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Natal nos Açores

D. António de Sousa Braga
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Mensagem de de D. António de Sousa Braga

MENSAGEM DE NATAL (2003) 1. Estamos numa encruzilhada da história. Podemos esperar o melhor e temer o pior. Alguém perguntará: «numa situações destas, ainda será possível celebrar o Natal»? Não estamos propriamente em tempos de grandes sonhos e de projectos arrojados. Vivemos numa época, em que se acentua a tendência ao cinzento, em que é difícil promover mudanças de fundo, em que o objectivo de vida de muita gente é conseguir o bem-estar material, a nível pessoal e familiar, sem altos ideais, em que a economia tenta afogar a política... Vive-se o presente com angústia e encara-se o futuro com medo. Apesar de tudo, o Natal aí está em força, com ruas iluminadas e música-ambiente, com a decoração das montras e a troca de prendas, com os convívios familiares e de grupo, com as campanhas de solidariedade e a beleza da liturgia cristã... Muito antes de a Igreja se preparar para a Festa do Natal, com a caminhada penitencial do Advento, já está criado o ambiente natalício. Há quem lhe chame o «natal comercial», que, com todos os reparos que lhe possamos fazer, não deixa de criar um ambiente diferente de encanto e de ternura. 2. Evidentemente, temos de tomar a sério a exortação de S. Paulo, que nos apela à temperança e à sobriedade, para não transformarmos o Natal cristão num arraial. Mas não podemos deixar de fazer festa. Quando no horizonte pairam nuvens sombrias, é bom sinal sermos capazes de celebrar o Natal, com todo o seu enlevo e anseio por uma vida melhor e mais feliz para todos. Significa que não perdemos a esperança de ver as crianças crescerem com segurança e os idosos acarinhados, as famílias mais unidas e os jovens livres de evasões fáceis, um mundo mais justo, sem terrorismo, nem guerra. Aqui os cristãos têm uma responsabilidade acrescida. A fé dá-nos a capacidade de sonhar uma sociedade diferente, que o Natal de Jesus veio tornar possível. Não podemos calar a esperança, que nos vem da gruta de Belém: «Glória a Deus... e paz na terra»! «A glória de Deus é o homem vivo» (Santo Irineu), dignificado e liberto de tudo o que o oprime. É para nós, hoje - particularmente para quem experimenta o desânimo e a solidão - esta mensagem de esperança: «Cobrai ânimo e levantai a cabeça, porque está próxima a vossa libertação» (Lc 21, 28). 3. Deus «visitou» o Seu povo. Veio na fragilidade de uma criança; virá glorioso no final dos tempos; vem continuamente ao nosso encontro, na singeleza dos sinais sacramentais, nomeadamente a Eucaristia, o Natal prolongado no tempo. Neste ano pastoral de preparação para o Congresso Eucarístico Internacional de 2004, queremos redescobrir o tesouro mais precioso que a Igreja tem, no seu caminho, ao longo da história: a Eucaristia, «pão partido para um mundo novo». Quando a vida dos cristãos é coerente com a Eucaristia que celebram, uma força poderosa de transformação do mundo, é introduzida na história. A Igreja vive da realidade última e definitiva, que é a Páscoa de Jesus, perpetuada na Eucaristia, penhor e antecipação de uma humanidade renovada pela justiça com amor e pela verdade na liberdade. De Belém - «casa do pão» - pôs-se em marcha uma história nova, que tem como protagonistas, não os poderosos e notáveis, mas «um Menino envolto em faixas», acompanhado por pessoas normais, como nós. Parece que contamos pouco. Mas contamos muito, porque somos multidão... Essa multidão que, este ano pelo mundo fora, se mobiliza em prol da paz e da reconciliação, com a iniciativa da Caritas - «Dez Milhões de Estrelas» - qual luz que brilha tanto mais, quanto maior for a escuridão, também entre nós. 4. É pena que os Açores abram os telejornais nacionais, só quando acontecem calamidades naturais e agora esta calamidade moral de abuso sexual de menores, que tanto alarido tem provocado na comunicação social do Continente, com afirmações precipitadas e gratuitas sobre a nossa realidade. Da nossa parte, impõe-se muita serenidade. Não há que ter medo da verdade. Repudiamos tão abominável crime, que deve ser denunciado e punido, venha donde vier. Acabar com a presunção de impunidade é já um primeiro passo, para proteger as vítimas, que não podem ser esquecidas, em todo este processo. Mas não condenemos pessoas, antes de serem apurados os factos. Não generalizemos, pondo em causa a sociedade no seu todo e as instituições. Confiemos na justiça, que está actuando e colaboremos com ela, apresentando factos, não difundindo boatos, que podem lesar a honra de pessoas inocentes. Deus humanou, para nos humanizar. Viver o espírito de Natal é acreditar que é possível a regeneração da humanidade. Cada dia, podemos começar de novo e ser mais humanos. São os meus votos natalícios, que concretizo com as palavras de S. Paulo: «Tudo o que é verdadeiro e honesto, tudo o que é justo e puro, tudo o que é amável e de boa fama, tudo o que é virtuoso e louvável, é o que deveis ter em mente» (Fil 4, 8). E o Natal será feliz para todos. Façamos nossa a oração, que a Igreja repete de geração em geração: «Vinde, Senhor Jesus e não tardeis: perdoai os pecados do vosso povo»! Bom e Santo Natal! + António, Bispo de Angra


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