O amor com que os Sacerdotes amam a Igreja D. José Policarpo 27 de Junho de 2005, às 09:49 ... Homilia na Missa de ordenações, em Lisboa “A experiência pascal do amor de Cristo, fonte de sentido do amor com que os Sacerdotes amam a Igreja†Homilia na Missa das Ordenações XIII Domingo do Tempo Comum Mosteiro dos Jerónimos, 26 de Junho de 2005 Queridos Ordinandos Irmãos e Irmãs 1. Nesta celebração, o sacramento da Ordem que administraremos a presbÃteros e diáconos, ajudar-nos-á a compreender mais profundamente a Palavra de Deus proclamada neste domingo, o décimo terceiro do tempo comum. Porque a Palavra de Deus é sempre dirigida a toda a comunidade crente, na variedade dos seus carismas e ministérios, ela convida-nos, hoje, a situar os ministérios ordenados no seio da Igreja, Povo do Senhor, chamada a aprofundar sempre mais a sua relação com Cristo, morto e ressuscitado, razão de ser, tanto do baptismo, como da ordem. Ambos estes sacramentos encontram a plenitude da sua expressão na Eucaristia, onde se define, também, o que têm em comum e o que os distingue, para que toda a comunidade possa participar da vida de Cristo, morto e ressuscitado. É na Eucaristia que todos os fiéis, leigos, religiosos, ministros ordenados, encontram a especificidade da sua vocação cristã, onde todos se descobrem “mortos para o pecado e vivos para Deus, em Cristo Jesus†(Rom. 6,11). E se encontrar esta especificidade, no comum mistério da Igreja, é importante para todos os fiéis, que se exprime no assumir claramente a própria vocação, sinto que nas circunstâncias actuais isso é particularmente importante para todos os ministros ordenados, sacerdotes e diáconos. E também para eles, diria mesmo, sobretudo para eles, a Eucaristia é o sacramento que lhes revela a verdade profunda do seu ministério, porque nela eles são chamados a viver, com a radicalidade de que o EspÃrito os tornará capazes, a dupla relação que encerra a verdade das suas vidas: com Cristo e com a Igreja, que se reduzem, no fundo, numa vivência unificada, porque a Igreja é Corpo de Cristo e Povo do Senhor. 2. Aprofundemos, em primeiro lugar, à luz da Palavra que escutámos, a exclusividade desta relação com Cristo, que o Senhor propõe a todos os fiéis, mas que deseja estabelecer com uma profundidade única, por causa da Igreja, com aqueles que consagra para o ministério. Nessa relação nova e exclusiva, o Senhor quer transformar tudo em nós, não apenas o nosso pecado, mas também o que na nossa humanidade há de mais belo e positivo, como é o amor daqueles que amamos, pais, filhos, irmãos, esposos. “Quem ama o pai ou a mãe mais do que a Mim, não é digno de Mim. E quem ama o filho ou a filha mais do que a Mim, não é digno de Mim. Quem não toma a sua cruz para Me seguir, não é digno de Mim. Quem tiver achado a sua vida, há-de perdê-la; e quem tiver perdido a vida por Minha causa, há-de encontrá-la†(Mt. 10,37ss). Esta linguagem pode parecer humanamente chocante. Mas não o é mais do que a cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo enquanto manifestação do verdadeiro sentido do homem e da história. Com estas palavras, Cristo não condena o amor humano, como nós o conhecemos, na ordem da natureza. Diz-nos apenas que conhecê-lo a Ele, relativiza toda e qualquer experiência de amor, pois só o seu amor nos revela o amor. O amor de Jesus Cristo, dom pascal por excelência, revoluciona toda a nossa capacidade de amar, atraindo-nos para amar todas as coisas em Cristo. Só este encontro com Jesus Cristo, única fonte de um amor novo e definitivo, explica a opção pelo celibato voluntariamente escolhido como caminho de amor, que o EspÃrito Santo suscitou na Igreja logo a seguir à Páscoa. Ele é uma expressão da radicalidade desse amor único, fonte de todo o amor, que dificilmente se percebe na normal lógica da ordem natural. Não só não se percebe, mas dificilmente se vive em liberdade e alegria, se o tentarmos compaginar com a ordem da natureza. Na ressurreição de Cristo, autênticas núpcias de Deus com a humanidade, o tempo tocou o seu termo, e a entrega a Jesus Cristo, que no EspÃrito Santo, inaugura a ordem da graça, torna-se a fonte de uma forma de amar que nos conduzirá à eternidade. Não quer isto dizer que o celibato consagrado é o único caminho de amor que nos conduzirá à eternidade. O próprio facto de ele existir e de ser livremente escolhido é o sinal radical, dado a todos os que na fé e no baptismo se encontraram com o amor de Cristo ressuscitado, que