Mas fazem reparos ao anteprojecto do Plano Nacional de Integração de Imigrantes.
Este documento reúne o resultado da Audição Pública Alargada do Fórum de Organizações Católicas para a Imigração (FORCIM) realizada, no dia 03 de Janeiro de 2007, na sede da Caritas Portuguesa, em Lisboa.
Na nossa referência aos números do Anteprojecto seguimos a versão entregue ao público na Apresentação Oficial realizada pelo Governo no dia 18 de Dezembro de 2006.
1. Nota Prévia
O esforço e interesse subjacentes a este documento pela problemática da imigração são de valorizar. Assim, as instituições subscritoras pretendem partir deste pressuposto como enquadrador das considerações seguintes.
Pretendemos dar uma atenção específica à importância estratégica do documento e produzir argumentos pedagógicos que permitam promover a rentabilização dos recursos, a participação activa e efectiva de todos os sectores e a indispensável transversalidade de actuação face à Imigração.
Desejaríamos que na elaboração do documento tivesse existido maior diálogo e que tal atitude prevaleça em etapas subsequentes de concretização das orientações definidas.
2. Observações de carácter geral
2.1 – Plano
Seria desejável que o texto apresentasse efectivamente as características de um Plano de Acção mais completo. A exposição dos objectivos, das prioridades, das metas deveriam incluir etapas de faseamento, com prazos, mecanismos de acompanhamento e de avaliação contemplados com o rigor.
Trata-se de um elenco muito exaustivo de 123 medidas que são apresentadas todas ao mesmo nível, sem identificação de prioridades para as áreas e medidas propostas, de modo a tornar exequível a sua eficácia prática, operacionalidade e consequente articulação interministerial. Realçamos a necessidade de clarificar os compromissos (formais) a assumir entre as entidades envolvidas (13 Ministérios).
2.2 – Espírito das medidas elencadas
O presente texto:
- Demonstra uma visão pouco interventora da Sociedade Civil, desvalorizando a importante acção e papel relevante das Associações de Imigrantes, ONG, IPSS, Centros de Apoio ao Imigrantes (CLAI e Municipais), Paróquias e outros parceiros sociais. Têm sido estas organizações intermédias e próximas do terreno o grande “palco” das acções de acolhimento e sua integração na comunidade. As Empresas também devem ser referidas quando se reflecte sobre o acolhimento dos recém-chegados e sua integração. Outros sectores da Administração do Estado, com relevante intervenção nesta área, são esquecidos no documento (Autarquias, Juntas de Freguesias). A própria rede de informação e de apoio do Estado, através do ACIME, constituída pelos CLAI está alojada em Associações de Imigrantes, em IPSS e Autarquias, sem as quais era impossível actuar.
- Manifesta uma subjacente atitude de forte intenção de centralização das acções de acolhimento e de integração ao redor dos CNAI do ACIME fragilizando outras estruturas da Sociedade Civil. Esta estratégia de estatização do acolhimento e integração de imigrantes contraria a desejável política de envolvimento e dinamização da Sociedade Civil que conduziria a um apoio ao alargamento das suas acções locais de proximidade e de participação em “redes sociais” locais que existem, sobretudo, fora das grandes metrópoles de Lisboa e Porto
- Apresenta uma abordagem mais reactiva do que preventiva. Apresenta remédios, mas não age sobre as causas…
2.3 - Instrumento a apoiar
Apesar de ser um documento (anteprojecto) em fase de elaboração, manifestamos uma atitude construtiva relativamente às intenções e boa vontade em resolver problemas que o texto proclama. Este instrumento poderá trazer benefícios acrescidos se for bem monitorizado e acompanhado pela rede de actores através de uma “bateria de indicadores” construída em conjunto.
Importa tornar este documento mais operacional, realista nas possibilidades e nos recursos à disposição.
Um dos aspectos mais positivos do documento é a “prometida” articulação interministerial e coordenação interna de práticas administrativas, formativas e sociais que pode ser uma resposta ao problema da burocratização, desinformação e “infernização” da vida do imigrante que tem “produzido” muitas histórias de irregularidade e de clandestinidade a que os imigrantes são condenados, desde há alguns anos, como o admite o preâmbulo da nova lei de imigração.
2.4 - Algumas propostas:
• Urge rever o texto à luz da nova “lei de imigração” recentemente aprovada pelo Parlamento e em fase de discussão na especialidade, pois, á face da nova lei, algumas medidas tornam-se repetidas neste “Plano”.
• É preferível rentabilizar e potenciar o que já existe a nível do processo de descentralização levado a cabo pelo próprio ACIME desde há quatro anos, do que criar novas estruturas que vão exigir mais despesa. O próprio Orçamento Geral do Estado e a actual conjuntura económica de reformismo não parece viabilizar o crescimento do Estado neste sector. Mais do que reforçar o ACIME e outros sectores estatais (ex: criação de gabinetes) há que reforçar o apoio às organizações da Sociedade Civil que, sobretudo, fora das grandes cidades de Lisboa e Porto, já deram provas de “boas práticas” no trabalho com as famílias e comunidades imigrantes e que precisam de ser mais apoiadas para que alarguem o seu raio de acção solidária e de mediação sócio-cultural.
