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Quem se compadece partilha

D. José Alves
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Mensagem Quaresmal 2006 do Bispo de Portalegre-Castelo Branco

No contexto do Ano Litúrgico, a Quaresma ocupa um lugar de relevo. Ela antecede e prepara a maior de todas as solenidades da liturgia cristã – a Solenidade da Páscoa. Evoca a longa experiência do Povo de Israel através do deserto, a caminho da perra prometida. E, na primeira semana, recorda a permanência de Jesus no deserto, onde foi tentado pelo diabo, antes de iniciar a sua vida pública. Colocando a Quaresma neste contexto, a Igreja quer dizer-nos que ela é um tempo propício para a purificação interior e para cada um dar passos significativos no caminho do aperfeiçoamento pessoal, fazendo da sua vida uma autêntica peregrinação interior, que o introduza na intimidade com Deus e o aproxime, espiritualmente, dos outros seres humanos. Em ordem a orientar o peregrinar quaresmal de cada um de nós, o Papa Bento XVI convida-nos a reflectir sobre frase que S. Mateus no deixou no Evangelho: Jesus, ao ver as multidões, encheu-se de compaixão por elas (9,36). Façamos, pois, uma curta reflexão em três pontos. A purificação do olhar A primeira reflexão que essa frase nos sugere é que todos nós temos necessidade de purificar o nosso olhar. Com efeito, as realidades que nos circundam são vistas e apreciadas de formas tão diferentes que facilmente nos damos conta da carga de subjectividade, de preconceito, de ideologia ou mesmo de manipulação que afecta a visão dos problemas que por vezes nos é apresentada. Não é fácil uma visão objectiva e coerente da realidade. Quantas vezes se fala de inclusão e se pratica a exclusão, se apregoa a igualdade e se promove a desigualdade. Por vezes, com a mesma veemência e intensidade condena-se hoje o que se promove no dia seguinte. Não raro, o olhar sobre a vida e os acontecimentos é selectivo, inconsistente e preconceituoso. Não era assim olhar de Jesus. Ele é-nos apresentado no Evangelho como Aquele que vai ao encontro de todas as situações humanas, sem preconceitos nem excepções. Não desvia o olhar da pobreza, nem da doença, nem do pecado. O seu olhar límpido e penetrante atinge o exterior e o interior. Tudo vê, tudo observa de forma directa e objectiva. A nada fica indiferente. Ele é um conhecedor profundo da realidade humana. A Quaresma deverá ser para todos nós tempo propício para purificarmos o nosso olhar, a avaliação das realidades que nos circundam. Sem preconceitos, sem exclusões e sem fanatismos. A curiosidade permanente, a observação sistemática, o equilíbrio ponderado, a objectividade rigorosa e o bom senso da sabedoria devem ser as motivações que orientam o nosso olhar. Compaixão do coração A evolução da ciência ficou a dever-se, em boa parte, ao chamado conhecimento científico, objectivo e controlado. A importância dessa forma de conhecimento não é igual em todos os ramos do saber. Quando se trata do conhecimento da pessoa humana, não basta usar o rigor e a frieza dos dados científicos. Ao conhecimento da razão tem que se juntar o calor da emoção e do afecto, a empatia da compaixão e do coração. Era assim o conhecimento de Cristo. O conhecimento das fragilidades humanas, das doenças, da pobreza e do pecado das pessoas que se aproximavam suscitava nEle a compaixão. O coração sensível de Jesus compadecia-se e, por isso, actuava em favor dos que precisavam, mesmo quando isso implicava o compromisso da própria vida. A purificação e a conversão a que a Igreja nos chama durante esta Quaresma implica que ao conhecimento da realidade juntemos a compaixão do coração, sentimento que será mais fácil de suscitar se fizermos o exercício de mentalmente nos colocarmos no lugar dos que estão em dificuldade. Nós que fomos poupados às dificuldades que os outros experimentam temos obrigação de os ajudar a ultrapassar essas situações difíceis. Acção consequente O conhecimento da realidade que existe à nossa volta, acompanhada pela compaixão do coração devem suscitar em cada um o desejo e a determinação para actuar. Não podemos limitar-nos a conhecer nem devemos dar-nos por satisfeitos com lamentações estéreis. É próprio do cristão intervir na sociedade para a transformar. E mais uma vez o Papa Bento XVI nos incita a fazê-lo: só se contribui para um mundo melhor, fazendo o bem agora e pessoalmente, com paixão e em todo o lado onde for possível, independentemente de estratégias e programas de partido. O programa do cristão – o programa do bom samaritano, o programa de Jesus – é «um coração que vê» (DCE,31) A Quaresma poderá ser tempo de purificação, de peregrinação interior e de exercício efectivo da caridade que nasce de Deus e se concretiza na relação com os seres humanos, nossos irmãos, se praticarmos a oração, o jejum e a esmola, os três meios clássicos que a Igreja nos propõe como via de ascese e conversão do coração. Este ano a proposta diocesana de renúncia quaresmal, correspondendo às múltiplas sugestões que nos foram feitas, retoma o tema do ano passado – o projecto A VIDA NASCE - tão bem acolhido pela população de todo o país que, em correspondência à campanha da Rádio Renascença, generosamente quis contribuir para a construção do edifício onde vai ficar instalado o Centro de Acolhimento Temporário de adolescentes grávidas e mães solteiras sem apoio familiar. A construção do edifício está em bom andamento e esperamos que esteja pronta até ao fim do ano. A partir de agora, voltamo-nos para a etapa que se segue – o início de actividade e a sustentação da instituição. A aprovação do projecto e o início das obras são resultado de muito esforço, de muita generosidade e de muita persistência. O funcionamento da instituição vai exigir ainda muito mais, todos o sabemos. Mas estamos confiantes e apelamos mais uma vez à generosidade de quantos se considerem promotores da vida humana e acreditem no nosso projecto. Se têm um coração capaz de se compadecer, transformem a sua compaixão em partilha com quem se encontra em dificuldade e ajudem a vida a nascer. Portalegre, 20 de Fevereiro de 2006, Festa dos Beatos Francisco e Jacinta +José, Bispo de Portalegre-Castelo Branco

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