Homilia de D. João Miranda Teixeira na Jornada Diocesana da Pastoral da Família
Então eu disse: Aqui estou, Senhor, enviai-me! (Isaías)
Simão, faz-te ao largo e lançai as redes para a pesca! (Evangelho)
Esta é uma Jornada habitual do Secretariado diocesano da Família, a que se associou a Comissão diocesana “Ética e Vida” e o Secretariado da Saúde e vários movimentos de Leigos destas diversas áreas. Trata-se de um momento especial do nosso País, em que foi e é preciso dar as mãos a favor da Vida. A vida nasce no seio da Família que existe para continuar no mundo a obra da Criação, fazendo felizes os Cônjuges e dando filhos à sociedade.
Para escândalo geral, parece que estamos apostados em perverter as fontes da vida humana, colocando-as ao serviço do prazer. É legítimo o prazer, se enquadrado na instituição familiar e se assumir as responsabilidades derivantes. O prazer anexou-o Deus à comida e à bebida para manter o indivíduo são e saudável. E colocou-o Deus também na sexualidade humana, para que o homem e a mulher se sintam felizes também na doação física e dêem continuidade à espécie humana.
Disse Deus no princípio: Façamos o homem à nossa imagem e semelhança. Fê-los homem e mulher e disse: Crescei e multiplicai-vos!
E não se venha dizer que isto é poesia ou mito. Se é poesia, que bela poesia! Já Fernando Pessoa escreveu: O melhor do mundo são as crianças! E, se é linguagem figurada, contém em si uma revelação que os crentes aceitam e compreendem a profunda mensagem que contém: O ser humano vem de Deus e a família é uma instituição divina, da qual o homem e a mulher não podem dispor a seu bel prazer.
A Palavra de Deus deste Domingo começa com uma passagem de Isaías, expoente da literatura universal, que narra as peripécias da sua Vocação. Isaías viu o Santo dos Santos. Sentiu-se pobre e pecador: Ai de mim, sou um homem de lábios impuros. Um anjo, porém, tocou-lhe os lábios com uma brasa acesa e disse: o teu pecado foi perdoado. Então Isaías sentiu-se purificado e experimentou o desejo profundo de ir anunciar a salvação de Deus.
Curiosamente, pode-se dizer que é quase paralela a cena do Evangelho. Jesus convidou Pedro a voltar ao mar depois de uma noite intensa de trabalho: Pedro, faz-te ao largo. Pedro lançou as redes ao mar e a pesca foi abundante. Então disse, de joelhos: Senhor, sou um homem pecador. E Jesus retorquiu-lhe: Não tenhas medo, serás pescador de homens!
A vocação sobrenatural implica uma teofania ou manifestação de Deus: Isaías VIU o Santo, Pedro viu o milagre da pesca.
A vocação implica uma missão. Isaías disse: Eis-me aqui, enviai-me. Pedro recebeu a missão: Serás pescador de homens.
O mesmo aconteceu na Conversão de S. Paulo. Ouviu uma voz, caiu do cavalo. Foi baptizado. Fez um retiro longo. Transformou-se em apóstolo das gentes.
É sempre a mesma história, o mesmo ritmo, o mesmo desfecho: Deus revela-se, o homem sente a sua pequenez, Deus purifica-o do pecado e a pessoa sente o impulso da missão.
É assim também a vocação de todo o Povo de Deus.
Estamos em tempos de necessidade de uma teofania de Deus.
Bento XVI escreveu: A Igreja deve falar de muitas coisas, de todas as questões relacionadas com o ser humano, da própria estrutura e do próprio ordenamento, e assim por diante. Mas O seu tema verdadeiro e sob certos aspectos único é DEUS. E o grande problema do ocidente é o esquecimento de Deus: é um esquecimento que se difunde… (Discurso do Papa aos Cardeais…22/12/06).
Olhai à volta e vede! Uma Europa, berço da civilização moderna, a fugir de Deus. Nem sequer o seu nome quis no esboço de Constituição Europeia que, para já, está falida. Por isso, tudo o que chamamos valores se degrada, os valores da vida, os valores e os direitos do homem, a transparência nas relações entre povos e nações e dentro de cada nação mesmo em democracia…
É precisa uma nova teofania de Deus. Porque estamos a voltar à parábola original do Livro do Génesis: Depois do pecado, Adão fugiu. Deus foi à procura dele e disse: Adão, onde estás? Senhor, tive medo, porque estava nu, e fugi!
A sociedade foge de Deus. Está ela também a desnudar-se. E não dá conta de que o rei vai nu.
Então, neste contexto, qual é a missão do homem e mulher de fé? É purificar-se dos próprios pecados e depois não ter medo e ir pelos países e continentes anunciar que o mundo está salvo em Jesus Cristo. Anunciar que Ele precisa dos nossos braços e pés, precisa da nossa inteligência e vontade, precisa da nossa colaboração para salvar da escravidão o homem sujeito à tentação e ao pecado.
