Documentos

«Um tempo forte» sem «tempos fracos»

D. Manuel Neto Quintas
...

Mensagem do bispo do Algarve para a Quaresma

Arrependei-vos e acreditai no Evangelho (Mc 1,15) 1. Apelo e resposta Eis-nos, de novo, na Quaresma! E com ela chega-nos o repetido apelo da liturgia à conversão. Atribuímos, habitualmente, a este tempo a denominação de "tempo forte", sem esquecer, no entanto, que no ano litúrgico não há "tempos fracos". O convite à conversão é permanente como permanente deve ser o empenho pessoal na sua resposta. A intensidade deste apelo, neste tempo, justifica-se pela preparação imediata da celebração da Páscoa, centro da vida cristã e referência inspiradora de cada celebração litúrgica na Igreja. Para ela se orienta cada dia ferial e cada dia festivo, constituindo o Domingo a sua celebração semanal. Este apelo à conversão orienta-se, de modo particular, para a Vigília Pascal, na qual a renovação das promessas dos baptismo, nos proporciona uma reafirmação mais viva da fé, uma adesão mais plena à pessoa de Cristo, uma pertença mais consciente à Igreja, um compromisso mais decidido e permanente na vivência e no testemunho dos valores do Evangelho. 2. Verdade da conversão A verdade da conversão passa pela decisão em percorrer o caminho que leva a adequar a vida às exigências da Boa Nova de Jesus Cristo. Arrependei-vos e acreditai no Evangelho (Mc 1,15), foi o convite de Jesus no início da sua pregação, repetido pela liturgia da Igreja logo no primeiro dia da Quaresma. A oração, o jejum e a esmola constituem os meios mais eficazes, apontados desde sempre pela Igreja, para a verdadeira conversão, quando realizados de modo discreto, tal como Jesus recomendou: "Quando deres esmola não permitas que toquem trombeta diante de ti (...) que a tua mão esquerda não saiba o que faz a tua direita" (Mt 6,2.3); "quando rezares, entra no teu quarto e, depois de fechares a porta, reza ao teu Pai presente no segredo" (Mt 6,6); quando jejuares, não tomes um ar sombrio (...); deita perfume sobre a cabeça e lava o rosto, para não mostrares aos homens que jejuas, mas a teu Pai, no segredo" (Mt 6,16). A verdade da conversão passa igualmente pela celebração do sacramento da Reconciliação, expressão do arrependimento pessoal, do acolhimento do perdão de Deus e da decisão da mudança de vida. A conversão acontece, sempre que nos decidimos a dar a primazia a Deus na nossa vida. É Ele que nos converte. E Ele actua a partir do nosso coração. É aí que se situa a verdadeira conversão. A que permanece. Toda a conversão, quando é autêntica, conduz à transparência de vida, à verdade do culto e do relacionamento fraterno, à alegria plena. 3. Conversão e Eucaristia Num ano dedicado à Eucaristia, não posso deixar de insistir, mais uma vez, no convite à intensificação, neste tempo quaresmal, ao culto eucarístico na sua tríplice dimensão – celebração, adoração, contemplação – para que cresça em todos a consciência viva da presença real de Cristo na Eucaristia; para que a presença de Jesus no sacrário constitua um "pólo de atracção" para quantos sentem necessidade de escutar de modo mais vivo os seus apelos, de encontrar força para lhes responder, de "saborear e ver como o Senhor é bom" (cf EE 18); para que a redescoberta do dom da Eucaristia, como luz e força na vida quotidiana, inspire o modo como cada um exerce a sua profissão, no contacto com as mais diversas situações, e dê o seu contributo no anúncio e construção do Reino. 4. Conversão e empenho no mundo A verdade da conversão passa, igualmente, pela participação responsável no momento eleitoral que o nosso País atravessa. Não podemos alhear-nos, sem mais, do cumprimento deste dever. Isso equivaleria a "falsear" a verdade de um caminho de conversão quaresmal. Como nos foi recomendado, em recente comunicado do Conselho Permanente da CEP (14.12.04), "temos todos a obrigação de nos esclarecermos criteriosamente, apreciando as soluções objectivas que nos são propostas. Para tal, importa avaliar da sua justiça, da sua viabilidade, da sua consonância com os princípios da dignidade humana, do respeito pela vida, da dimensão social que todas as políticas devem ter. Para os cristãos, o critério de avaliação é o Evangelho e a doutrina social da Igreja". Ajudemos aqueles que pretendem governar o nosso País "com a nossa consciência crítica e com a nossa escolha responsável. (...) Forcemos os partidos a porem o acento da sua intervenção na qualidade das propostas que nos fazem, na competência e dignidade das pessoas e não apenas nos discursos que o ambiente de campanha habitualmente inflama". Escolhamos as propostas "que suscitam mais esperança e aceitemos, depois, contribuir para a sua implementação. Votar é escolher caminhos e escolher é comprometer-se generosamente na sua concretização". 5. Conversão e partilha A verdade da conversão passa, igualmente, pela partilha do que somos e do que temos. A nossa renúncia quaresmal destina-se, este ano, à Paróquia de S. Miguel Arcanjo da Calheta, na ilha de Santiago, diocese da Praia, Cabo Verde. Vamos corresponder ao pedido do seu Pároco, secundado pelo Bispo diocesano. Esta Paróquia está empenhada na concretização de um projecto de remodelação e ampliação do Centro Social e Paroquial, cujas obras estão orçadas em mais de 300 mil euros. A dimensão da acção pastoral e social desta Paróquia torna urgente a construção de instalações que possibilitem uma resposta mais consentânea com as necessidades de toda a ordem com que se debate a sua população, constituída por quase 20 mil habitantes, 90% dos quais são católicos. Apelo à generosidade de todos os cristãos do Algarve e de todas as pessoas de boa vontade para esta partilha fraterna, como expressão da verdade da nossa conversão quaresmal. † Manuel Neto Quintas, scj Bispo do Algarve


Quaresma