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Projecto do PSD e do CDS/PP sobre o aborto

AAVV
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Aprovado ontem, no Parlamento da República

1. A temática da interrupção voluntária da gravidez regressa ao debate parlamentar. Os signatários do presente Projecto de Resolução entendem que, por respeito à vontade popular expressa no referendo realizado em 1998, tal matéria só pode, correctamente, ser abordada e decidida através de novo referendo e consideram que, em obediência ao compromisso político firmado com os cidadãos na última campanha eleitoral, tal eventual consulta popular, a realizar-se, só o deverá ser em próxima legislatura. Como o mandato do Deputado é, por definição política e imperativo constitucional, um mandato de representação – o deputado representa os eleitores, não se representa a si próprio – os dois compromissos eleitorais acima referenciados devem ser escrupulosamente observados. 2. Tal não significa, porém, que os signatários sejam insensíveis às várias questões - humanas, sociais e legais – que esta temática inevitavelmente suscita. Bem pelo contrário. Só que a questão do aborto não pode, numa sociedade responsável e humanista, reduzir-se exclusivamente a uma opção legislativa entre a permissão ou a proibição, entre a liberalização ou a sua rejeição. É certo que esta dicotomia sempre se poderá colocar, mas não deve colocar-se isoladamente, antes deve vir na sequência de uma responsabilidade pessoal e colectiva na protecção à família e à maternidade, na educação de todos para a sexualidade, e na prevenção e enquadramento adequado das gravidezes indesejadas ou inesperadas. Qualquer que seja a opção legislativa, a verdade é que a interrupção voluntária de uma gravidez é sempre uma violência. Uma violência física, humana e social. Educar para a evitar, e agir para a prevenir dever ser, em qualquer circunstância e independentemente do quadro legal aplicável, a prioridade das prioridades. E o conhecimento da realidade demonstra que não há prevenção séria da interrupção voluntária da gravidez que dispense uma adequada protecção da família, uma cuidada educação para a sexualidade e um amplo acesso ao planeamento familiar. 3. O processo referendário de 1998 teve aliás o mérito indiscutível de revelar uma larga plataforma nacional de concordância sobre a necessidade de evitar a prática do aborto através do apoio à maternidade e à paternidade e do acesso generalizado ao planeamento familiar e à educação sexual. Quanto à interrupção voluntária da gravidez, significou a manutenção em vigor do essencial da lei de então. Urge assim garantir o cumprimento da legislação sobre todas estas matérias, basicamente contida na trilogia de 1984: as Leis nº 3/84, de 24 de Março, sobre a educação sexual e o planeamento familiar, nº 4/84, de 5 de Abril, sobre a protecção da maternidade e da paternidade, e nº 6/84, de 11 de Maio, sobre a exclusão da ilicitude em alguns casos da interrupção voluntária da gravidez, todas já entretanto objecto de modificações e desenvolvimentos posteriores. 4. Mas é também necessário que alguns aspectos sejam objecto de atenção especial, nomeadamente por dizerem respeito a particulares segmentos da população ou porque novas perspectivas de actuação se afiguram também necessárias, e que são objecto de particular recomendação ao Governo. Com efeito, alguns indicadores de saúde traduzem falhas graves na educação e informação dos jovens no domínio da saúde reprodutiva. Continua, por um lado, a haver um número alarmante de gravidezes na adolescência e, pelo outro, há um nível de infecção pelo vírus da SIDA muito elevado entre os menores de 25 anos. A existência destas situações, aliada a dados como um alto consumo da contracepção de emergência e a incidência elevada do cancro do colo do útero, aconselham a um investimento decidido na educação sexual e a alguma inflexão nesse domínio. Assim, considera-se indispensável que, no sistema educativo, se introduzam alterações na actual abordagem da educação sexual, face às debilidades detectadas na introdução transversal da matéria, repartida por diferentes áreas e disciplinas. E entende-se que se deve avançar pela introdução de uma área disciplinar, em termos em cada caso adaptados à forma como o ensino está organizado, que dê uma ênfase especial à educação para a