1. A pedagogia do caminho quaresmal
A Igreja começa em Quarta-Feira de Cinzas um caminho de 40 dias que tem a sua meta na Páscoa da Ressurreição de Cristo. É o caminho espiritual da Quaresma que nos introduz progressivamente no mistério da Páscoa para que ela possa ser celebrada como uma explosão de vida nova, de renovação pessoal e social.
Este tempo de 40 dias configura-se para os cristãos como uma peregrinação interior às fontes da misericórdia e da alegria, para aí bebermos a energia espiritual que nos renova, como salienta o Papa Bento XVI na sua mensagem: “ A Quaresma é o tempo privilegiado da peregrinação interior até Àquele que é a fonte da misericórdia. Nesta peregrinação, Ele próprio nos acompanha através do deserto da nossa pobreza, amparando-nos no caminho que leva à alegria profunda da Páscoa”.
Não é pois um tempo triste, mas uma ocasião favorável para regressar a Deus, de todo o coração, redescobrir que Ele está à nossa espera, e que, haja o que houver, continua sempre a amar-nos, a guardar-nos e a amparar-nos. É tempo de começar de novo a partir de Deus e de pôr em ordem a nossa vida de fé, esperança e caridade.
Neste sentido, a Igreja recomenda-nos alguns meios pedagógicos a actualizar hoje: o jejum e a abstinência em ordem a educar os nossos sentidos, a controlar o nosso egoísmo e os nossos desejos consumistas e a libertar-nos do inútil ou supérfluo; a oração e meditação da Palavra para um diálogo de maior intimidade com Deus; a esmola como expressão de partilha com qualquer necessidade dos irmãos; o sacramento da reconciliação para libertação do nosso pecado.
2. O testemunho luminoso do amor: partilha e solidariedade
Bento XVI convida os cristãos a fazer da Quaresma também um período para aprender a ver o mundo, e em particular o sofrimento dos homens, com o olhar de Cristo, a partir da frase do Evangelho de S. Mateus: “Jesus, vendo as multidões, encheu-se de compaixão por elas” (9, 36).
Neste sentido afirma: “Quando nos voltarmos para o Divino Mestre, nos convertemos a Ele e experimentarmos a sua misericórdia, descobriremos um ‘olhar’ que nos perscruta profundamente e que pode reanimar as multidões e cada um de nós. Já na história - mesmo quando o ódio parece prevalecer -, o Senhor nunca deixa faltar o testemunho luminoso do seu amor”.
O olhar compassivo de Cristo leva-nos a sair da indiferença, do egoísmo e do cepticismo perante os terríveis desafios da pobreza de uma grande parte da humanidade. Aqui está a raiz e o significado da renúncia quaresmal em ordem a partilhar com os necessitados e a tornar o mundo mais fraterno.
Sabemos que os bens não circulam sem corações e mãos humanas e que, mesmo com o nosso pequeno contributo, acontecem grandes maravilhas: a seca é vencida pela construção de um poço, a falta de assistência é colmatada com um hospital, o analfabetismo desaparece com a abertura de escolas, as crianças abandonadas são acolhidas em orfanatos, etc. O mundo muda quando cada um dá de si mesmo e do que tem. É bom lembrar de novo as palavras do Papa, sobre o específico da caridade cristã, na sua primeira encíclica “Deus é Amor”: “Para que o dom não humilhe o outro, devo não apenas dar-lhe qualquer coisa minha, mas dar-me a mim mesmo, devo estar presente no dom como pessoa” (n.34).
Recebemos este ano um pedido de auxílio da diocese do Huambo, em Angola, a braços com o trabalho de reconstrução, após anos de guerra devastadora. Na carta enviada pelo Arcebispo, D. José Queirós, percebem-se bem as dificuldades: “ Os seminários estão destruídos. Durante 30 anos não tiveram qualquer manutenção. Vemo-nos obrigados a construir um novo Seminário Menor, pois os seminaristas vivem numa situação pouco digna”.
Assim, após a aprovação do Conselho Presbiteral, determinamos que a renúncia quaresmal deste ano será para a construção do Seminário Menor do Huambo.
3. O exemplo dos santos: Madre Rita de Jesus
Por fim, desejava sublinhar os exemplos dos santos como indicações preciosas para viver a Quaresma, como diz o Santo Padre na sua mensagem: “Quem age segundo a lógica evangélica, vive a fé como amizade com o Deus incarnado e, como Ele, provê às necessidades materiais e espirituais do próximo”. A santidade de vida é a meta da conversão quaresmal e fonte de verdadeiro humanismo.
Como é já sabido, preparamo-nos para viver com autêntica alegria o reconhecimento da santidade de uma filha da nossa Igreja diocesana, Madre Rita de Jesus, no dia da sua beatificação, a 28 de Maio. Esta Quaresma é também uma ocasião para dar a conhecer a história concreta da sua santidade e para nos deixarmos iluminar e provocar a viver a nossa fé e o nosso testemunho sem mediocridade e com maior intensidade. Para esta sensibilização das comunidades, peço o melhor empenho dos párocos.
A Quaresma de 2006, se vivida de acordo com as três indicações referidas, fará de nós “servidores da alegria do Evangelho” ao nosso mundo.
Como o Papa, também eu “confio a Maria, fonte viva de esperança, o nosso caminho quaresmal, para que nos conduza ao seu Filho”.
A todos saúdo e abençoo com fraterno afecto,
+ António Marto, Bispo de Viseu