Giulio Albanese, director da agência Misna, ilusrtra as reservas do mundo missionário sobre os organismos geneticamente modificados
As culturas transgénicas ficam muito mais caras e, mais tarde ou mais cedo, irão destruir a preciosa biodiversidade, verdadeira riqueza dos países em vias de desenvolvimento.
Segundo o representante dos Estados Unidos para o Comércio, Robert Zoellik, 13 países, com os EUA na vanguarda, vão apresentar uma denúncia à Organização Mundial do Comércio (OMC) contra a moratória adoptada pela União Europeia sobre os produtos que contêm organismos geneticamente modificados (OGM). Nunca como hoje o poderosíssimo lobby da biotecnologia fizera tanta pressão para que o Velho Continente deixe de se opor à «nobre intenção» de combater a fome no mundo. Será verdade?
Segundo muitos cientistas, o resultado da modificação genética no espaço e no tempo nunca é previsível, pela complexidade de cada organismo e das relações que ligam ente si os genes, para além da flutuação dos elementos do genoma. Os riscos para a saúde são de 360 graus: desde a transmissão da resistência aos antibióticos ao aumento das alergias; desde o maior uso no ambiente de produtos cancerígenos ao risco de fenómenos tóxicos... Entretanto, as indústrias biotecnológicas continuam a sustentar, de espada desembainhada, que o uso das plantas transgénicas, em cujo património genético foram introduzidos genes de organismos estranhos, como, por exemplo, bactérias, permitirá resolver o problema alimentar dos países pobres e reduzir o emprego de substâncias químicas nocivas no sector agrícola.
São duas grandes mentiras. Impondo o pagamento anual das patentes, as culturas transgénicas ficam muito mais caras e, mais tarde ou mais cedo, irão destruir a preciosa biodiversidade, verdadeira riqueza dos países em vias de desenvolvimento. Desde há muito que o Prémio Nobel da Economia Amartya Sen vem sublinhando que é a pobreza e não a falta de comida a verdadeira causa da fome. Não nos esqueçamos de que o Ocidente se debate, há anos, com os excedentes de produção e na Europa chegou-se mesmo a pagar a quem se abstiver de produzir. Mas não só: com as culturas OGM atingiu-se uma concentração recorde de terras nas mãos de poucas pessoas, fazendo com que as pequenas e médias explorações agrícolas diminuíssem em 30 por cento.
A pobreza é, certamente, um fenómeno complexo e articulado, mas entre as suas causas temos de incluir os programas de reajustamento estrutural levados a cabo pelo FMI e pelo Banco Mundial, que, juntamente com o constante aumento das dívidas, induziram muitos governos dos países em vias de desenvolvimento (os mais atingidos pela pobreza e pelo fenómeno da desnutrição) a reduzir a despesa pública, a cortar nas ajudas alimentares, a abolir os subsídios às principais culturas, acentuando os fenómenos de empobrecimento.
Há ainda o emblemático caso da Argentina: sujeitando-se aos gigantes alimentares como a Monsanto e a Syngenta, este país sul-americano colocou em risco a sua segurança alimentar. De facto, em 1996, a Argentina adoptou as culturas OGM mais que qualquer outro país, exceptuando os EUA. É agora o segundo produtor mundial de soja OGM, que exporta sobretudo em forma de rações. As culturas de soja duplicaram em cinco anos e as colheitas atingiram o recorde de cerca de 30 milhões de toneladas. Nesse mesmo espaço de tempo, a pobreza aumentou e agora metade da população – 18 milhões num total de 37 – vive em condições de vulnerabilidade alimentar. É certo que as produções OGM não são a única causa da crise argentina, mas é preciso reconhecer que contribuíram para encaminhar todo o sistema agrícola para a exportação, colocando a economia do país nas mãos das multinacionais estrangeiras.
A estas considerações há que acrescentar a do emprego de produtos químicos, que, com as culturas transgénicas, está a aumentar fortemente. Não poderia ser de outra forma: a maior parte das sementes modificadas são-no porque tornadas resistentes aos herbicidas produzidos pelas mesmas firmas. Diante da aplicação de biotecnologias não podemos assumir uma posição preconcebida ou ideológica, mas temos de avaliar riscos e benefícios, no interesse do «bem comum» e não do «mercado». As biotecnologias, se sabiamente geridas, podem, com o andar do tempo, transformar-se numa bênção. Alguns exemplos: a banana terapêutica, em estudo na África do Sul, deveria incorporar uma vacina contra a cólera com a capacidade de imunizar contra a doença quem a comer. E o assim chamado golden rice, graças à introdução de um gene de narciso, que produz betacaroteno, deveria proteger da cegueira por carência de vitamina A, ajudando 250 milhões de pessoas em risco no mundo.
A questão é demasiado séria para ficar enredada em preconceitos ou, pior ainda, liquidar-se sem recurso. A ciência, entendida como saber, não pode ser refreada, mas o mercado sim.
Giulio Albanese, Director da agência Misna,
In “Além-Mar”, Março de 2004