Documentos

Somos responsáveis por nós e pela família humana

Diocese do Porto
...

Uma nova proposta legislativa será proximamente referendada, pedindo a cada um de nós uma resposta à questão: é lícito interromper uma gravidez, nas suas primeiras 10 semanas, a pedido exclusivo da mulher-mãe? Aparentemente linear, esta questão envolve vários actores e compromete cada um de nós na resposta que deve ser dada. E quem são os actores envolvidos? Será apenas a mulher, aqui mãe, assim vestida da sua condição mais distintiva, mais acolhedora, mais criadora? Não! Nesta questão, decisiva para a nossa cultura, estão em discussão não só as mães-mulheres, mas os filhos (todos os filhos!), os pais, a sociedade, a democracia, a ciência, a vida humana! A mulher – aqui, mãe, sob a evocação da bandeira da liberdade, é remetida para uma redutora postura de servidão: proprietária do seu corpo e única, por determinação legal, a responder pelo seu filho, torna-se assim mais sujeita a deveres do que sujeito de liberdade. A maternidade é vista pela nova proposta legislativa como um mero determinismo biológico, humilhante da sua autonomia – primeira expressão da sua dignidade de mulher – e não como uma superior realização do acolhimento à Vida, de abertura ao Amor. Aos ombros da mulher é colocada a responsabilidade de responder, solitariamente, a todas as questões envolvidas numa gravidez: as que lhe dizem respeito, as inerentes ao filho, as que respeitam aos pais, as que emergem da sociedade, …, expondo-a agora a todas as formas possíveis de aviltante pressão social. Não será a mulher-mãe, vítima da pressão de uma engrenagem socio-económica que lhe é efectivamente alheia? Não se estará a transferir para as suas entranhas um conflito que lhe é estranho, remetendo-a sem apelo para a condição de “o elo mais fraco”? O filho – não é propriedade dos pais, nem aqui no seu início biológico. Constitui uma absoluta originalidade genética. É uma nova vida humana, radical novidade, nova e irrepetível identidade, que transporta consigo um olhar singular jamais clonável. Não será o filho, nesta proposta legislativa que se quer referendar, ofendido na sua dignidade, ignorado na sua afectividade, aniquilado na sua sociabilidade, abusado na sua vulnerabilidade? Não será imperativo fomentar uma cultura solidária que manifeste, de forma clara e comovedora, o amor humano, afirmando-lhe “é bom que tu existas!”, exactamente enquanto um “tu” que, absolutamente distinto, me preenche absolutamente? Os pais – completamente marginalizado em todo este articulado legislativo, o pai não é! Deixa de ser alguém para ter sido algo que semeou: Se não tem direitos, fica dispensado de deveres nesta “proposta democrática”. Não existe vínculo genético, afectivo, social que exija co-participação no que se relaciona com o também seu filho? Porque se há-de exigir paternidade nominal aquando do nascimento, e conceder isenção de paternidade neste tempo luminoso da vida intra-uterina? A sociedade – no nosso tempo, afirma-se unanimemente e de forma inequívoca, a urgência na protecção aos mais vulneráveis, aos mais desprotegidos, aos mais frágeis. As propostas de inclusão pululam nas agendas políticas. É justo, oportuno, humano, democrático, propor a exclusão de humanos do tecido humano a que pertencem? As mulheres geram ovos? Engravidam de embriões? Ou são nichos de amor humano, que acolhem em si exclusivamente vida humana? A responsabilidade social é eminentemente ética, obrigando-se pois a cuidar maximamente dos maximamente indefesos, desprotegidos, vulneráveis. E deve ser, também, no nosso tempo, uma responsabilidade eminentemente democrática, respeitadora dos Direitos Humanos, assumindo-se como sociedade atenta ao cumprimento dos deveres de todos e portanto seus, mormente perante os mais “fracos”. Não é esta uma indeclinável obrigação dos Estados democráticos? Fomentando a ideia de que é permitido dispor de uma vida humana nas primeiras dez semanas da sua existência, não estará a sociedade a fomentar uma “tolerância” intolerável, a admitir um humanismo homicida, a questionar a própria causa democrática que quer fazer bandeira sua; em síntese, a cavar uma ruptura civilizacional? A ciência – a argumentação pouco rigorosa avilta a ciência no debate em curso. A absoluta novidade genética nidifica-se no ovo humano, irrefutavelmente. Nenhum fundamento científico pode ser evocado para “subtrair” humanidade durante as primeiras 10 semanas de gestação, concedendo-a a partir deste arbitrário marco temporal! Um coração que bate no ecrã televisivo ecográfico, às 6 semanas de vida, ou os membros que se movimentam constantemente às 8 semanas, no mesmo ecrã, por todos visionável, poderão ser ignorados nesta disputa científica? O acto anti-médico que se pretende legalizar não põe em questão, ele mesmo, não só a verdade científica, mas os fundamentos éticos de uma cultura médica chamada por sua própria essência a um serviço incontestável e incontestado à Vida? A Vida Humana – A Vida Humana é! Não pode estar prisioneira dos tempos nem das vontades. A dignidade do ser humano, apenas porque é, constitui a raiz que fundamenta o respeito que lhe é devido em todas as etapas, quaisquer que sejam as condições. A sua dignidade é uma constante imutável e inalterável. É, pois, por ela, por mim, por cada um de nós e por todos que devemos votar! Votar, não só em sua defesa, mas também em defesa da cultura e do Universo de que somos parte, nós os únicos sujeitos de consciência. No respeito pelos que foram, pelos que são e pelos que serão, somos responsáveis por nós e pela família humana. Porto, 25 de Dezembro de 2006 Comissão Diocesana Ética e Vida


Aborto