• As medidas a levar a cabo pelos 13 Ministérios não terão sucesso se não envolverem as estruturas associativas da Sociedade Civil, grandes “mediadoras” do acolhimento e da integração dos imigrantes em Portugal.
• É, por isso, que este “Plano” deverá proporcionar à Sociedade Civil os recursos e meios necessários para que ela possa cumprir a sua missão a nível de estrutura intermédia.
3. Observações de carácter particular
• Conceder um papel mais relevante às organizações da sociedade civil, designadamente CLAI, Autarquias, IPSS, Empresas, ONG, Igrejas, entre outras, nas várias fases de integração dos imigrantes, desde o acolhimento até ao respectivo apoio e acompanhamento. Nesta ordem de ideias, a medida 2, por exemplo, deveria ser reforçada em detrimento da medida 1. Aquelas entidades deveriam ser expressamente incluídas na aplicação das medidas 39, 79, 110, etc.
• Os imigrantes deverão ter os mesmos direitos dos nacionais, designadamente em matéria de Emprego, Saúde, Segurança Social, Educação, Habitação (n.17).
• Agilizar e desburocratizar os vários procedimentos, afigurando-se que a medida 22, se bem aplicada, poderia agilizar o acesso à saúde dos imigrantes em situação irregular. Na medida 23, poderia ser abolida a apresentação da credencial a emitir pelo ACIME, desde que isso não implicasse, por parte dos serviços, o não cumprimento do direito à saúde dos imigrantes.
• Eliminar as medidas que possam vir a ser asseguradas pela nova lei, como são os casos, por exemplo, das medidas 12, 18, etc., a não ser que elas possam servir para um melhor acompanhamento da respectiva aplicação.
• Não criar outros gabinetes, tal como o faz a medida 15, mas aproveitar os CLAI e as estruturas autárquicas já existentes.
• Hierarquizar os passos a desenvolver. Assim, no caso da medida 9, a questão fulcral é encontrar soluções alternativas, aparecendo o alargamento do prazo do pré-aviso subordinado àquele primeiro objectivo.
• Corrigir algumas situações. Por exemplo, a medida 65 refere-se aos gabinetes de Apoio Jurídico. Ora, face ao Artº5 da Lei nº 34/2004 de 29 de Julho, tais gabinetes são ilegais, porque só a Ordem dos Advogados pode dar esse apoio, o que não é defensável, tendo em conta as necessidades de aconselhamento jurídico dos imigrantes.
• Abrir o programa “Portugal Acolhe” ou outro (n.51) a todos os imigrantes independentemente do seu estatuto e situação administrativa (regular e irregular). Deverá ser reforçado o apoio concreto a Entidades que têm realizado cursos de português e cidadania para estrangeiros com sucesso e proximidade, apoiando com meios e recursos suficientes a rede já existente.
4 – Conclusão
Gostaríamos de salientar, na perspectiva de maior crescimento do ACIME que subjaz a este “Plano”, o nosso olhar sobre a importância desta Instituição. Para nós, o ACIME deverá ser encarado, sobretudo, como “Provedor do Imigrante”. A sua intervenção deverá congregar esforços na preparação e execução das políticas e ser o garante da Humanização, do Tratamento, da Protecção dos Direitos Humanos e Promoção dos Deveres dos Imigrantes. Deverá neste contexto receber as queixas, críticas e sugestões dos próprios imigrantes a nível pessoal e das suas Associações, assim como da Sociedade Civil e, por conseguinte, procurar intervir para que a lei seja cumprida e respeitada pelas Instituições do Estado.
Resta-nos referir que importa não esquecer a área do Envelhecimento. O Plano deverá conter medidas específicas relativas aos idosos imigrantes, população em que se nota muita pobreza e desprotecção social.
Lisboa, 03 de Janeiro de 2007
* Elenco das organizações signatárias:
Capelania dos Africanos de Lisboa (CAL)
Caritas Portuguesa (CP),
Centro Padre Alves Correia (CEPAC),
Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP),
Comissão Justiça e Paz da Conferência dos Institutos Religiosos (CJP/CIRP),
Fundação Ajuda à Igreja Que Sofre (FAIS),
Fundação Evangelização e Culturas (FEC),
Liga Operária Católica / Movimento de Trabalhadores Cristãos (LOC/MTC),
Missionários de S. Carlos / Scalabrinianos (CS),
Obra Católica Portuguesa de Migrações (OCPM),
Rede Hispano Lusa das Mulheres Vitimas de Tráfico Humano (DHLMVTH),
Secretariado Diocesano da Pastoral de Mobilidade Humana de Beja (SDPMH),
Secretariado Diocesano das Migrações do Porto (SDM),
Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS).