Pobreza, violação dos direitos humanos CNJP 02 de Outubro de 2008, às 12:24 ... A caminho da Audição Pública sobre o tema, CNJP alerta para as disfunções e injustiças do sistema socio-económico A Comissão Nacional Justiça e Paz junta-se ao coro das muitas pessoas e entidades que reclamam a definição da pobreza como violação de direitos humanos e que dessa definição se retirem as necessárias consequências nos planos polÃtico e jurÃdico. Têm-se ouvido vozes a contestar esta pretensão. Tem-se afirmado que sair da pobreza não pode ser algo a que se tem direito sem esforço pessoal e que a definição da pobreza como violação dos direitos humanos pode conduzir a um paternalismo desresponsabilizante. Subjacente a esta crÃtica está, mais ou menos veladamente, a ideia de que, no fundo, a pobreza é uma opção ou o resultado de caracterÃsticas pessoais negativas, como a falta de qualidades de laboriosidade ou iniciativa. Inúmeros estudos revelam, pelo contrário, que a pobreza como fenómeno social decorre de disfunções e injustiças do sistema socio-económico. Definir a pobreza como violação dos direitos humanos significará, assim, eliminar essas disfunções e injustiças, criar condições para que o pobre possa fazer o que está ao seu alcance para se libertar da pobreza. Não se trata, pois, de o desresponsabilizar, ou de o dispensar de trabalhar quando para tal tem capacidade. O que se verifica é que essas condições para o pobre se libertar da pobreza não estão reunidas no actual contexto e o sistema é um obstáculo ao sucesso de qualquer esforço nesse sentido. Há que remover esse obstáculo e é isso que a definição da pobreza como violação de direitos humanos implica. A força jurÃdica do direito a não permanecer na pobreza, como a de outros direitos económicos, sociais e culturais (direito à habitação, à saúde, à educação, etc.), deve ainda ser estudada e aprofundada. Há que identificar melhor em que é que essa força jurÃdica se assemelha ou diferencia da força jurÃdica dos direitos, liberdades e garantias pessoais (direito à vida, à integridade fÃsica, à liberdade de consciência, de expressão ou manifestação, etc.) e dos direitos, liberdades e garantias de participação polÃtica (direito de voto, de participar em partidos polÃticos, etc.). Mas o que importa salientar é que, porque se trata da definição de um direito e não de uma simples proclamação polÃtica, alguma força jurÃdica, algum vÃnculo jurÃdico para o Estado, deve resultar dessa definição. Importa conceber todos os direitos humanos, os direitos, liberdades e garantias pessoais, os direitos, liberdades e garantias de participação polÃtica e os direitos económicos, sociais e culturais como um todo unitário, coerente e indissolúvel. E deve ser assim porque, por um lado, os direitos económicos, sociais e culturais podem dar consistência prática e efectividade aos outros direitos. O acesso a cuidados de saúde é uma forma de concretizar o direito à vida. Sem o acesso à instrução e cultura, a liberdade de expressão e os direitos de participação polÃtica podem ser vazios de conteúdo efectivo. Esta é uma perspectiva que tem sido realçada pelo prémio Nobel da economia Amartya Sen: o combate à pobreza e o desenvolvimento traduzem-se no alargamento das liberdades reais. E também porque é o mesmo valor da dignidade da pessoa humana, em que se funda o Estado português de acordo como o artigo 1º da Constituição, que dá um sentido unitário a todos os direitos fundamentais. A dignidade de uma pessoa é atingida quando ela é vÃtima de tortura em virtude da prepotência de um regime polÃtico ditatorial, mas também quando ela é vÃtima de fome em virtude da injustiça de um sistema económico. A pobreza, tal como a opressão, impede que a pessoa se realize plenamente como pessoa. Para os cristãos, este princÃpio da dignidade da pessoa humana, que reclama o respeito de todos os seus direitos fundamentais, encontra um sólido fundamento na visão bÃblica da pessoa criada à imagem de Deus, membro da famÃlia universal dos seus filhos, com quem Jesus Cristo se identifica e por quem deu a sua vida. Pedro Vaz Patto (membro da Comissão Nacional Justiça e Paz) CNJP Share on Facebook Share on Twitter Share on Google+ ...