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Próximas eleições devem ser um laboratório político do bem comum

D. António Marto
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Homilia do Bispo de Viseu no Dia Mundial da Paz

A paz e a coragem do bem 1. A Bênção da Paz Hoje, 1 de Janeiro, inicia o ano civil de 2005. Segundo um belo costume, dirigimos uns aos outros os melhores votos e as mais vivas saudações que brotam do fundo do coração. Também nós, aqui reunidos, queremos saudar na fé e com alegria o novo ano: Nós te saudamos, Ano Novo, no coração do Mistério da Incarnação, no qual adoramos o Filho de Deus, que se fez homem por nós e para nós; Saúdamos-te como Ano da Graça de 2005, no limiar dos teus dias, das tuas semanas e dos teus meses; Saúda-te a Igreja do Verbo Incarnado no meio da grande família das nações e dos povos; Saúda-te a Igreja, pronunciando sobre ti a bênção do Deus da Aliança: “Que o Senhor te abençoe e te guarde! Que o Senhor faça brilhar sobre ti o Seu rosto sorridente e te dê a Sua graça! Que o Senhor dirija para ti o olhar do Seu rosto e te dê a paz!” Nesta bênção, por duas vezes é evocado o rosto de Deus voltado para o homem e o esplendor daquele rosto. Da contemplação do rosto de Deus nascem alegria, segurança e paz. O sorriso e a luz do rosto de Deus brilham para nós em Jesus Cristo e transformam-se em paz no coração de quem O acolhe. No Evangelho de hoje, por sua vez, somos convidados a contemplar os pastores que vão à gruta receber a paz anunciada pelos anjos aos homens amados por Deus; e a contemplar Maria, Mãe de Jesus, que “guardava todos estes factos meditando-os no seu coração”. E, por fim, ressoa o nome que está acima de qualquer outro nome – o Nome de Jesus. Assim, com a bênção de Deus que nos concede a paz e com a invocação de Jesus, Senhor da paz, começamos o novo ano. Como Maria que medita os acontecimentos, procurando ler o sentido divino da história que eles encerram, também nós sentimos a necessidade de ler o sentido de quanto acontece hoje no nosso mundo, com um coração que se enche da paz do Senhor. 2. A Paz e a confiança e a coragem do Bem Segundo uma tradição iniciada por Paulo VI em 1968, o Santo Padre João Paulo II convida-nos a celebrar neste dia a Jornada Mundial da Paz. Para isso, enviou-nos uma mensagem propondo como tema de reflexão um versículo da carta de S. Paulo aos Romanos: “Não te deixes vencer pelo mal; vence antes o mal com o bem”(12,21). É uma mensagem de premente actualidade. Coloca o tema da paz dentro duma articulada reflexão sobre o bem e o mal. Perante os terríveis cenários da presença do mal no mundo e a sua dramática influência na vida dos homens e dos povos, que em cada dia nos são oferecidos em espectáculo, poderíamos ceder à tentação de cair na atitude fatalista do desânimo, da impotência, da resignação ou da vingança e da retaliação. A mensagem do Papa quer provocar uma reacção pela positiva, despertar as consciências para a confiança no Bem, para a coragem do Bem, para a responsabilidade pela difusão do Bem. “A paz é o resultado de uma longa e árdua batalha vencida quando o mal é derrotado pelo bem”. Por isso, “a única opção verdadeiramente construtiva é fugir do mal com horror e aderir ao bem”(Rom 12,9). Neste contexto, a paz é definida como um “bem a promover com o bem: ela é um bem para as pessoas, para as famílias, para as nações da terra e para a humanidade inteira; é contudo um bem a guardar e a cultivar com opções e obras de bem”. Em concreto, esta coragem do bem, para fazer face às múltiplas manifestações sociais e políticas do mal, exige três opções de fundo: - reavivar a lógica do amor cristão como coração palpitante do bem moral: “Visto nas suas consequências mais profundas, o mal é, em última análise, uma fuga trágica às exigências do amor. O bem moral, pelo contrário, nasce do amor, manifesta-se como amor e é orientado ao amor”(n.2). “Quando o bem vence o mal, reina o amor; e onde reina o amor, reina a paz”(n.12); - a referência ao património comum de valores morais universais que, no dizer do Papa, constituem a “gramática da lei moral universal”, a única capaz de unir os homens entre si apesar da diversidade das culturas; - uma grande obra educativa das consciências capaz de abrir a todas as pessoas os vastos horizontes de um humanismo integral e solidário. De facto, o verdadeiro drama, hoje, é o esvaziamento das consciências ( a perda do discernimento do bem e do mal) e o relativismo ético (tudo vale o mesmo), como verdadeiro cancro de uma sociedade e do agir social e político dentro dela. 3. Paz para Portugal: “pensar em grande” o Bem Comum do país A responsabilidade pelo bem e pela sua difusão alarga-se ainda à perspectiva do bem comum e às suas dimensões sociais e políticas. “Quando se cultiva o bem comum, cultiva-se a paz”: esta é a afirmação de fundo da reflexão papal ao propor o bem comum como um bem que “sendo de todos e de cada um, é e permanece comum, porque indivísivel e porque só em conjunto é possível alcançá-lo, aumentá-lo e conservá-lo, mesmo em vista do futuro”(CDS n.164). A difusão da cultura individualista pós-moderna, uma mentalidade corporativista e uma visão economicista do mercado global sem regras éticas têm provocado a carência de “pensar em grande” o bem comum e de “organizar a esperança”, que caracteriza a vida pública entre nós. E, no entanto, aderir ao bem comum começa pelas atitudes mais simples e fundamentais. Fazer bem o próprio dever, ser honesto em todas as acções, atender com respeito e generosidade sobretudo os mais frágeis e necessitados, são regras elementares sem as quais a convivência humana se torna numa jungla insuportável, onde reina a lei do mais forte ou do mais esperto. Será uma utopia que cada um realize com seriedade e empenho o próprio trabalho porque só assim se constrói o bem de todos? Não poderia a próxima competição eleitoral que se avizinha, constituir uma espécie de “laboratório político” em que o bem comum seja posto, por todos e cada um, antes e acima dos interesses de parte? Será utópico pensar que os nossos políticos, acolhendo esta mensagem da paz de João Paulo II, “fujam do mal com horror e adiram ao bem”? Não poderia este convite tornar-se num princípio inspirador e guia na próxima competição eleitoral? Concretizando, poderíamos traduzi-lo em forma de decálogo: Tu, candidato ao serviço da coisa pública, foge do mal com horror (a desonestidade, a mentira, a demagogia...); adere ao bem (àquilo que Deus te pede em consciência para realizar, à verdade...); ama os adversários com respeito fraterno (não desacreditar o adversário só para dar boa imagem de ti); compete com eles na dignidade e na elevação da disputa; sê testemunho credível de esperança (não prometendo o impossível); sê forte na tribulação; atento às necessidades dos irmãos ao serviço dos quais escolheste colocar-te; solícito na hospitalidade( para com o pobre, o emigrado...); competente e rigoroso na análise no estudo e na busca de solução dos problemas; ama mais o bem comum que o próprio ou do partido. No início do novo ano seja-nos permitido sonhar uma existência nova, um país com mais respiração capaz de “pensar em grande o seu futuro, uma maior atenção a quem está ao nosso lado, uma maior confiança nas instituições, mais paz entre os representantes das instituições, menos egoísmos privados e de grupos, o surgir de perspectivas nacionais, europeias e mundiais capazes de justificar os sacrifícios que fazemos e que, de algum modo, são inevitáveis. Seja-nos permitido sonhar ainda o surgir de vocações sociais e políticas da tempera dos pais fundadores da Comunidade Europeia (J. Monnet, A. De Gasperi, K. Adenauer, R. Schuman), capazes de rasgar novos horizontes de esperança e de paz para os novos tempos que vivemos. Com esta esperança, formulo os melhores votos de Feliz Ano a todos os fiéis presentes, à cidade e a todos os queridos diocesanos, com as mais abundantes bênçãos do Senhor! 1 de Janeiro de 2005 António Marto, Bispo de Viseu


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