Mensagem da Quaresma de D. António Braga, Bispo de Angra
A Quaresma é caminhada de conversão, em preparação da grande festa dos cristãos, que é a Páscoa. Conversão a Deus, que passa pela prática do amor do próximo. Na verdade, a reconciliação com Deus refina o nosso sentido de humanidade e de solidariedade.
1) Vai nesse sentido a Mensagem do Papa para esta Quaresma, em que nos apela à oração, à penitência e a uma maior atenção à crianças. «O tema deste ano – Quem acolhe em Meu nome uma criança como esta, acolhe-Me a Mim (Mt 18, 5) - oferece a oportunidade de reflectir sobre a condição das crianças; crianças que Jesus continua hoje a chamar a Si e a indicar como exemplo para aqueles que desejam tornar-se Seus discípulos. As palavras de Jesus constituem uma exortação a examinar como são tratadas as crianças nas nossas famílias, na sociedade civil e na Igreja... Jesus amou as crianças como Suas predilectas... Por isso, quer que a comunidade as acolha, com os braços e o coração abertos, como se fosse Ele mesmo...».
A par de tanta dedicação para com as crianças, nas famílias e nas instituições, há a «registar também o egoísmo daqueles que não “acolhem” as crianças. Existem menores profundamente feridos pela violência dos adultos: abusos sexuais, aviamento à prostituição, envolvimento na venda e no uso da droga; crianças obrigadas a trabalhar ou alistadas para combater; inocentes marcados para sempre pela desagregação familiar; pequenos sumidos no ignóbil tráfico de órgãos e de pessoas. E que dizer da tragédia da Sida, com consequências devastadoras em África? Fala-se já de milhões de pessoas atingidas por este flagelo e muitíssimas delas contagiadas desde o nascimento».
2) Respondendo ao apelo do Papa, no sentido de a Igreja Católica apoiar a luta contra a Sida em África e por sugestão do Conselho Pontifício para a Pastoral da Saúde, a Renúncia Quaresmal deste ano, na nossa Diocese, destina-se ao apoio das crianças da Guiné-Conacry, que sofrem as consequências desta pandemia.
No ano passado, a Renúncia Quaresmal - que rendeu 32.481,41 Euros (trinta e dois mil quatrocentos e oitenta e um euros e quarenta e um cêntimos) - foi destinada para apoiar a construção e o funcionamento de duas maternidades em Timor (Dili e Baucau), cujo projecto foi apadrinhado pelo Patriarcado de Lisboa, com o apoio de várias Dioceses portuguesas.
Com um sentido de fraternidade universal, este ano, vamos, pois, em auxílio de irmãos fora das comunidades lusófonas. Tal é o significado da Renúncia Quaresmal: sair do nosso pequeno mundo, apesar de também necessitado e abrir os olhos e a bolsa a quem precisa mais do que nós. Trata-se de programar a nossa caminhada quaresmal, renunciando a algo de supérfluo ou não tão necessário, entregando o seu valor monetário, no fim da Quaresma, conforme a modalidade estabelecida em cada Paróquia. A Diocese encarregar-se-á de fazer chegar o donativo ao Secretariado Geral da CEP, que, por sua vez, o encaminhará para a Conferência Episcopal da Guiné-Conacry.
3) Estamos a viver na Diocese o ano da Eucaristia, em preparação do 48º Congresso Eucarístico Internacional, a realizar em Outubro próximo no México. Centrar cada vez mais a nossa vida cristã no Mistério Eucarístico não significa fechar-se em si mesmo e alhear-se dos problemas da sociedade. «Pão partido para um mundo novo», a Eucaristia é dinamismo de serviço e de partilha, de comunhão e de solidariedade.
Assim se exprime o Papa, ao falar da Eucaristia, como penhor de um mundo, à medida do homem e plenamente conforme ao desígnio de Deus:
«Muitos são os problemas que obscurecem o horizonte do nosso tempo. Basta pensar quanto urgente é trabalhar pela paz, colocar sólidas premissas de justiça e solidariedade nas relações entre os povos, defender a vida humana desde a concepção até ao seu termo natural. E também que dizer das mil contradições de um mundo “globalizado”, onde parece que os mais débeis, os mais pequenos e os mais pobres pouco podem esperar? É neste mundo que tem de brilhar a esperança cristã! Foi também para isto que o Senhor quis ficar connosco na Eucaristia, inserindo, nesta sua presença sacrificial e comensal, a promessa duma humanidade renovada pelo Seu amor» (Carta Encíclica, A Igreja Vive da Eucaristia, 2003, n. 20).
+ António, Bispo de Angra
Angra, 07 de Fevereiro de 2004.