Arquidiocese de Braga desperta para um novo triénio pastoral
A vida da Arquidiocese estrutura-se através da repetição de determinadas iniciativas e a novidade que o programa pastoral lhe confere. Com a aliança, na pastoral ordinária, entre o habitual e uma ideia nova, para um determinado período, conseguimos suscitar unidade e encanto a tudo quanto acontece no dinamismo de toda a Arquidiocese.
Situados num novo ano, não encerramos uma caminhada para dar corpo a outra nova. Articulamos a vida e prosseguimos uma caminhada que confirma o percurso percorrido e sobre ele lança novos desafios. Daí que não encerramos o ciclo destinado à Família para nos encontrarmos num novo de três anos a dedicar a Palavra. Vamos abrir novos horizontes.
Num mundo onde o matrimónio e a família se encontram em profunda e contínua transformação pretendemos, até agora, escutar a vida do quotidiano das famílias. Ouvindo o exterior, não esquecemos que o mistério do amor que a família é chamada a acolher (como dom) e a reviver (como compromisso) tem a sua origem e plena compreensão em Deus. Deus é o núcleo central da boa e alegre notícia que (Ele mesmo) quer oferecer à Família e, por esta, ao mundo. Nesta convicção, a Igreja tem a responsabilidade, para anunciar o Evangelho da Família, de aproximar todas as famílias da Bíblia no duplo sentido de a colocar em todas as casas e de levar – pais e filhos – a aprender a ler, conhecer, rezar, amar e viver a Palavra de Deus. Deste modo estamos a prosseguir a caminhada fazendo com que, depois de ter escutado as famílias, façamos com que elas escutem a Palavra de Deus. Atingindo este objectivo, conseguiremos colocar a Palavra no centro das comunidades e da Arquidiocese.
Tomar conta da Palavra
É este o grande objectivo que acolhemos para este próximo triénio. Sintetizámo-lo dum modo provocante: Tomar conta da Palavra – que toma conta de nós. Não se trata dum jogo de palavras de difícil entendimento. Urge aproximar-se – pessoas e comunidades – da Palavra para que ela nos acompanhe e caracterize o nosso ser e agir.
Não temos outro programa nem outro itinerário. Talvez o saibamos. Só que a acção pastoral ainda continua longe desta referência contínua e a vida dos cristãos não consegue ser interpelada a partir destes critérios evangélicos. Continua a ser mais fácil repetir rotinas para fugir à responsabilidade de situar-se numa única escola que dá, dum modo exclusivo, as orientações necessárias para a renovação da pastoral e para uma vivência em tempos diferentes e repletos de interpelações.
Com estes três anos, as comunidades e os seus membros, sabendo que devem “tomar conta” como atitude activa e a exigir trabalho persistente, devem aceitar que a meta reside no permitir que a Palavra “tome conta” das vidas e de todas as iniciativas pastorais. Quanta conversão pessoal a fazer? Quanta conversão pastoral a fazer? Quanto trabalho pessoal a efectuar? Quanta alegria a descobrir na atitude de quem penetra num tesouro? Não pensemos que está tudo delineado ou projectado. Os caminhos para o encontro com a Palavra, e a percorrer por causa da Palavra, são inéditos e abertos à surpresa que o Espírito reserva a quem se decide a caminhar. Nada é dado a quem fica à porta. Só numa aproximação responsável surgirão as opções que importa concretizar. Da minha parte, resta-me convocar a Arquidiocese, nos seus membros e nas suas estruturas, para percorrer os caminhos da Palavra, qual aventura que parte duma decisão pessoal para chegar onde o Espírito pretende. Aqui está a nossa meta.
Três etapas
Tentaremos concretizar a nossa aventura percorrendo três etapas, correspondentes a outros tantos anos, servindo cada um para sublinharmos um aspecto particular como expressão desse “tomar” e “deixar-se tomar”. São aspectos interligados e com muitos pontos de convergência. A caminhada saberá dar a novidade que a pastoral necessita.
1. No ano pastoral 2008-2009, como Ano Paulino, conheceremos melhor a personalidade de Paulo para, mergulhando nos seus escritos, nos deixarmos encontrar pela Palavra. Com efeito, “Encontrados pela Palavra” é um lema que conduzirá a um maior conhecimento da Bíblia, nos seus conteúdos e organização, nunca numa perspectiva meramente teórica, embora não descurando esta dimensão dum “livro” a saber manusear e entender, mas em atitude de permanente escuta para amar com paixão uma Palavra oriunda do seio da Trindade.
No peregrinar da vida humana encontramo-nos com uma variedade imensa de mensagens. Vemos e assistimos a um barulho que confunde e gera perplexidade. É no meio desta amálgama de orientações que a Palavra terá de entrar para promover um encontro de perfeita identidade. Nunca se tratará dum exercício académico. Importa ser encontrado pela Palavra, o que se consegue com o silêncio e através dum criar condições em experiências individuais ou de grupo. A catequese, a liturgia, a acção social, as actividades dos grupos são, deste modo, os lugares onde colocar a Palavra para que, como consequência, todos sejam encontrados pela mesma.
“Encontrar-se pela Palavra” acontecerá quando quisermos que ela se torne vida e quando nos habituarmos a partilhar as experiências que o encontro suscita. É Palavra de Vida que exige que a mesma vida seja comungada duma maneira familiar. “Encontrar-se” torna-se, deste modo, estímulo e anúncio que cada um acolhe e dá.
2. No ano pastoral 2009-2010 seremos conduzidos pela mesma Palavra para a acolher e viver. “Acolhemos a Palavra” é o lema que nos acompanhará suscitando outras iniciativas.