sexualidade e para a saúde, e que seja ministrada do 3º ao 9º ano de escolaridade. Essa área disciplinar deve incluir-se num âmbito mais vasto da formação e desenvolvimento pessoal, abordado sempre numa perspectiva positiva de cultura de responsabilidade e de livre adopção de comportamentos cívicos e saudáveis. Esta área disciplinar, ou disciplina a partir do 7º ano, deverá ser obrigatória e sujeita a avaliação. Obrigatoriedade que tem de ser regulada em termos que respeite a livre opção de cada família ou encarregado de educação, de resto no estrito cumprimento da nossa Constituição e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Esta medida deverá constituir, em conjunto com a criação de um “tutor†em cada escola e a actuação de cada Centro de Apoio Social Escolar, a panóplia de meios de educação, acompanhamento e apoio das crianças e dos jovens em idade escolar, contribuindo decisivamente para a prevenção de comportamentos de risco. 5. As mães adolescentes ou em particulares dificuldades e os seus filhos necessitam de uma protecção especial, a que o Governo tem de dar novas respostas. Por um lado, às mães muito jovens devem ser garantidas as condições que lhes permitam continuar a estudar, nomeadamente no que respeita a horários e à frequência, pelos filhos, de creches e jardins de infância. Deve ser reforçado o apoio às instituições que apoiam mães e filhos em circunstâncias precárias. E é necessário que a fiscalização garanta o cumprimento, pelas entidades empregadoras, da legislação sobre a maternidade e paternidade. O instituto da adopção deverá ser cada vez mais um instrumento de capital importância a ser convocado para este debate e a contribuir para a resolução harmoniosa de muitos problemas. Adoptar uma criança tem tido, em Portugal, ao longo destes anos, uma notória dificuldade. E, todavia, deve ser encarada como uma singular oportunidade. A reforma do instituto da adopção recentemente aprovada por esta Assembleia, mediante proposta do Governo, neste quadro de referências e valores, um passo de inquestionável importância. Urge daí retirar todas as consequências. 6. Quanto ao planeamento familiar, impõe-se que o Estado e a sociedade sejam mais consequentes e eficazes. Em pleno século XXI, há ainda falhas ou omissões intoleráveis. Impõe-se alargar a cobertura em termos de consultas de planeamento familiar e saúde materna a grupos particularmente vulneráveis, como são os adolescentes e jovens, ou os imigrantes, reforçando, ainda, as condições de acesso aos meios e métodos contraceptivos por forma a prevenir e evitar a gravidez indesejada ou inesperada. Como é necessário garantir que todas as farmácias dispensem os meios necessários à prática da contracepção e que as cirurgias de contracepção sejam praticadas no tempo adequado. 7. Finalmente, e no que respeita à interrupção voluntária da gravidez, importa sublinhar que é absolutamente inaceitável que, 20 anos depois da aprovação da Lei nº 6/84, de 11 de Maio, ela não tenha ainda aplicação plena, eficaz e atempada. Os hospitais do Serviço Nacional de Saúde devem, a este respeito, ser firmemente instados a cumpri-la e a Assembleia da República deve, anualmente, poder apreciar e fiscalizar a sua aplicação. Quanto ao primeiro aspecto, deverá uma mulher que, nas condições legais, se dirige a um hospital, ser aí atendida ou encaminhada para unidade pública ou privada devidamente credenciada, que a atenda, cabendo ao SNS suportar o custo respectivo. 8. Há, pois, como se vê, um vasto campo de intervenção prática, no terreno, que está para além dos estudos, das leis o dos diagnósticos sociais que se façam da situação, o qual deve ser desenvolvido e aprofundado. Um campo que não retira importância nem dispensa o papel insubstituível da família, desde logo ao nível da informação, da educação e da formação. Apenas o complementa. Mas um campo do qual um Estado com fortes preocupações sociais não pode nem deve abdicar de intervir, seja a montante, em tudo quanto respeita à prevenção, seja a jusante, sempre que ocorre o risco de estigmatização social ou qualquer situação limite de rejeição familiar. Esta é uma obrigação incontornável do Estado, que todos temos de assumir colectivamente. Nestes termos, ao abrigo das disposições regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados apresentam o seguinte projecto de resolução: A Assembleia