Tráficos em Moçambique AAVV 02 de Abril de 2004, às 17:00 ... Comunicado da Comissão Justiça e Paz CNIR/FNIRF A globalização é uma das caracterÃsticas mais determinantes na vida da sociedade actual. Não é a primeira vez que se dá um processo de globalização, mas as novas tecnologias encurtaram mais o espaço e o tempo que separam os lugares e as gentes. Também não é surpreendente que nestes processos caminhem lado a lado benefÃcios e malefÃcios, que por vezes até podemos ter dificuldade em distinguir. Mas parece incontestável que foram os bens materiais e particularmente as transacções económicas e financeiras aquilo que mais rapidamente se globalizou. Aguardamos com esperança o alargamento destas transacções à s culturas, ao conhecimento, à s artes, à s diversas espiritualidades. No espaço da globalização comercial e financeira são os bandos mafiosos quem mais aproveita do fenómeno. Também isso não traz grande surpresa. Pelo facto de lidarem com grandes somas de dinheiro sem controlo e à margem das leis, os traficantes têm sempre vantagens em relação à s estruturas policiais e judiciais. Pelo poder do dinheiro, os cabecilhas desses bandos situam-se num elevado nÃvel social, o que lhes permite controlar os processos ou escapar à s malhas da justiça. E se a globalização funciona como uma rede, no que diz respeito aos mafiosos e traficantes essa rede não tem limites. Através dos meios de comunicação podemos verificar que naquilo que diz respeito aos tráficos tudo está ligado. Não os podemos imaginar como autónomos, sabendo como estão interligados. São os mesmos ou estão associados os traficantes de armas, de drogas, de seres humanos, de divisas, de diamantes e de tudo o muito mais que dá poder económico e frequentemente poder polÃtico. É neste contexto que se situa o caso levantado na região de Nampula, em Moçambique. Caberá à s autoridades moçambicanas apresentar, nas devidas instâncias, provas para factos cuja verificação é inegável. Muitos jornalistas estiveram nos locais e, através de muitas vozes, desde gente do povo aos missionários, passando por autoridades, puderam mostrar que havia situações a justificarem grande suspeita no que se refere ao tráfico de crianças e jovens. As descrições tornam-se mais convincentes na medida em que há fenómenos e acontecimentos que, depois de se ter denunciado o problema, sofreram alterações. Sabemos que o tráfico de seres humano é um negócio frequente e pujante ao largo do planeta. Denunciá-lo num determinado lugar é uma forma de dar a conhecer essa hedionda realidade e combatê-la. Também nós temos informações, vindas de missionários e de grupos eclesiais como a Comissão Diocesana de Justiça e Paz, de que em Nampula têm desaparecido crianças, jovens, adolescentes e também alguns adultos. Foram encontrados vários corpos mutilados e enterrados sem qualquer processo de identificação. No calor das notÃcias centrou-se o debate no problema do tráfico de órgãos. Essa é uma possibilidade, provavelmente a expressão mais horrÃvel da realidade; mas focalizar as atenções nesse aspecto é reduzir o campo de análise do problema. A grande questão diz respeito ao próprio tráfico de seres humanos que pode ter muitos fins, entre os quais a exploração sexual, o trabalho escravo e o tráfico de órgãos. Neste como noutros casos o modelo é exactamente o da procura e da oferta. O tráfico surge quando, por qualquer razão, a oferta não satisfaz a procura. Então a oferta violenta e violentada toma lugar, uma vez que ela é feita não pelo próprio mas por outros. O factor que gera condições para que isso suceda é a existência de muito dinheiro de um lado e de vidas miseráveis e ao abandono do outro. Tudo isto é do conhecimento geral dos cidadãos que procuram informar-se. A nós cabe-nos participar nas denúncias e nas acções necessárias para combater esses crimes. Por isso queremos manifestar o nosso apoio e a nossa solidariedade aos nossos irmãos e irmãs que denunciam os factos horrorosos que se têm deparado diante dos seus olhos ou de cuja existência lhes chegaram testemunhos directos ou indirectos, mas de qualquer modo suficientes para justificarem a denúncia daquilo que ainda mais vem agravar a já muito fragilizada situação do povo moçambicano, envolvido no medo nascido de factores tão diversos como crenças e costumes ancestrais até à falta de confiança nas instituições públicas. Por isso também nos solidarizamos com eles na exigência de um esclarecimento desses fenómenos estranhos, sem o qual não é possÃvel pacificar as mentes nem realizar a justiça que só não interesse a quem destes fenómenos ignobilmente se aproveita ou em relação aos quais não quer ou não consegue desvincular-se. A investigação imparcial, séria, competente e célere será o meio adequado e necessário para ir quebrando os elos de uma cadeia que mantém as populações mais pobres em condições que nada têm a ver com a dignidade e com a liberdade. Aos nossos governantes apelamos a que, em sede própria, exerçam pressão internacional para que a verdade não seja ocultada e a justiça seja realizada. À globalização do crime e do terror há que opor a globalização da solidariedade e da justiça. Lisboa, 01.04.04 Comissão Justiça e Paz CNIR/FNIRF Moçambique Share on Facebook Share on Twitter Share on Google+ ...