1. Na caminhada quotidiana da vida cristã, o tempo da Quaresma destaca-se como momento privilegiado de conversão. Conversão no sentido preciso da palavra, que está expresso na própria terminologia: “voltar-se para “. Neste caso, voltar-se mais empenhadamente para Deus abrangendo no mesmo olhar todos os homens, irmãos nossos porque filhos do mesmo Pai que está nos céus.
A linha vertical do amor a Deus cruza-se com a linha horizontal do amor ao próximo. O amor a Deus leva à caridade fraterna e esta revela a autenticidade daquele.
2. A Quaresma é assim ocasião oportuna de intensificação de três práticas de vida cristã intimamente relacionadas entre si no processo contínuo de conversão: a oração, a penitência (tanto nas formas tradicionais de jejum e abstinência como noutros meios de ascese pessoal ou de serviço ao próximo) e a esmola ou partilha de bens.
Como escreveu S. Pedro Crisólogo, bispo de Ravena, no século IV, “o jejum é a alma da oração e a misericórdia é a vida do jejum... Quem jejua entenda bem o que é o jejum: seja sensível à fome dos outros se quer que Deus seja sensível à sua... Muito mal suplica quem nega aos outros [a misericórdia] que pede para si”.
A ascese pessoal não é fim a atingir por si mesmo, mas meio de aprofundar a união com Deus e de enriquecer a partilha com o próximo. Por seu lado, a caridade fraterna será tanto mais generosa quanto melhor apreciarmos o próximo à luz do amor misericordioso de Deus.
3. Na sua primeira mensagem de Quaresma, Bento XVI sublinha esta articulação. Tomando como lema a afirmação evangélica “Jesus, ao ver as multidões, encheu-se de compaixão por elas” (Mt 9, 36), o Santo Padre anota que “também hoje o “olhar” compassivo de Cristo pousa incessantemente sobre os homens e os povos”. Nessa perspectiva, acrescenta, “é necessário que o nosso “olhar” sobre o homem seja idêntico ao de Cristo”. Assim sendo, conclui, “a primeira contribuição que a Igreja oferece para o desenvolvimento do homem e dos povos não se consubstancia em meios materiais nem em soluções técnicas, mas no anúncio da verdade de Cristo, que educa as consciências e ensina a autêntica dignidade da pessoa e do trabalho, promovendo a formação de uma cultura que corresponda verdadeiramente a todas as exigências do homem”.
4. A Renúncia Quaresmal, hoje praticada em todas as Dioceses do nosso País, é uma modalidade peculiar de partilha. Consiste em ofertas monetárias específicas ou na abstenção de tabaco, bebidas, espectáculos, etc. destinando a finalidades eclesiais ou socio-caritativas o que se gastaria na satisfação desses pequenos prazeres da vida quotidiana.
A Renúncia Quaresmal reveste assim uma função não apenas ascética, mas também caritativa, e constituiu ao mesmo tempo um elemento estimulante de educação de crianças e adolescentes, os quais desde tenra idade se habituam a pensar e a sentir as necessidades e privações dos outros e em particular os da sua idade.
Na nossa Diocese a Renúncia Quaresmal tem sido orientada, desde 2002, para duas finalidades: uma de âmbito diocesano e a segunda, como sinal de comunhão com outras Igrejas, para necessidades eclesiais, culturais ou sociais fora da Diocese. Não nos podemos fechar sobre nós próprios. A Igreja é uma família universal.
No conjunto da Diocese o peditório da Renúncia de 2005 atingiu € 14 278,60 (catorze mil duzentos e setenta e oito Euros e sessenta cêntimos). Este quantitativo foi canalizado, em partes iguais, para as obras da Catedral de Bragança e para o Fundo de Solidariedade Eclesial da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP). Com este Fundo a nossa Conferência Episcopal atende as solicitações que lhe chegam de outras Igrejas particularmente dos países lusófonos.
A Renúncia Quaresmal deste ano terá igualmente dois destinos principais: as futuras obras de reabilitação completa da ala norte do Seminário de S. José de Bragança e, fora da Diocese, a construção da Escola de Santa Clara na cidade de Kuito, em Angola, um projecto missionário da Congregação das Servas Franciscanas Reparadoras de Jesus Sacramentado. Além disso e dando cumprimento a uma deliberação tomada pela CEP em Novembro de 2004 em relação a todas as Dioceses, 5% do montante recolhido irá para o supramencionado Fundo de Solidariedade Eclesial.
O edifício do Seminário vai perfazer 75 anos em 2007 e necessita de intervenção urgente e profunda. Esperamos iniciar as obras ainda este ano. Confio na colaboração generosa de todos os fiéis para esta obra tão relevante para o presente e o futuro da Diocese. Por sua vez, a participação no projecto das Irmãs Franciscanas Reparadoras oferecerá à Diocese oportunidade de dar cumprimento ao dever missionário de todas as comunidades cristãs.
Os contributos da Renúncia Quaresmal serão entregues nos ofertórios das Eucaristias e Celebrações da Palavra do Domingo de Ramos (dia 9 de Abril) ou noutro domingo ou sábado mais indicado, a juízo dos Párocos.
D. António Montes Moreira, Bispo de Bragança-Miranda