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Um ano sem João de Deus

CNBB
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Já se passou um ano desde que, no dia 2 de Abril de 2005, o Papa João Paulo II deixou este mundo. Ainda continuam vivas na memória as imagens das suas últimas aparições na janela dos aposentos pontifícios, tentando comunicar com a multidão na Praça de São Pedro... Não menos vivas continuam as cenas das multidões de jovens, adultos e crianças, que queriam despedir-se do Papa falecido. Era como se o mundo tivesse perdido o pai e a referência comum da grande família humana. O seu funeral mostrou que não apenas o povo simples queria render-lhe homenagem, mas também chefes de Estado de todo o mundo acorreram a Roma e esqueceram, por um momento, as suas desavenças; reunidos, não ao redor de uma mesa de negociações mas em torno do caixão, colocado sobre o chão, de um homem que não tivera poder económico nem militar, mas representava a força dos valores éticos que devem orientar a convivência entre os povos e nações e das aspirações mais profundas do coração humano. O seu pontificado, com mais de 26 anos, longo como poucos na história, coincidiu com mudanças epocais, como o fim da guerra fria, o fenómeno da globalização acentuada, a queda do muro de Berlim, as mudanças políticas, culturais e religiosas. Na viragem do milénio, o grande jubileu foi ocasião para que toda a Igreja tomasse nova consciência de si mesma e da sua missão no mundo. Em tudo isso, o Papa soube perceber as grandes questões e ajudar a Igreja a tomar decisões e atitudes para participar e marcar presença. O futuro ainda dirá muito sobre o papel de João Paulo II para este momento da história da humanidade. Enquanto bispo ainda jovem, Karol Wojtila tinha participado ,o Concílio Vaticano II; como Papa, empenhou-se para tornar concretas e operativas muitas intuições e decisões do Concílio. A constante preocupação pela presença actuante da Igreja no mundo fê-lo estimular fortemente a organização e acção do laicado em todos os âmbitos da vida social; ele próprio não se poupou em numerosas viagens, para confortar e animar as Igrejas locais, fazer ouvir a voz do Evangelho nas praças e novos areópagos, encontrar governantes e os diversos actores da vida política, económica e cultural. Procurou o diálogo e foi ao encontro dos representantes das Igrejas e Religiões. Defendeu com clareza e coerência a pessoa humana, sua intocável dignidade, a família, a solidariedade, a justiça e a paz. Imenso é o legado de João Paulo II para a vida da Igreja. Nenhum Papa deixou tantos escritos como ele: ficarão como referência teológica e magisterial de inegável valor para as futuras gerações da Igreja. Sempre na linha das grandes intuições do Concílio, estimulou a Igreja a ser missionária de maneiras novas; reafirmou o património da doutrina cristã através do Catecismo e fez a adequação da disciplina da Igreja através do novo Código de Direito Canónico. Ele deu à Igreja uma configuração efectivamente universal, integrando nos seus organismos representativos a diversidade cultural e étnica. Evidentemente, as demandas postas à missão do Papa e da Igreja são muitas e nunca serão resolvidas plenamente, pois a Igreja vive na história e participa da sua dinâmica. Cada dia, novos desafios e problemas aparecem. Havia, talvez, quem esperasse mudanças que o Papa não pode fazer, pois também ele é servidor da Igreja e de Jesus Cristo. O limite da acção do Papa, justamente, é o Evangelho e a própria constituição da Igreja, por vontade de Jesus Cristo. João Paulo II ajudou a compreender que a Igreja é formada por pessoas frágeis e falíveis, que não estão acima do bem e do mal; não hesitou em pedir humildemente o perdão pelos erros cometidos, em nome da Igreja, ao longo da história da humanidade, que é história de pecado e graça. Ao mesmo tempo, porém, mostrou que as falhas da Igreja não devem impedi-la de dedicar-se à missão recebida do seu divino fundador. A força da Igreja vem do Espírito de Cristo, que habita nela e a orienta constantemente. Na longa doença do Papa João Paulo II, ficou claro que a vida da Igreja não depende de um chefe cheio de vigor físico, nem de um executivo dinâmico, ou de um governante voluntarioso. A sua razão de ser está além dela mesma, acima dela. O Espírito Santo também age através de um ancião fragilizado. A rocha, sobre a qual está edificado o templo do Senhor é, antes de tudo, o próprio Jesus Cristo, ao qual o Papa e toda Igreja servem. Para ele é que todos devem olhar; dele, como discípulos e missionários, aprendemos sempre de novo o caminho a seguir. A Igreja e a família humana ficou sem “João de Deus”, mas a Providência Divina suscitou um “humilde servidor da vinha do Senhor”. Bento XVI, abençoado com a mesma missão confiada por Jesus a Pedro e seus sucessores, continua a confirmar na fé seus irmãos, para não vacilarem no meio das agruras do caminho e para manterem os olhos fixos naquele que os chamou: Cristo Jesus. Os Papas passam, são seres mortais. O Espírito de Deus não descansa e a missão da Igreja continua. D.Odilo Pedro Scherer, secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil


João Paulo II