Documentos

Salve Bento XVI

D. Joaquim Gonçalves
...

"Não sou profeta nem fui eleitor, mas não estou surpreendido com a eleição do nosso Papa" - sublinha o bispo de Vila Real

Desde a tarde de terça feira, dia dezanove, temos Papa, o antigo cardeal José Ratzinger, eleito à quarta votação e que escolheu o nome de Bento XVI. Não sou profeta nem fui eleitor, mas não estou surpreendido com a eleição do nosso Papa. De resto, a rapidez com que foi eleito e por um colégio cardinalício pertencente na quase totalidade a uma geração mais nova , revela a capacidade que lhe foi reconhecida. É aquele que em 1981 fora escolhido por João Paulo II para presidir á Congregação da Doutrina da Fé, e cujo trabalho João Paulo II muitas vezes agradecera com sinais visíveis de afecto. Exerceu até aqui o ministério de «Defensor e Promotor da Fé Católica», trabalho diferente do antigo inquisidor, como algumas pessoas são tentadas a repetir. De qualquer modo, era essa a sua missão, missão difícil mas essencial, pois a fé da Igreja não é um mero sentimento religioso. Agora é o Pastor Universal , a quem incumbe promover a unidade e santidade interna da Igreja, manter o diálogo ecuménico com as outras confissões cristãs, e com as religiões não cristãs, responder pastoralmente ao crescimento da descrença na Europa, ao avanço da gnose e do sincretismo religioso, do relativismo e subjectivismo culturais . Todos estes problemas eram já visíveis e foram denunciados no pontificado de João Paulo II e constituíram as suas grandes dores de cabeça . Uma certa comunicação social tende a ignorar estes problemas ou a pensar que o Papa tudo pode alterar.. São problemas da cultura e as respostas que o Papa lhes vier a dar nascerão do mesmo tesouro da fé da Igreja. É saudável que no início deste agitado milénio governe a Igreja um Papa familiarizado com essa problemática e que traz consigo um sentimento de segurança doutrinária, psicológica e de piedade Para todo tipo de diálogo cultural é essencial conhecer o terreno sobre que se fala. Não tenhamos medo. A homilia na abertura do Conclave na segunda feira testemunha que o Papa é um homem que conhece o mundo de hoje, e a homilia nas exéquias de João Paulo II revela que o nosso Papa é um homem de coração e de sentido pastoral. Os seus livros estão traduzidos em português e a eleição deste Papa pode constituir um estímulo para a sua leitura. Lembro-me de alguns mais acessíveis, desde a «Introdução ao Cristinianismo», «Introdução ao Espírito da Liturgia», «Diálogo sobre a Fé» e vários estudos sobre a Europa. É um prazer ler agora estes textos, sentir a segurança intelectual, a sequência cultural, a beleza e o rigor da análise do nosso tempo. Quem lidou de perto com o cardeal Ratzinger acrescentará a esse prazer mental a experiência de uma sensibilidade viva, de grandes recursos estéticos, de simplicidade de maneiras e de vida. O mundo mais dado a sentir que a reflectir, mais aberto aos gestos ruidosos que aos conteúdos, mais atento ao espectáculo que ao discurso, irá ter como pastor um homem que fala de Jesus como o Verbo, o Mestre, a Palavra. Num tempo de pensamento frágil, de sentimentos desconexos, vai deslizar pela Praça de S. Pedro um rio caudaloso de fé e de doutrina, de amor à Igreja e ao mundo, de segurança doutrinária e de reflexão, de respeito pela razão e pela fé . Se quisermos fazer um paralelo pessoal com o seu antecessor, diremos que em João Paulo II se conjugavam a instituição e o carisma, a fidelidade à Igreja e o brilho pessoal no exercício do seu governo; no novo Papa mantém-se a fidelidade à instituição e altera-se o carisma da pessoa, o que, para um mundo dominado pelos critérios da comunicação social, fundamentalmente o espectáculo , é um empobrecimento. Um novo estilo notou-se logo na saudação à multidão na Praça de S. Pedro , no tom de voz e nos gestos , mais contidos que em João Paulo II , próprios de um homem de reflexão, nas palavras proferidas ditadas mais pela lógica da missão que pelos dinamismos de multidões. Isso, porém, longe de o diminuir, faz avultar a sua humildade em aceitar o ministério a seguir a João Paulo II, pois sabia que , com os seus 78 anos, iria ser comparado com o seu antecessor que iniciara o pontificado aos 58 em plena juventude adulta. Foi humilde e corajoso. Os seis Pontífices Romanos que conheci (desde Pio XII) parecerem sempre distanciar-se do brilho do anterior, mas, passadas as primeiras horas , vê-se logo que são reflectores do mesmo sol. Os nossos olhos é que tiveram de se adaptar à lâmpada. Afastemos de nós os critérios do mundo, a tentação de olhar para o Papa com os esquemas políticos. Lembremo-nos dos discípulos de Emaús cujas fantasias e preconceitos sobre o Messias os impediam de reconhecer o Senhor Ressuscitado: « nós esperávamos que», «nós sonhámos que», e que mereceram do Senhor a advertência de homens sem compreensão. O nome escolhido pode levar-nos a Bento XV que governou a Igreja de 1914 a 1922 , o Papa da Paz, da reorganização canónica e litúrgica da Igreja, da preocupação pelas Igrejas do Oriente, do diálogo com os anglicanos e da misericórdia durante a I Grande Guerra; e pode evocar S. Bento, o Padroeiro da Europa, o mundo da cultura e da civilização daquele tempo. A nós, católicos , pede-se que rezemos pelo Papa e pelo mundo, dando graças a Deus e implorando a sua bênção. D. Joaquim Gonçalves, Bispo de Vila Real


Bento XVI