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Por uma Constituição que respeite e relance a alma da Europa

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Contributo da CNJP para o Tratado Constitucional da UE

1. O trabalho da Convenção Europeia em ordem à elaboração de um projecto de Tratado Constitucional da União Europeia, que está prestes a concluir-se, oferece uma inédita oportunidade de repensar os objectivos desta União, as suas estruturas e os princípios em que assenta. Aos cidadãos e cidadãs europeus em geral, e às instituições da sociedade civil das várias nações europeias, tem sido dada também a oportunidade de participar neste trabalho. Não podemos, porém, deixar de reconhecer que, lamentavelmente, esta oportunidade de participação e debate não tem sido cabalmente aproveitada entre nós. Neste contexto, a Comissão Nacional Justiça e paz vem dar um seu contributo, procurando salientar alguns aspectos que lhe parecem mais relevantes no plano dos princípios fundamentais, abstendo-se de entrar em questões mais específicas, de ordem política ou técnico-jurídica, que escapam ao seu campo próprio de actuação. 2. A questão que se nos afigura decisiva prende-se com a necessidade de construir o projecto de unidade europeia em tomo de valores éticos e culturais partilhados pelos povos europeus. Ou, como já várias vezes foi referido, a necessidade de dar uma alma à Europa. Este projecto tem sido até aqui encarado sobretudo como uma agregação de interesses económicos. Os "pais fundadores" da União Europeia, de modo pragmático, optaram por criar interdependências económicas que impedissem de facto a repetição dos conflitos bélicos passados, e neste aspecto tiveram êxito. Mas, desde o início, aspiravam a uma coesão e a uma unidade com alicerces mais profundos. Jean Monet afirmou um dia que, para construir mais solidamente o projecto europeu, deveria ter começado pela cultura... Só uma União Europeia assente em princípios, valores e convicções permitirá ultrapassar divergências de interesses nacionais em função de um bem comum mais amplo. E só assim tal projecto poderá mobilizar a adesão e o entusiasmo de todos os europeus (o que - deve reconhecer-se - nem sempre tem sido conseguido, se atendermos, por exemplo, aos níveis de abstenção em eleições europeias). o desafio de um novo alargamento toma particularmente oportuno e necessário este reforço de coesão assente em valores. É que com esse alargamento (como em menor medida também sucedeu aquando do alargamento que conduziu à adesão de Portugal) será muito mais acentuada a heterogeneidade dos Estados membros, no que se refere aos índices de desenvolvimento sócio-económico e às experiências históricas recentes. Por isso, há que saudar a declaração do artigo 20 do projecto de Tratado Constitucional da União Europeia segundo o qual esta se funda nos valores do respeito da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da democracia, do Estado de Direito e do respeito dos direitos humanos, visando a construção de uma sociedade pacífica que põe em prática a tolerância, a justiça e a solidariedade. O desafio que se coloca à União Europeia, e a todos os europeus, é o de descobrir e concretizar as implicações destes valores. 3. Destacamos desde já, e por um lado, o princípio, característico do constitucionalismo moderno, do reconhecimento e protecção dos direitos humanos, corolário e reflexo da dignidade da pessoa humana. Trata-se de um princípio com uma fundamentação e validade supra-estadual, isto é, de um princípio que vincula o próprio Estado, ou a comUnidade de Estados, princípio que estes não criam, mas apenas reconhecem. Não podemos deixar de salientar que essa fundamentação não pode, para nós, desligar-se da imagem bíblica da pessoa humana criada à imagem e semelhança de Deus, com quem o próprio Deus se identifica, em especial quando estão em causa os mais fracos e indefesos «


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