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Ordenação na Diocese de Lamego

D. Jacinto Tomás Botelho
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Homilia do Bispo local, D. Jacinto Botelho

«O nascimento de S. João Baptista, ponto de encontro entre os dois testamentos: o antigo e o novo, no pregar de S. Agostinho, como rezámos na Liturgia das Horas, continua a ser “motivo de alegria para muitos” entre os quais nos sentimos nós incluídos, quantos vivemos esta celebração. A Igreja-Mãe da Diocese não se alheia a este júbilo. Não o expres¬sa tão significativamente a Eucaristia que celebramos? João Bap¬tista, o último dos profetas do Antigo Testamento, nascido por¬tanto de pais velhos, como pros¬segue o comentário referido de S. Agostinho, anuncia o Novo e assim é declarado profeta antes de nascer, ainda no ventre de sua mãe. Num ambiente de insaciável comodismo e sôfrego da satisfação imediata dos mais exóticos caprichos e supérfluas exigências, a figura austera do Percursor, fidelíssimo à verdade, continua a traçar o caminho que conduz a Cristo e ao seu seguimento; e o seu dedo indicador tão sugesti¬vamente retratado na iconografia, aponta sempre o Cordeiro de Deus, Aquele que tira o pecado do mundo. Mas hoje nesta Catedral volta a viver-se um dos momentos mais altos da espiritualidade diocesana, nomeadamente do seu presbitério, com a ordenação do Diácono Sérgio. Exulta o Sérgio que vê reali¬zado o sonho acalentado de há tantos anos, exultam os seus pais, irmãos e demais familiares, que aqui estão presentes, exultam os Seminários com as suas equipas formadoras e companheiros, exul¬ta a paróquia de S. João Baptista de Quintela da Lapa, com os seus párocos e fiéis que o viram nascer e acompanharam o seu cresci¬mento, exultam as comunidades onde realizou o estágio e benefi¬ciaram do seu entusiasmo juvenil, de modo particular esta paróquia da Sé onde serviu no último ano. Por isso aqui vieram e aqui estão em multidão, para agradecer ao Senhor a graça dum novo sacer¬dote. Os textos litúrgicos que a Igreja seleccionou para a Sole¬nidade de S. João, são a melhor iluminação para mergulharmos humildemente no mistério do sacerdócio de que uma ordenação sacerdotal necessariamente tem de sentir-se envolvida. Destaco algumas ideias, funda¬mentadas nas leituras que ouvi¬mos, e me parecem oportuna reflexão para o momento que estamos a viver. Em primeiro lugar a gratui¬dade da vocação – qualquer voca¬ção - e a absoluta prioridade da iniciativa de Deus. O Senhor chamou-me desde o ventre mater¬no, disse o meu nome desde o seio de minha mãe. Recordamos tantas vezes as palavras de Jesus: Não fostes vós que Me escolhestes, fui Eu que vos escolhi a vós. O próprio nome de João contra¬riando a tradição judaica, e provo¬cando a surpresa quase escan¬dalizada dos familiares, que davam sugestões, perante a firmeza de Isabel e depois do próprio Zacarias, significa Dom de Deus. “Cada vocação cristã encontra o fundamento na eleição prévia e gratuita de Deus por parte do Pai, que nos «abençoou com toda a espécie de bênçãos nos Céus em Cristo. N’Ele nos escolheu antes da criação do mundo, para sermos santos e imaculados na Sua pre¬sença, na caridade, predestinando-nos para sermos Seus filhos adoptivos em Jesus Cristo, segun¬do o beneplácito da Sua vontade». Toda a vocação cristã vem de Deus, é dom divino. Todavia ela nunca é oferecida fora ou inde¬pendentemente da Igreja, mas passa sempre na Igreja e me¬diante a Igreja”. É sempre necessário conven¬cermo-nos desta benemerência divina e desta eclesialidade que o Servo de Deus, João Paulo II, reflectiu na Exortação Pós-sinodal Eu vos darei Pastores que acabei de citar, e que conclui deste modo a reflexão: “O candidato ao pres¬biterado deve receber a vocação, não impondo as próprias condi¬ções pessoais, mas aceitando as normas e as condições que a própria Igreja, pela sua parte de corresponsabilidade, coloca.” Descobriste, querido