toda a sua experiência de amor se transformará a partir dessa exclusividade do amor de Jesus Cristo. A santidade significará, sempre, essa transformação radical dos simples caminhos humanos do amor. A santidade cristã não é, nunca será, a simples vivência da ordem da natureza. É santo aquele que deixou que a Páscoa de Jesus, continuamente celebrada na Eucaristia, transforme toda a sua vida. Entre os ordinandos de hoje, há os que escolheram o celibato consagrado, condição necessária para se ser ordenado presbÃtero na tradição da Igreja latina, e os que recebem o sacramento da ordem sendo casados, situação de quase todos os diáconos que hoje ordenamos. É bom que todos estejam conscientes de que o sacramento da ordem radicaliza, nas vossas vidas, esse amor exclusivo de Jesus Cristo como fonte de todo o amor. Os que escolheram o celibato não anularam, nas suas vidas, a força da natureza. Mas sois chamados a amar como Jesus Cristo ama, o que supõe uma intimidade contÃnua e continuamente renovada, com esse Senhor que vos desafia a tudo perder para ser digno d’Ele. A Eucaristia a que presidireis, momento forte de uma relação esponsal com Cristo, esposo da Igreja, é o fogo que incendiará o vosso coração para esse amor novo e definitivo em que deixando-vos amar por Jesus Cristo, aprendereis a amar todas as pessoas em Cristo. Mas também os outros, escolhidos entre os cristãos casados, receberão do sacramento da ordem essa novidade de amor, que envolverá, de modo particular, as suas famÃlias, esposas e filhos, também eles envolvidos por esta radicalidade de amor. Só o Senhor nos revelará as expressões desta novidade de amor que caminhará para ser sempre, em toda a forma de amar, uma expressão do amor de Jesus Cristo. 3. Mas a verdade dos ministros ordenados define-se, também, na sua relação com a Igreja, ou seja, na radicalidade do amor de Cristo pela Igreja. É porque Cristo ama a Igreja que nos consagra como expressão desse amor salvÃfico. A nossa relação com o Povo de Deus e deste connosco deve inspirar-se, sempre, nessa intimidade de amor e radicalidade de dom entre Cristo e a Igreja. A primeira Leitura desta celebração pode constituir o “Ãcone†simbólico do relacionamento entre os membros do Povo de Deus e os seus Profetas, aqueles que lhes são enviados em nome do Senhor. Porque é que aquela “distinta Senhora†e o seu marido acolhem o Profeta Eliseu, com tanta solicitude e ternura? Porque vêem nele um enviado do Senhor. “Estou certa de que é um santo homem de Deus este que passa continuamente pela nossa casaâ€. É um acolhimento que exprime e concretiza o seu amor ao Senhor. E Jesus diz aos discÃpulos: “Quem vos acolhe, acolhe-Me a Mim, e quem Me acolhe, acolhe Aquele que Me enviouâ€. Mais uma vez é o amor de Cristo pelo Seu Povo, que Ele exprime naqueles que envia, que é a fonte da verdade do acolhimento da Igreja aos Profetas e Sacerdotes. E esse acolhimento, cheio de delicadeza, solicitude e ternura, sacia o nosso coração, pois é a expressão da ternura do próprio Deus por nós. A este acolhimento amoroso, o Profeta responde com amor, sente desejo de recompensar aquela famÃlia. E como o faz? Tenta perceber qual é o maior dom de Deus para ela, a graça de um filho. Também Jesus promete a quem receber, em Seu nome, o mais pequenino dos seus discÃpulos, graças da ordem do Reino dos Céus. Só o amor de Cristo pela Igreja inspira à Igreja a maneira de acolher e de amar aqueles que Deus lhe envia em Seu nome. No dia em que Deus envia à Igreja de Lisboa cinco novos presbÃteros e onze diáconos, eu digo à Igreja: acolhei os vossos sacerdotes, amai-os como Jesus Cristo ama a Igreja, acolhei-os como manifestação do amor de Cristo por vós, membros do Seu Povo. Não os ameis como o mundo ama, mas como Cristo ama, pois não é como homens simpáticos e dedicados que eles vos são enviados, mas como ministros de Cristo e expressão do Seu amor por vós. E a vós que o Senhor vai consagrar para o serviço do Povo de Deus eu digo: respondei sempre ao amor com que sois amados, distribuindo os dons de Deus de que sois ministros, procurai perceber qual é a graça que cada um precisa mais, em cada momento. Fazei sempre da vossa simpatia humana a expressão da ternura de Deus pelo Seu Povo. Não vos iludais com expressões, apenas humanas, do amor recebido e respondido. Elas desviar-vos-ão da exclusividade do amor de Jesus Cristo. †JOSÉ, Cardeal-Patriarca Diocese de Lisboa Share on Facebook Share on Twitter Share on Google+ ...