Importa que o acolher se oriente para o viver. Não pretendemos saborear egoisticamente um dom oferecido. Sabemos que tudo se projecta na vida e que o mundo necessita de ler a Palavra divina no quotidiano dos nossos pensamentos e acções. No cristão, o contemplativo une-se ao activo e sabemos fazer deserto para ouvir em profundidade e, ao mesmo tempo, acolhemos para gritar com o testemunho e a coerência.
A história do Cristianismo, infelizmente, não apresenta muito esta necessidade de viver a Palavra. Num contexto de pluralismo cultural, que não quer considerar as referências religiosas, o único caminho capaz de mostrar a diferença é a vida – dos cristãos e das comunidades – que acabará por “pressionar”.
Por outro lado, o viver a Palavra não deve ser interpretado só como anúncio. Antes de mais, a vida gera alegria em quem ousa acreditar na Palavra e a passa para o dia-a-dia nos mais variados ambientes. Quem mais beneficia é aquele que trabalha para a colocar em prática.
3. No ano pastoral 2010-2011 vamos reconhecer outra dimensão importantíssima da Palavra que “tomou conta” de nós. “Vivemos da Palavra” é a síntese duma caminhada iniciada no encontro que converteu para acolher na integridade e viver em todos os momentos. A vida será sempre anúncio e deverá conduzir a uma maior responsabilidade no repensar a maneira de comunicar a Palavra na actualidade.
Com o “anúncio” e para o “anúncio” teremos de descobrir e concretizar formas novas capazes de entrar no pensamento hodierno. Nada deve ser desconsiderado desde que proporcione uma proclamação das verdades em que acreditamos. Temos consciência que se impõe uma atenção especial aos meios tradicionais de anúncio. Mas, há caminhos novos que passam pela cultura, arte, música, tempos livres, etc., que não podemos ignorar ou desconsiderar. O mundo mudou e o anúncio deve ser diferente para chegar a ambientes que abandonaram o pensar cristão, que o ignoram ou desconsideram.
O anúncio adquire, deste modo, um rosto missionário que situamos no interior da comunidade crente e que alargamos a franjas que necessitam dum encontro com Cristo. Tomados pela Palavra não podemos permitir que a fé se encerre no privado ou nos espaços estritamente eclesiais. O mundo é o nosso horizonte e teremos de partir para um encontro de diálogo com tudo e com todos.
Responsabilidades novas
Com estes pensamentos sobre o plano pastoral – “Tomar conta da Palavra que toma conta de nós” – e sobre os programas pastorais para cada ano: 2008-2009 (Ano Paulino) – “Encontrados pela Palavra”; 2009-2010 – “Acolhemos a Palavra”; 2010-201 – “Vivemos da Palavra”, pretendi, como referia no início, apontar um caminho. Importa que cada comunidade descortine o seu trajecto e queira testemunhar a vitalidade de Cristo através da Palavra. A Igreja necessita de se mostrar neste mundo de indiferença. Só que não o pode fazer através de cerimónias e ritos que sendo imprescindíveis para a fé já não conseguem mostrar a vitalidade de Cristo e da mesma Igreja a quem pretende ignorar o mesmo Cristo e a mesma Igreja. Nos primórdios do Cristianismo, São João, no Prólogo do seu Evangelho, aponta o caminho:
«No começo a palavra já existia: a Palavra estava voltada para Deus e a Palavra era Deus. No começo Ela estava voltada para Deus. Tudo foi feito por meio d’Ela, e, de tudo o que existe, nada foi feito sem Ela. N’Ela estava a Vida, e a Vida era a luz dos homens. Essa luz brilha nas trevas, e as trevas não conseguiram apagá-la. Apareceu um homem enviado por Deus, que se chamava João. Ele veio como testemunha, para dar testemunho da luz, a fi m de que todos acreditassem por meio dele. Ele não era a luz, mas apenas a testemunha da luz. A luz verdadeira, aquela que ilumina todo o homem, estava a chegar ao mundo. A Palavra estava no Mundo, o mundo foi feito por meio d’Ela, mas o mundo não A conheceu. Ela veio para a sua casa, mas os seus não A receberam. Ela, porém, deu o poder de se tornarem fi lhos de Deus a todos aqueles que A receberam, isto é, àqueles que acreditam no seu Nome. Estes não nasceram do sangue, nem do desejo do homem, mas nasceram de Deus. E a Palavra fez-se Homem e habitou entre nós. E nós contemplámos a sua glória: glória do Filho único do Pai cheio de amor e fidelidade. João dava testemunho d’Ele, proclamando: “Este é Aquele a respeito de quem eu disse: Aquele Homem que vem depois de Mim passou à minha frente, porque existia antes de Mim”. Porque da sua plenitude todos nós recebemos, e um amor que corresponde ao seu amor. Porque a Lei foi dada por Moisés, o amor e a fidelidade vieram através de Jesus Cristo. Ninguém jamais viu a Deus; quem nos revelou Deus foi o Filho único que está junto do Pai» (Jo 1, 1-18).
As trevas adensam-se; a eloquência duma Palavra tornada vida é a única hipótese que permitirá a subsistência do Cristianismo. Com Cristo não podemos temer. Daí que as iniciativas devem multiplicar- se no sentido de mostrar uma Igreja viva onde resplandece o Amor de Cristo.
Onde nos conduzirá a Palavra? Cada cristão e cada comunidade saberão responder.
D. Jorge Ortiga, Arcebispo de Braga