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Repensar a Pastoral nos tempos de Bento XVI

D. Teodoro de Faria
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A renovação será ineficaz se se concentrar somente ao nível de restruturação jurídico administrativa, defende o Bispo do Funchal

A renovação será ineficaz se se concentrar somente ao nível de restruturação jurídico administrativa que empenha neste momento diversos países europeus. A conversão, de que a Igreja necessita, tem de atingir diversos níveis: o pessoal, o da comunidade dos crentes e, por fim, o da Igreja principalmente diocesana. 1. Poucos dias antes da morte do Papa João Paulo II, o conhecido jornal italiano «Corriere della Sera», publicou um artigo do teólogo suíço-alemão Hans Küng com um ataque duríssimo ao Papa desejando o seu rápido desaparecimento. O conhecido jornalista e escritor católico Vittorio Messori, respondeu ao professor alemão a pedido do mesmo jornal, do qual é jornalista. Messori, entre os vários argumentos contra Hans Küng, que no seu artigo escrito há vários anos atrás, só agora permitiu publicação, mostra como o racismo, que sempre esteve infiltrado na cultura alemã contra a Polónia, via neste país uma terra de escravos preguiçosos e charlatães da qual não podia vir um Papa. E se viesse como veio? Nesse caso tinha de ser execrado porque não era «moderno», mas «filho de uma Igreja arcaica» e, como se verificou, não admitiu padres casados, nem mulheres sacerdotisas, nem venerou os homossexuais, não aceitou o aborto etc. etc. Um teólogo protestante respondeu ao Dr. Hans Küng dizendo-lhe que os protestantes já tinham tudo o que ele pedia, e até há muito tempo, mas tinham as igrejas muito mais vazias do que as dos católicos... As alternativas propostas pelo noto teólogo, não deram até agora o resultado esperado, nem se opuseram à vaga secularizante que, infelizmente, está a avassalar os países mais ricos da Europa central, incluindo a poderosa Alemanha. Estratégias Pastorais em dioceses alemãs 2 – Num encontro promovido pela Faculdade de Teologia da Itália do Norte, sobre a pastoral paroquial, entre os intervenientes esteve o professor Hubert Windisch da Universidade de Friburgo na Alemanha. A ele foi pedido para colocar em foco a urgência da renovação da pastoral paroquial, devido à queda vertical, quantitativa e qualitativa, do ser cristão e da Igreja, na Europa. A renovação será ineficaz se se concentrar somente ao nível de restruturação jurídico administrativa que empenha neste momento diversos países europeus. A conversão, de que a Igreja necessita, tem de atingir diversos níveis: o pessoal, o da comunidade dos crentes e, por fim, o da Igreja principalmente diocesana. Dentro das estratégias pastorais, a diocese de Besançon, em França, tomou a decisão radical de reduzir a 66 unidades pastorais as 760 paróquias, instituindo identidades jurídicas completamente novas. A diocese de Essen, na Alemanha, projectou recompor até ao ano 2009 as actuais 273 paróquias em 30 unidades pastorais. Tudo isto tende à unificação das forças, ao encontro de novos recursos, à individualização de novas formas de participação de todos os crentes, a uma abertura universal e missionária das paróquias, a uma qualidade pastoral capaz de produzir frutos de fé, o que é diferente de ter sucessos. A restruturação técnico-administrativa não corresponde à conversão e originalidade cristã, embora exija um urgente repensamento. O mais importante é saber quem somos, como devemos fazer, qual é a nossa vida missionária. O tempo actual é de conversão ao cristianismo das origens, deve incidir sobre o essencial do tesouro da Igreja e daquilo que lhe é próprio. A «Lumen Gentium» e a «Gaudium et Spes» descrevem a identidade da Igreja – sinal e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano, porque nada há de genuinamente humano que não encontre eco nos discípulos de Jesus Cristo. Ser cristão dentro e não ao lado da Igreja 3 – A linguagem fria dos números, apresentada nas Jornadas de Estudos, fazem reflectir e mostram como as onze contradições apontadas por Hans Küng contra João Paulo II, merecem uma análise a partir do interior da Igreja, e só depois discutir as terapias. Vejamos a radiografia do grande baluarte do catolicismo, a Alemanha, como foi apresentada nas Jornadas. Dos 83 milhões de habitantes da Alemanha unida, pode-se falar hoje de uma divisão em três partes: um terço declara-se católico, um outro terço pertence a confissões protestantes e um terço diz-se sem religião. Além disso conta ainda com cerca de dois milhões de muçulmanos. Olhando mais fundo, resulta que somente 10-12% dos católicos frequentam a eucaristia dominical, enquanto a participação no culto festivo dos evangélicos está reduzida a 1-2%. Nota-se maiores dificuldades nas igrejas protestantes do que nas católicas, embora aquelas não devam afrontar os problemas do celibato dos padres, ordenação de mulheres e o ministério do Papa e das Congregações romanas. Nas escolas maternas de Friburgo, 56% dos inscritos não são baptizados, contando-se outras cidades mais fortemente secularizadas como Hamburgo ou Berlim. O número dos que se afirmam «sem confissão», ou seja sem religião, está a aproximar-se do nível dos 50%. Não admira portanto que um terço dos católicos alemães não acredite na ressurreição de Cristo! Uma sondagem da opinião pública sobre a apreciação das instituições públicas coloca as igrejas após as organizações sindicais e os partidos políticos! Salvam-se desta tormenta as instituições caritativas das igrejas como a Caritas e a Diaconia, vistas porém, como agências fornecedoras de serviços. Começa a sentir-se uma falta de recursos financeiros nas igrejas que põem em causa a manutenção dos edifícios e estipêndios dos numerosos «operadores pastorais». Tanto no interior como no exterior, as igrejas da Alemanha interrogam-se sobre a sua capacidade de renovação e novas formas missionárias. Na Polónia, pelo contrário, mesmo após a queda do muro de Berlim e entrada na Europa, as igrejas continuam repletas de fieis e as vocações sacerdotais e religiosas não só não diminuíram como até aumentaram nalgumas dioceses. No dizer dos bispos de Basileia e Mainz, os cristãos, como no tempo de São Pedro, sentem-se «estrangeiros e peregrinos», vivendo num tempo de peregrinação dentro das suas próprias cidades. Esta, de facto, será uma das grandes preocupações para o novo Papa, Bento XVI que, sendo alemão e conhecendo bem o seu país, afirmou como Cardeal que para a interpretação válida da existência humana, necessita-se de uma formação fundamental nas questões da fé. É perante o Ocidente pós-moderno, onde nada é absoluto e definitivo, que agora leva a marca da superficialidade e da busca da satisfação do desejo como verdade, que o novo Papa apontará para a solidez e clareza da doutrina cristã. Nós que estamos geograficamente afastados do centro da Europa, sabemos que as tempestades nórdicas não demoram a descer às zonas ribeirinhas do Mediterrâneo e do Atlântico! Funchal, 15 de Maio de 2005, D. Teodoro de Faria, Bispo do Funchal


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