Homilia do bispo do Porto na Solenidade da Imaculada Conceição
“Muito bem, servo bom e fiel, entra na alegria do teu Senhor”:
Estas palavras do Pontifical da vossa Ordenação para o ministério, têm o sentido de um voto e esperança da Igreja que vos chama e vos envia. Mas a Liturgia da Palavra neste dia da Imaculada Conceição evoca também um momento decisivo da História e um facto determinante da vossa situação existencial.
Nas origens, segundo a Revelação Divina, o homem, chegado ao limiar da inteligência, da liberdade e da responsabilidade, desviou-se do projecto de Deus e quis fugir da presença do seu Criador: teve medo e escondeu-se. Tentou desculpabilizar-se, acusando a mulher, e esta acusou a serpente, o demónio, ao qual Deus disse: “Estabelecerei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a descendência (o descendente) dela” (Gen. 3, 15). E no dealbar da plenitude do tempo (cf. Gal. 4,4) Deus enviou o seu mensageiro a anunciar a uma mulher o cumprimento da promessa da redenção: “Não temas, Maria, conceberás e darás à luz um Filho, a quem porás o nome de Jesus” (Lc. 1,30-31). E Maria, a “cheia de Graça” (saudada pelo Anjo) respondia: “Eis a escrava (a serva) do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38).
Chamados e apresentados para serdes servos, servidores, ministros da Igreja, tendes na Mãe de Jesus o exemplo e modelo de serva (de Deus e da humanidade). Ides encontrar no nosso mundo vagas de medo, ameaças de medo, pessoas com muito medo, pessoas escondidas e outras à vista, (umas com vergonha e outras sem vergonha a desafiar e combater, como dizem, passado e tabus). Mas também ides encontrar um mundo necessitado e até sedento de servidores, de ministros sem medo, firmes na fé, pregadores da esperança, testemunhas vivas de alegria e de optimismo.
Celebramos hoje a Solenidade litúrgica da Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria, padroeira principal de Portugal. Lembramos que em 1646 (há portanto 359 anos) o Rei D. João IV proclamou a Senhora da Conceição como rainha e padroeira e lembramos que o II Concílio do Vaticano encerrou há 40 anos, precisamente na Solenidade da Imaculada Conceição.
A Constituição sobre a Igreja (Lumen Gentium), um dos documentos mais importantes do Concílio, diz que “Maria, filha de Adão, consentindo na palavra divina, tornou-se Mãe de Jesus e, abraçando de todo o coração, sem qualquer impedimento de pecado, o desígnio salvador de Deus, consagrou-se totalmente, como escrava do Senhor, à pessoa e à obra de Seu Filho, subordinada a Ele e, juntamente com Ele, servindo pela graça de Deus omnipotente o mistério da Redenção.
Por ser e para ser Mãe do Redentor, Maria foi ornada de singulares graças e prerrogativas, entre as quais a de ser preservada imune de pecado. Trata-se de uma prerrogativa de ordem e dimensão social, em nosso favor. Mãe do Redentor e nossa Mãe na ordem da graça, (Mãe da Igreja), Maria é também pela sua Maternidade virginal, figura ou tipo da Igreja, que chama os seus ministros para o anúncio do Evangelho fecundo na fidelidade a Cristo. Como Mãe e como virgem, Maria é nosso “modelo eminente e único” (LG 63).
E, terminamos ainda com palavras do Concílio e da Constituição sobre a Igreja: “A Mãe de Jesus, assim como glorificada já em corpo e alma, é imagem e início da Igreja que se há-de consumar no século futuro, assim também, na terra, brilha como sinal de esperança segura e de consolação, para o Povo de Deus ainda peregrinante” (n.º68). Que seja, pelo vosso ministério, o sinal de esperança a orientar-nos para o futuro.
Amen.
D. Armindo Lopes Coelho, Bispo do Porto