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Um apelo à paz no Médio Oriente

CNJP
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Comissão Nacional Justiça e Paz

As notícias e imagens que nos chegam todos os dias do Líbano e de Israel despertam as nossas consciências para a necessidade de pôr termo imediato à violência que, nesses territórios, vai fazendo cada vez mais vítimas, centenas de mortos (em particular civis inocentes), milhares de feridos, centenas de milhar de refugiados sem perspectivas de futuro. É esta realidade que leva a Comissão Nacional Justiça e Paz a formular este apelo à Paz no Médio Oriente. A chave para a paz no Médio Oriente reside no respeito das exigências do Direito e da Justiça. Estas traduzem-se, como salientou Bento XVI na sua alocução de 23 de Julho, no reconhecimento efectivo do direito dos libaneses à integridade e soberania do seu país, do direito dos israelitas a viver em paz e segurança no seu Estado e no direito dos palestinianos a uma pátria livre e soberana. O reconhecimento do direito inquestionável à existência soberana destes três povos é uma condição sine qua non e urgente para uma paz duradoura. A situação a que estamos a assistir vem demonstrar, mais uma vez, que o recurso à violência (que facilmente degenera em violência cega) não só não conduz por si à Paz, como se torna verdadeiramente contraproducente na perspectiva dos legítimos interesses de qualquer das partes envolvidas. Desencadear uma espiral incessante de violência, ou contribuir para ela, é não apenas moralmente ilegítimo, como politicamente ineficaz. As exigências de defesa por parte de Israel quanto ao desarmamento do Hezbollah não podem justificar tudo e é questionável que os combates a que vimos assistindo sejam o único, ou o melhor, meio de atingir esse objectivo. A ofensiva em curso há mais de três semanas traduz-se numa punição colectiva de um país cujos habitantes são, na sua esmagadora maioria, alheios ao conflito. Por outro lado, a destruição de infra-estruturas civis do Líbano vem cortar, abruptamente, a reconstrução que se afigurava promissora de um país com tradições de convívio democrático multicultural e multi-religioso, superadas que estavam a guerra civil e a ocupação estrangeira, mas ainda numa situação de frágil e complexo equilíbrio entre distintas facções. Vítimas civis inocentes não podem ser moralmente justificadas A ocorrência de vítimas civis inocentes não pode nunca ser moralmente justificada. Merece todo o repúdio o recurso a actos de agressão, quando são deliberadamente visados alvos civis e se atingem pessoas alheias ao conflito. E também merece todo o repúdio a colocação deliberada de estruturas militares no meio de ambientes civis, para destes fazer autênticos “escudos humanos”. Tão pouco são admissíveis represálias que, afirmando visar objectivos militares, aceitam com indiferença que, como sua consequência possível ou mesmo necessária, sejam atingidas vítimas inocentes, reduzidas à categoria de simples “danos colaterais”. E é nessa categoria que, até agora, se inclui a esmagadora maioria das vítimas deste conflito. Para obter uma paz duradoura, importa alargar os horizontes a uma perspectiva de longo prazo e ter na devida conta outros países com interesses na Região, designadamente a Síria, o Irão, o Iraque. Só haverá verdadeira Paz no Médio Oriente quando cada uma das partes envolvidas reconhecer os direitos dos outros e confiar que os outros também reconhecem os seus. Nesta perspectiva, a guerra em nada favorece a confiança recíproca, pois faz crescer o ódio e o ressentimento. Com a guerra, podem conquistar-se territórios, mas não se conquistam mentes e corações. Importa lembrar que a acção armada do Hezbollah encontra apoio em largos estratos da população, no Líbano como nos países vizinhos e que esse apoio é decisivo para essa acção. A guerra e as suas sequelas poderão fazer com que cresça tal apoio, mesmo que os meios militares desse movimento venham a ser reduzidos. Paralelamente, o recurso à violência que vitima a população de Israel só acentua o sentimento de desconfiança para com os povos árabes seus vizinhos, o que torna mais difícil para essa população deixar de os considerar seus inimigos e constituirá mais um entrave a que os seus legítimos direitos sejam reconhecidos. EUA e UE podem e devem desempenhar papel importante Em todo este contexto, a Comunidade Internacional, os Estados Unidos e a União Europeia podem e devem desempenhar um papel importante. É fundamental que o façam com urgência e promovam um imediato cessar-fogo, para que sejam evitadas mais mortes e destruições. Que esse papel não seja apenas o de gerir uma complexa situação de ódios acumulados e de feridas insanáveis, mas o de ajudar à construção de uma paz duradoura e assente no reconhecimento simultâneo dos direitos de todos os povos do Médio Oriente a viverem em paz. A Paz e a Justiça são aspirações onde cristãos, hebreus e muçulmanos se podem reconhecer à luz dos seus livros sagrados. Essas aspirações não podem morrer numa terra tão rica de significado para qualquer destas três religiões. A oração e o empenho de todos são, para tal, imprescindíveis. A Comissão Nacional Justiça e Paz dirige este apelo à Paz no Médio Oriente a todos os responsáveis políticos, ao Governo e à Comissão da União Europeia, de modo particular, e a todos os cidadãos e cidadãs, sabendo que o que está em jogo também diz respeito a todos nós. Às comunidades cristãs fazemos apelo para que desenvolvam formas de solidariedade com as vítimas, promovam uma reflexão aprofundada sobre a situação e se empenhem, pelos meios ao seu alcance, na busca de caminhos de paz. Lisboa, 4 de Agosto 2006 A Comissão Nacional de Justiça e Paz é organismo laical, com a finalidade genérica de promover e defender os ideais da Justiça e da Paz à luz do Evangelho e da doutrina social da Igreja. A Comissão actua sob sua própria responsabilidade, não vinculando necessariamente o Episcopado


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