Sérgio, este desígnio de Deus a teu res¬peito. Aprofunda-o ao longo da tua vida sacerdotal, e procura consolidar em cada dia a exigên¬cia que dele dimana. O Padre é, como S. João Baptista, um percursor de Cristo. É distribuidor da Palavra e do Pão, mas nem é Pão nem é Pala¬vra. Como o Baptista, é apenas a voz e não a Palavra. Este é o sentido do seu ministério. Cristo é a referência para todas as atitudes e a medida de todos os compor¬tamentos, na fidelidade à mensa¬gem que d’Ele recebe para comu¬nicar íntegra e autêntica. O minis¬tério é um serviço de obediência e humildade. Eu não sou quem julgais. Mas depois de mim vai chegar Alguém a quem eu não sou digno de desatar as sandálias de seus pés. Importa que Ele cresça e eu diminua. Extraor¬dinária lição de teologia pastoral que nos dá S. João Baptista. Mas só este é o preço de uma eficaz actividade apostólica. Lembremos a orientação do Directório para o Ministério e a Vida dos Presbíteros : “Para ser autêntica, a Palavra deve ser transmitida «sem duplicidade e sem nenhuma falsificação, mas manifestando com franqueza a verdade diante de Deus». O pres¬bítero, com maturidade responsável, evitará disfarçar, reduzir, distorcer ou diluir o conteúdo da mensagem divina. Com efeito a sua missão «não é de ensinar uma sabedoria própria, mas sim de ensinar a Palavra de Deus e de convidar insistentemente a todos à conversão e à santidade». Por isso a pregação não pode reduzir-se à comunicação de pensamentos próprios, à manifestação da experiência pessoal, à simples explicação de carácter psicológico, sociológico ou filantrópico; nem sequer ser excessivamente fascinada pela retórica, muitas vezes tão habitual na comunicação às multidões. Trata-se de anunciar uma Palavra de que não é permitido dispor”. Por isso nos recomenda João Paulo II a leitura meditada e orante da Palavra de Deus, indispensável em todo o itinerário da conversão e que fará do Padre “o verdadeiro homem de Deus, aquele que pertence a Deus e faz pensar Deus” na expressão de João Paulo II, o qual continua a advertir-nos: “Os cristãos esperam encontrar no sacerdote, não só o homem que os acolhe, que os escuta com todo o gosto e lhes testemunha sincera simpatia, mas também e sobretudo um homem que os ajuda a ver Deus, a subir em direcção a Ele.” É a consequência da intimidade que Jesus nos oferece. Não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o Seu Senhor; chamo-vos amigos porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de Meu Pai. É o convite que o Senhor nos faz: uma profunda comunhão com Ele, que nos identifique nos sentimentos, na apreciação das pessoas e dos acontecimentos, na lucidez dos juízos, na magnanimidade do perdão, nas preocupações de apostolado, na preferência pelos mais pobres e desprotegidos. Permiti que repita a afirmação de Bento XVI, como um programa de vida, feita precisamente há oito dias, no passado Domingo, dia 17, em Assis, aos sacerdotes e religiosos que com Ele se encontraram na comemoração do 8.º centenário da conversão de S. Francisco: “A lectio divina, a centralidade da Eucaristia, a Liturgia das Horas e a adoração eucarística, a contemplação dos mistérios de Cristo na perspectiva mariana do rosário, asseguram aquele clima e aquela tensão espiritual sem o que todos os compromissos pastorais, a vida fraterna, a própria solicitude pelos pobres, correm o risco de naufragar, por causa das nossas fragilidades e cansaços.” Rezemos com João Paulo II: “Maria, Mãe da Igreja, Senhora da Lapa, entre os discípulos no Cenáculo, suplicastes o Espírito para o Povo novo e os seus Pastores: Alcançai para a ordem dos presbíteros, em especial para o P. Sérgio a plenitude dos dons, ó Rainha dos Apóstolos.” Querido Sérgio, que sintas ao longo da tua vida sacerdotal, que a mão do Senhor, como com S. João Baptista, está contigo. Ámen.» 24 de Junho de 2007


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