Mensagem da Quaresma de D. Januário Torgal Ferreira
1- Em consonância com tempos de grande preocupação, o Papa João Paulo II apela-nos, no início desta Quaresma, a uma atitude prática: “Quem acolhe em meu nome uma criança como esta, acolhe-me a mim(Mt18, 5)”.
Em muitos sectores, a palavra acolher é uma senha de sociedades de integração, traduzindo a atenção junto de quem busca um espaço pátrio, ao facultar-lhe o respeito de um trabalho profissional, a justiça de condições de vida e a igualdade de condições de segurança e estabilidade sociais. É o culto pela igualdade digna de toda e qualquer pessoa e a solicitude pelas diferenças de qualquer raça, cultura ou suas condições, que caracterizam os gestos da hospitalidade fraterna. O acolhimento é um comportamento activo: diante dos que não têm trabalho, nem casa, nem cuidados de saúde, nem paz, nem tranquilidade, abre-se o coração e a inteligência de pessoas e de instituições. Em vez de portas cerradas, há portas abertas. Em lugar de imposições, há compreensão pelas formas diferentes de ser. Contrariamente a palavras de circunstâncias, há atitudes. Em recusa da perversão e da desordem, impõe-se a defesa de todos, sobretudo dos mais inseguros.
Receber em sua casa quem não tem casa, é mudar o mundo.
De acordo com o Evangelho, acolher uma criança, em nome do Senhor Jesus, é assumir os Seus mesmos critérios de comportamento: a denúncia da corrupção e do escândalo; o Seu jeito paternal; a Sua naturalidade sociável, a Sua responsabilidade amorosa, a Sua proximidade e conhecimento do que há de mais escondido na existência infantil.
Aceitar a criança na sua pobreza, reabilitá-la das suas prisões, curá-la de todo o mal estar, promovê-la no crescimento integral, apoiá-la na relação com os outros, acompanhá-la na descoberta da vida e do mundo, dar-lhe tempo e recursos materiais e espirituais, criar-lhe condições de aprendizagem e de saber, ensinar-lhe uma linguagem diferente da que lhe ensina um certo mundo e um certo meio, é, a par de tantas outras responsabilidades, torná-la membro activo e fraterno da cidade dos homens, sob a luz de Jesus Cristo que, com a criança, se identifica.
Também a criança nos evoca um conjunto de qualidades e de sentimentos, fundamentais para a descoberta dos grandes valores, dos quais o maior é o sentido de Deus: a simplicidade, a candura, a bondade, a confiança, a rectidão a espontaneidade...
O crime maior de uma sociedade é impedir que cresçam e desabrochem aquelas e aqueles que, enquanto crianças, representam o projecto de um futuro muito mais humano e cristão do país onde viram a luz. Esta responsabilidade pelo futuro é o convite à forma mais corajosa do seu acolhimento.
2- Deus pede-nos a mudança do coração, em mais uma Quaresma. É a partir de dentro que os nossos hábitos e acções devem ser transformados. Poderíamos, e deveríamos todos, encontrar pontos concretos deste programa. Enumeremos apenas alguns, a partir destas interrogações:
· Não será possível, a começar pela vida da família, dedicarmos muito mais tempo às crianças?
· Não deveríamos esforçar-nos por dar importância às crianças, ouvindo-as e tentando descobri-las nos seus mistérios?
Não esperarão de nós, as crianças, uma outra seriedade de vida, que as ajude a recuperar de choques e brutalidades do nosso mundo (violência, sofrimentos, mortes, explorações de toda a sorte, etc, etc)?
· Acham que às crianças se oferecem os valores de uma conduta feliz, ou, ao contrário, as raízes da tristeza e da rejeição dos outros?
· Não poderíamos aprender com as crianças a alegria de dar?
· De que forma acompanhamos o seu crescimento intelectual e espiritual? Como é que lhes falamos do Amor de Deus? Como e quando rezamos com elas?
Por que não exigir de nós o que exigimos como dever aos mais pequenos?
3- Deixo as restantes e infindáveis perguntas a quem meditar esta Mensagem. E termino com um apelo: que a nossa generosidade ajude crianças que sofrem.
Destinamos a partilha da renúncia desta Quaresma ao orfanato das Irmãs de S. José de Cluny, em Tete (Moçambique), sendo mediadora desta acção a Fundação Evangelização e Culturas, da Conferência Episcopal Portuguesa.
Lisboa, 16 de Fevereiro de 2004
D. Januário Torgal Mendes Ferreira
Bispo das Forças Armadas e de Segurança