Homilia de D. Armindo Lopes Coelho na Eucaristia de Domingo de Ramos
“O Senhor deu-me a graça de falar como um discípulo, para que eu saiba dizer uma palavra de alento aos que andam abatidos” (Is. 50, 4). É assim que o profeta Isaías começa a apresentar o “Servo do Senhor”, que veio ao mundo e está perante todos os que andam abatidos para lhes dizer uma palavra de alento.
Foram os primeiros discípulos do Servo do Senhor que anunciaram a Boa Nova da sua presença e missão, começando exactamente por nos transmitir o acontecimento da sua paixão e morte, nos momentos mais significativos da história do sofrimento que é causa e caminho da nossa salvação. São momentos de surpresa, de contradições, de escândalo… que paradoxalmente fazem bem aos que andam abatidos e que sustentam a fé dos discípulos.
É desde logo um discípulo, um dos doze, que vai à praça fazer negócio e vender o Mestre. Jesus, o Mestre, reconhece e comunica que o seu Tempo (a sua hora) está próximo. Manda preparar a Páscoa e revela que um dos discípulos o vai entregar. É de notar o esforço de cada um para tentar descobrir e reconhecer se é o traidor. Cada discípulo sente-se candidato e capaz da traição, e fica perturbado.
Identificado e denunciado o traidor, o Mestre senta-se à mesa com os Doze, Judas incluído. É a Ceia, a última Ceia, a primeira Eucaristia: “Tomai, come; bebei todos” (Mt. 26, 26.27). Sem dúvida que “a dimensão mais saliente da Eucaristia é a de banquete” (Mane nobiscum Domine, nº 15), mas este sentido de “comensalidade” não pode separar-se do “sentido primária e profundamente sacrifical” (Ibid.). A comunhão implica a relação com o Calvário.
O próprio Cristo entendeu o sofrimento e paixão como um escândalo, mas Ele veio para fazer a vontade do Pai: “Não se faça como Eu quero, mas como Tu queres”. O chefe dos Doze, Pedro, garantiu de modo categórico e precipitado: “Ainda que tenha de morrer contigo, não te negarei”. E os outros colegas repetiram as mesmas palavras.
Durante a agonia de Jesus no Horto das Oliveiras os discípulos dormiam e voltavam a dormir. E quando durante o julgamento chegou o momento da provação para Pedro, este jurou: “ Não conheço tal homem”. Jesus tinha previsto e avisado.
Até parece que O conheciam bem as multidões que, manipuladas pelos príncipes dos sacerdotes e os anciãos, trocaram Cristo por Barrabás. Barrabás, o malfeitor, para a liberdade… Cristo, o justo (como reconheceu a mulher de Pilatos) seja crucificado. E assim, Pilatos, o covarde, lavava as mãos no aplauso da multidão.
Consumava-se a Paixão. O “Servo de Javé” consumia-se em dor e na aparente sensação e experiência de abandono. “Clamando com voz forte, expirou”. Até a natureza reagiu. E alguns amigos, a observar de longe. José de Arimateia aparece então a retocar o cenário, com a cedência benévola do corpo crucificado para o depositar no sepulcro. José de Arimateia representa um estrato grande e resistente da humanidade a que pertencemos: “Rolou uma grande pedra para a entrada do sepulcro, e retirou-se”.