da República recomenda ao Governo a aprovação dos instrumentos administrativos, e se necessário legislativos, que permitam a rápida execução das seguintes medidas: 1 - Na área da educação: 1.1 – Apostar na educação para a saúde, criando uma área curricular autónoma de formação e desenvolvimento pessoal, dirigida especificamente aos alunos do 3º ao 9º ano de escolaridade; 1.2 – Esta área curricular, ou disciplina a partir do 7º ano, deve ser obrigatória, salvaguardando a responsabilidade dos pais, nos termos da Constituição e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, sujeita a avaliação, e vocacionada para a educação dos comportamentos nos domínios da civilidade e da saúde física e mental, com especial prioridade à saúde sexual e reprodutiva; 1.3 – Dotar cada Centro de Apoio Social Escolar (CASE’s) dos recursos indispensáveis à promoção da saúde, bem como ao apoio, acompanhamento e rastreio dos alunos em situação de risco, nomeadamente no domínio da alimentação, do consumo de substâncias aditivas que geram dependências e da saúde sexual. 1.4 – Instituir a figura do tutor escolar vocacionado para a ajuda, o aconselhamento e para a primeira abordagem no despiste e identificação de situações de risco entre os alunos, bem como na articulação com a intervenção especializada ao nível dos CASE’s. 1.5 – Promover acções de informação, formação e prevenção junto das comunidades educativas, visando a circunscrição das condutas e práticas de agressão e violência sobre e entre menores. 1.6 – Criar condições de flexibilização de horários escolares e de exames com vista a que os mesmos se adequem à continuação do percurso escolar das mães ou grávidas adolescentes e jovens. 2 - Na área do apoio à maternidade: 2.1 – Criar condições especiais no acesso a creches e jardins de infância por parte dos filhos de jovens mães estudantes, com o objectivo de lhes permitir a manutenção no sistema de ensino. 2.2 – Reforçar a fiscalização das empresas no que respeita ao cumprimento da Lei sobre a protecção da maternidade e paternidade. 2.3 – Apoiar as Instituições Particulares de Solidariedade Social que prestam ajuda e aconselhamento a jovens mães em situação de carência económica ou de vulnerabilidade social. 2.4 – Estimular a criação e o desenvolvimento dos Centros de Apoio à Vida, com o objectivo de apoiar mães grávidas solteiras e mães com dificuldades económicas e sociais. 2.5 – Flexibilizar os mecanismos de atribuição de licenças de maternidade, ajustando-os melhor ao objectivo da conciliação de responsabilidades familiares e profissionais. 2.6 - Acompanhar o cumprimento da Lei da Adopção, no sentido da sua plena aplicação e da sua premência tendo em conta as alterações de procedimentos e práticas nos domínios da segurança social, justiça e saúde. 3 - Na área do planeamento familiar: 3.1 – Garantir que todas as Farmácias, de forma permanente, assegurem a dispensa de todos os meios e métodos contraceptivos previstos na legislação em vigor. 3.2 – Promover a efectiva articulação entre os Centros de Atendimento a Jovens, os Centros de Saúde e os Hospitais da área de referência, bem como com as Unidades Móveis de Saúde, com o objectivo de alargar a efectiva cobertura de consultas de planeamento familiar e saúde materna a um grupo particularmente vulnerável como são os adolescentes e jovens; 3.3 – - Reforçar as condições de acesso aos meios e métodos contraceptivos de forma a prevenir e evitar a gravidez indesejada e/ou inesperada, especialmente em grupos particularmente vulneráveis, devido a exclusão social, carência económica ou dificuldades de acesso à Rede de Saúde Pública. 3.4 – Reduzir os tempos de espera das cirurgias de laqueação e vasectomias. 4 – Na área da interrupção voluntária da gravidez: 4.1 – Garantir através de orientações precisas aos Hospitais do SNS o integral e atempado cumprimento da Lei da Interrupção Voluntária da Gravidez, garantindo às mulheres, em situação que preencha as condições legais, a interrupção voluntária. 4.2 – Em caso de impossibilidade, o Hospital deve garantir o imediato acesso a outro estabelecimento público ou privado, suportando o SNS os respectivos encargos. 4.3 – Apresentar um relatório anual na Assembleia da República sobre o grau de cumprimento da Lei da Interrupção Voluntária da Gravidez. Palácio S. Bento


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