Documentos

«Seminário, Sementeira da Palavra»

D. Jorge Ortiga
...

Intervenção de D. Jorge Ortiga na abertura dos seminários da Arquidiocese de Braga

A abertura dos Seminários deve revestir-se dum significado capaz de concentrar no essencial quantos estão comprometidos nesta realidade eclesial. O Seminário coincide com a Arquidiocese e pertence a todos os cristãos. Só que, imediatamente, responsabiliza um grupo particular que o realiza quotidianamente. Como todos as instâncias eclesiais, necessita de caminhar colocando-se perante referências que interpelam e desafiam. Partindo dum pressuposto que o fundamental reside no encontro com Cristo para O poder anunciar e comunicar ao mundo, neste contexto repleto de complexidades e enigmas, é imperioso que cada um O aceite como experiência de Deus que alguns antepassados podem ajudar a compreender em que consiste e o que exige. Daí que, neste ano, não poderemos esquecer a figura de S. Paulo, como Ano Paulino que estamos a viver e como padroeiro do Seminário que irá comemorar, em 2010, os seus 450 anos de existência. Parece-me que a experiência de Paulo, naquilo que significou o encontro com Cristo, se encontra na carta aos Filipenses. “Por causa de Cristo tudo o que eu considerava como lucro, agora considero-o com perda… diante do bem superior que é o conhecimento do meu Senhor Jesus Cristo. Por causa d’Ele perdi tudo e considero tudo como lixo, a fim de ganhar Cristo e estar com Ele… Não que eu já tenha chegado à perfeição; apenas continuo a correr para o conquistar, porque eu também fui conquistado por Jesus Cristo. Não acho já ter alcançado o prémio, mas uma coisa faço: esqueço-me do que fica para trás e avanço para o que está adiante. Lanço-me em direcção à meta, em vista do prémio do alto, que Deus me chama a receber em Jesus Cristo.” (cf. Fil 3, 7-14) Perante a evidência de que o mundo hodierno necessita de Cristo e que Ele se dá a conhecer por mediadores, é fundamental e imprescindível que vivamos uma obsessão: encontrar-me com Ele numa experiência que secundariza tudo o resto de modo que nenhum preço pareça demasiado alto para O possuir. A entrega de tudo o que se é, mesmo o que parece mais precioso, é evidente e lógica. Para O encontrar tudo perde o brilho que outrora atraia. Quando S. Paulo se encontrou com Cristo, o seu coração ficou seduzido tornando-se uma atracção irresistível. Depois de O encontrar como viver sem Ele e viver para si? Seria apóstolo do amor de Cristo que morre por todos mas isto era demasiado genérico e abstracto. Tinha de proclamar: Ele morreu por mim. Se antes percorria o caminho da lei do seu povo e a tinha colocado no centro do seu coração, agora reconhece que foi mesmo alcançado por Cristo que se colocou à sua frente como indicador permanente da estrada a seguir. A aventura da sua autonomia, tão característica duma formação helénica, evapora-se na sua mente e muda substancialmente para ser para Ele. Começa a usar a linguagem do tudo e do nada. Nada para si, deixar tudo para colocar-se nas mãos dum único Senhor. Esta “obediência da fé”, como resposta humilde, decidida à graça, torna-se pré-requisito capaz de dar profundidade à vocação sacerdotal. Por esta razão, o Seminário deve criar todas as condições para que isso aconteça e os seminaristas necessitam de apostar nesta experiência originária: só deixando tudo se consegue realizar a missão que Cristo confia. Regresso a S. Paulo para encontrar aí o homem que desinstala e cria vontade de entrega e doação. Tudo perde para doar Cristo na vida e, consequentemente, na Palavra. Ao preparar-se para esta mediação da Palavra, recordo-vos, ainda, quanto dizia S. Agostinho: só Cristo é a Palavra, os anunciadores, para o serem, são ou devem ser a Sua voz. Não podemos dizer que o anúncio falte hoje na Igreja. Quantas homilias, sermões, semanas, encontros… Quais os resultados? Onde está a causa da pouca eficácia da Palavra? Creio que nos tornamos senhores da mesma e não queremos ser somente voz. Isto exige que calemos as nossas palavras – sinónimo de projectos, sonhos, vontades – para incarnar unicamente a Palavra oferecendo-lhe a nossa voz. Este exercício de abafar as nossas palavras terá de acontecer sempre e, agora, não podemos adiar. Há quem diga que a sociedade hodierna procura um sentido. Vive-se à deriva. As vozes são muitas. Importa o mais fácil e imediato. Será presunção supor ou esperar que podemos e devemos ser nós a oferecer esta indicação. Não por nós ou por aquilo que somos. Mas por quanto de Palavra vivemos. A incoerência não satisfaz ninguém e o seguir por estradas delineadas por cada um não convence. Quero recordar um pensamento de Lutero. Dizia: “Florente enim verbo Dei omnia florent in Ecclesia”, “Se florescer a Palavra de Deus, tudo floresce na Igreja”. Esta é a grande responsabilidade que nos é confiada e a explicação de muita coisa entrar em crise. Só a Palavra permite que, na Igreja, floresça o que deve florescer de modo que ela seja Sacramento que oferece Salvação, ou seja, sinal eloquente e persuasivo que todos podem contemplar. E isto depende de cada um. Daí que gostaria de parafrasear esse pensamento: “Se florescer a Palavra, tudo floresce no Seminário, na Diocese, na Paróquia, nas famílias… no mundo que tem sede e fome deste mesma Palavra. Percorrer o caminho da vida com S. Paulo é comprometer-se com a Vida para colocar a Palavra no caminho da Igreja e colocar no mundo a revolução do Evangelho. Isto nos espera e para isso urge a Obediência a Deus, feito Palavra que, assumida na íntegra, quer significar a mais bela realização da Vida humana. Obedecer a Deus é entrar numa categoria nova de valores, colher um sentido novo e diferente da realidade criada e humana, penetrar no mistério da Vida, experimentar a mais verdadeira liberdade. “Os Meus projectos não são os vossos projectos e os vossos caminhos não são os Meus caminhos. Tanto quanto o céu está acima da terra, assim os Meus caminhos e os meus projectos estão acima dos vossos projectos.” (Is 55, 8-9) Por onde queremos andar? Vamos dar o salto da exigência para mostrar a verdade da Palavra de Deus? S. Paulo considerou tudo lixo. Deixou-se alcançar. E tu? Seminário de Santiago, 16-11-2008 † Jorge Ortiga, A.P.


Diocese de Braga