A Palavra de Deus fala-nos de transfiguração ou grande transformação. Transfiguração de Cristo, no monte Tabor, no meio de Moisés e Elias, diante dos apóstolos Pedro, Tiago e João, que também se deixaram transfigurar pelo impacto da experiência feita; transformação de um homem, o Patriarca Abraão, pela força de Fé, o qual fica capaz de trocar tudo o que tem pela aventura da esperança que Deus lhe propõe.
Vivemos num mundo a necessitar de profundas transformações para que nele haja verdadeiramente qualidade de vida pessoal e comunitária
A Comissão Nacional Justiça e Paz publicou um documento, já neste mês de Março, subordinado ao seguinte título: “Recuperar a alegria de viver e o nosso compromisso com o mundo”, com propostas concretas, na linha do nosso compromisso de cristãos e de Igreja, para transformar a sociedade e a alegria de viver. Entre as propostas, permito-me sublinhar as seguintes, que são de uma actualidade gritante: 1ª) Lutar contra o pessimismo e o desânimo; 2ª) superar as razões da exclusão social e acabar com a pobreza; 3ª) superar o consumismo irresponsável; 4ª) praticar o acolhimento aos imigrantes; 5ª) fazer esforço pela dignificação do trabalho humano; 6ª) colaborar na defesa dos bens públicos e contribuir para eles com sentido de responsabilidade social; 7ª) reabilitar a confiança nas instituições da sociedade civil e em particular na actividade política; 8ª) nesta Quaresma, como cristãos temos de nos converter à esperança e ajudar o mundo em geral a fazer a mesma conversão.
Se estamos de acordo em que o mais importante é a vida de qualidade, então pertence-nos a todos, começando pelas autoridades e instituições civis e administrativas, criar as condições indispensáveis para atingir esse objectivo.
Chegados aqui precisamos de encarar de frente um problema incontornável dos nossos ambientes que é a desertificação. Infelizmente, o movimento demográfico, no nosso país, continua a ser para os grandes centros. Se tivermos em conta uma outra previsão já feita de que, em 2020, seremos em Portugal menos 700 mil portugueses, devido aos efeitos da baixa de natalidade, sentimos a urgência de introduzir factores novos neste processo que permitam inverter a marcha dos acontecimentos.
Somos homens e mulheres de esperança, queremos como cristãos levar razões de esperança à nossa sociedade e por isso acreditamos que é possível evitar esta hecatombe dos nossos ambientes. Já tivemos oportunidade de nos congratular com algumas políticas de discriminação positiva para os nossos ambientes, como está a ser, por exemplo, a isenção de portagens na A23 e A25. Esta é uma forma de ajudar a pagar os custos da interioridade. Mas temos de continuar a percorrer este caminho, criando condições mais favoráveis aos empresários, em redução de impostos, para que venham montar mais algumas empresas nos nossos meios; incentivando os casais novos originários das nossas terras a fixarem-se nelas, quer porque se lhes facilita a aquisição de casa própria, quer porque se lhes oferecem meios financeiros para criarem o seu próprio emprego. Precisamos de fomentar a cultura das pequenas empresas, de base familiar, em que as pessoas, na vez de se queixarem da falta de emprego e de quererem viver do desemprego, se associem e tomem iniciativas, quanto possível tirando partido das muitas potencialidades de desenvolvimento existentes nos nossos meios. A política geral do nosso país tem a grande parte da responsabilidade quanto a medidas a tomar para inverter este fluxo demográfico do interior para os grandes centros, mas a política local, tanto autárquica como dos nossos representantes na Assembleia da República e no Governo, também não pode demitir-se.
Ruralidade
Não posso aceitar que se classifique de “destruição criadora” o despovoamento do Portugal rural tradicional, segundo declaração de um Secretário de Estado do actual Governo, na semana passada. Estou mais de acordo com o Professor Universitário investigador e docente do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, Mário Bandeira quando diz que este despovoamento é um crime e lamenta que mais de metade do território não faça parte dos planos deste país, dentro da política errada seguida pelos governos nos últimos 30 anos.
Precisamos também de outras condições para o crescimento da qualidade da vida nos nossos aglomerados populacionais. A relação comunitária é uma necessidade das pessoas. A experiência da partilha de bens materiais mas também culturais e espirituais é determinante para o bem-estar social. Cada pessoa precisa de ser reconhecida, de forma continuada, nos seus valores e capacidades; e sobretudo precisa de sentir que estas suas capacidades são aproveitadas. Todos temos de desenvolver esforços e criar condições para acabar com a marginalidade, seja qual for a expressão que tiver e promover a inserção social.
Para conseguirmos objectivos de qualidade de vida comunitária, há, sobretudo hoje, um problema que temos de encarar de frente e com coragem – é o ordenamento do território e o planeamento urbanístico. Precisamos que as nossas aldeias não percam habitantes. Mas os planos directores municipais continuam a restringir exageradamente os terrenos rurais destinados à construção.
Atrevemo-nos a pedir que os planos directores municipais, que agora estão felizmente a ser revistos, proporcionem a fixação de casais novos e outros menos novos nas nossas aldeias tradicionais, contribuindo, assim, para inverter a marcha implacável da desertificação.
Lembrar estes problemas e propor alguns critérios de solução é também o nosso contributo de cidadãos e de cristãos, neste tempo de renovação pessoal e comunitária que é a Quaresma, para a qualidade de vida dos indivíduos e da sociedade que a todos nos tem de preocupar.