Doutrina Social da Igreja? O ano de 2007 foi marcado pela celebração dos 40 anos da Populorum Progressio (26 de Março de 1967) e pelos 20 da Sollicitudo Rei Socialis (30 de Dezembro de 1987). Dois “momentos” que integram o Corpo da Doutrina Social da Igreja a que talvez não estejamos a prestar a devida atenção. O nascimento de Cristo foi anúncio dum Salvador que foi dado à humanidade. Neste Natal, gostaria de recordar que o conhecimento e a realização da Doutrina Social da Igreja devem tornar-se proclamação solene de que podemos construir um futuro de esperança se apostarmos nos itinerários dum verdadeiro humanismo que a mesma doutrina propõe. Urge não só não ter medo dela, mas reconhecer que não temos outras alternativas. Não negamos a existência doutras propostas. Acolhemos e anunciamos a hipótese duma sociedade diferente se não nos calarmos escondendo um tesouro desconhecido, em primeiro lugar pelas comunidades eclesiais e pelo pensamento hodierno. Não me é possível deter-me numa síntese da mesma Doutrina. Atrevo-me a sublinhar dois aspectos fundamentais. 1. Com o Natal, Cristo quis entrar na história dos homens. Hoje, a Igreja deve caminhar com toda a humanidade consciente da sua vocação de ser fermento. O Concílio Vat. II sublinhou, insistentemente, o amor, o respeito e a solidariedade que a Igreja deve ter pela família humana, procurando consciencializar-se dos complexos problemas e introduzir “neles a luz do Evangelho” (G.S. 3), como autêntica Boa Nova que denuncia os “erros mas nunca condena as pessoas”. Este colocar a luz do Evangelho nos reais problemas da vida moderna significa um esforço “em salvar a pessoa do homem” e “restaurar a sociedade humana” (G.S. 3). Isto supõe e exige que a Igreja coloque ao serviço do género humano as “energias salutares”, recebidas de Cristo. Num exame de consciência, interrogo-me se reconhecemos as “energias” que o Evangelho contém e se colocamos esta força transformadora no âmago das questões humanas. Não é fácil desempenhar esta tarefa de verdadeira incarnação no quotidiano humano. Sei, porém, que é necessário continuar a caminhar e não se limitar a fechar trincheiras capazes de defender um tesouro que, conservado no seio da comunidade crente, se estiola e perde o encanto. A Igreja necessita de sair de si e ir ao encontro da sociedade moderna, mergulhando, conscientemente, nos seus desafios. A fidelidade à doutrina de Cristo não permite que não se corra riscos. O medo nunca resolverá os problemas. Esta força de incarnar as “energias” evangélicas, consciente de que só assim renovamos a sociedade e salvamos as pessoas, é o convite que Belém está a formular. Urge acreditar e ser fermento. Esta aventura da incarnação é tarefa, essencialmente, laical na sua missão secular e sei que é uma das carências principais da Igreja de Braga. Somos peregrinos no meio de todos. Muitos já perderam o sentido e não querem procurar como os Pastores e reis. Sem esta resposta – teórica e prática – a partir do concreto e das experiências e perplexidades, nunca seremos a luz, qual instrumento que conduz ao encontro de Alguém. 2. Este mergulhar no contexto social e anunciar a partir de dentro, questionando e propondo um Deus-Homem por amor, deve ser acompanhado por um único programa que, de maneiras plurifacetadas de harmonia com os sectores ou dimensões da pastoral, deverá estar sempre presente. Aqui a Doutrina Social da Igreja ajuda-nos a compreender a lição do presépio onde contemplamos a história do amor de Deus pelos homens e deveríamos reconhecer que a vocação do género humano consiste na unidade de filhos do mesmo Pai Jesus feito homem que introduz o homem na família divina. Esta descoberta concentra a tarefa na Igreja na responsabilidade de propor a todos os homens um humanismo com a dimensão do desígnio cristão, ou seja, integral e solidário. Duas palavras maravilhosas que ainda encontramos muito longe do dicionário da vida e dos condicionalismos de tantas existências. Com o humanismo integral estamos a apostar num caminho de realização humana que conjuga o material e o espiritual. O primeiro está a reconhecer a dignidade e a liberdade de todo e qualquer ser humano com direitos ao indispensável; com o segundo sabemos que teremos de trabalhar para que “os indivíduos e grupos cultivem entre si mesmos e difundam na sociedade as virtudes morais e sociais, de maneira a tornarem-se realmente, com o necessário auxílio da graça divina, homens novos e construtores duma humanidade nova” (G.S. 30). O humanismo solidário está nos programas dum itinerário que se compromete na luta pela paz, pela justiça em ordem a uma sociedade “digna do homem”, construída a partir da civilização do amor. Na verdade, o amor é a única força capaz de levar a sociedade á perfeição o que exige que esteja presente e penetre em todas as relações sociais. Daí que, através da missão da Igreja, tenhamos o dever de “revalorizar o amor na vida social – nos planos político, económico, cultural -, fazendo dele a norma constante e suprema do agir”. Através do amor, feito solidariedade, estamos a promover o bem comum. Recorda-nos o Catecismo da Igreja Católica: “A caridade representa o maior mandamento social. Ela respeita o outro e os seus direitos, exige a prática da justiça, de que só ela nos torna capazes e inspira-nos uma vida de entrega: “Quem procura preservar a vida, há-de perdê-la; quem a perder, há-de conservá-la” (Lc. 17, 33; Cat. 1889). O Natal, na sua mensagem de simplicidade, pode parecer um sonho. Vejo-o como inicio duma aventura divina onde o amor que “faz ver no próximo um outro tu mesmo” (S. João Crisóstomo) e se torna semente a colocar no coração da cidade dos homens para que esta se torne humana porque possuída por Deus. A Doutrina Social da Igreja é a referência a seguir e a interpretar. Trata-se dum manancial que não temos sido capazes de acolher. Neste Natal, que é família, relembremos, ainda, o Programa da Arquidiocese de tornar a nossa Igreja Particular uma Família a partir das Familiares. Se ouvirmos os coros dos anjos a proclamar que a glória de Deus é a glória dos homens, estaremos a ser fermento desta sociedade mais justa e fraterna, não teremos medo duma Doutrina exigente, mas acreditaremos que vale a pena continuar a esperar através dum amor activo que gera solidariedade humana, proporciona justiça e cria uma sociedade mais fraterna. Sé Catedral, 25.12.2007 † D. Jorge Ortiga, A.P.


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