É preciso então gritar com voz de profeta, sem ferir ninguém, que nós somos irmãos do Verbo da Vida (1.ª João 1,1). É preciso clamar bem alto que o Verbo da Vida veio do seio do Pai para nos dizer: O que mais quero é que tenhais a vida e vida em abundância. É preciso gritar que toda a vida vem de Deus, não é propriedade nossa.
É preciso partir como Isaías a anunciar que o mundo não está perdido, porque tem um Pai que cuida dele, mas quer que sejamos nós os operários do mundo novo.
É preciso imitar Pedro que, sentindo-se pobre e pecador, ousou lançar as redes para mais longe e mais fundo e, mesmo de dia, teve a alegria de testemunhar uma pesca abundante.
Somos um Povo de Profetas. Não podemos calar o que nos vai fundo na alma nem podemos ter medo seja do que for que se passe à nossa volta.
Já em 1996, escrevia Joseph Ratzinger: Talvez tenhamos de nos despedir das ideias que existem de uma Igreja de massas…O Cristianismo voltará a estar sob o signo do grão de mostarda, em pequenos grupos, aparentemente sem importância… (O Sal da Terra). Podemos afirmar também que, nesta circunstância do nosso País e da nossa Diocese, a Igreja terá menos membros activos, mas está a tornar-se mais viva nos grupos e movimentos, na consciência de pertença a um Povo que vem desde Abraão e há-de durar até à consumação final.
Quantas forças e grupos, movimentos e Secretariados se não juntaram a favor da Vida porque sabem que ela é o valor primeiro para todo o homem e mulher. Se este se perde, lá se vão todos os outros. A união faz a força e a comunhão cria a unidade.
Gritemos então que não respeita os direitos humanos a sociedade que nega o direito de nascer. Gritemos isso em segredo e sobre os telhados, como nos aconselha o Evangelho.
Gritemos então que não há filho sem pai; que aquele que gera um filho não pode depois abandoná-lo ou fazê-lo desaparecer; que antes das dez semanas e depois das dez semanas há um ser humano em gestação no seio da mulher; que não é lícito interromper essa gestação; que ao Inverno da vida, geralmente presente na Europa “civilizada”, se deve seguir uma Primavera da Vida que dê alegria a este velho continente.
A vitalidade da sociedade esteve e está hoje à prova. Estamos a querer corrigir males na foz do rio, em vez de purificarmos as nascentes.
Num jornal diário (Jornal de Notícias 28/01/07) vinha, há pouco tempo, um articulado com o título: Dói, Mãe? Tratava-se de analisar o caso de uma adolescente que ficou grávida e tinha receio de dizer à mãe. Quando se afoitou e confessou o que se passava, a mãe abriu a boca, os olhos inundaram-se de lágrimas e perguntou: Estás grávida, como? A mãe a saber como se fazem os bebés, a investigar-lhe o corpo e a medir-lhe o ventre pueril com os olhos…
E agora, mãe? Dói a crescer, mãe? Como se desliga uma coisa destas, mãe? E dói, mãe?... O jornalista tirou as suas conclusões. Por minha parte, direi que isto é um drama para a adolescente e para a mãe.
É na nascente do rio que se previnem estas situações, não na foz. É na educação sexual que se ajudam os adolescentes a conhecer a transformação por que estando passando. É tendo em conta que o homem foi feito para a liberdade, mas a liberdade é um bem muito sensível que se quebra com qualquer desvio do caminho.
Livre de facto, como dizem uns amigos italianos que escreveram por estes dias uma Mensagem aos Bispos, livre de facto não é aquele que faz o que lhe apetece e lhe agrada, mas aquele que se vincula no amor e aceita levar no próprio coração uma outra pessoa humana para gerar nela Vida.
Aquele e aquela que fazem o que lhes apetece não são livres são libertinos. E é da libertinagem que resultam tantos males sociais que depois queremos resolver na foz do rio, quando a corrente já é muito forte. É na nascente, é na educação dos adolescentes e jovens, é no assumir de uma Paternidade e Maternidade consciente e responsável que está a solução. E, se ainda sobrarem casos graves e difíceis de aceitação da vida intra-uterina, então temos a solução de Madre Teresa de Calcutá: Não abortem, dêem-me os filhos.
Ai de mim que sou um homem de lábios impuros!
Afasta-te de mim, Senhor, que sou um homem pecador.
Há sempre lugar para o perdão e para a conversão, sejam quais forem os erros cometidos.
Termino sublinhando o esforço e a dinâmica criada em toda a diocese, que atingiu muitas centenas de pessoas e que foi obra do Secretariado Diocesano da Família e da Saúde e da Comissão Diocesana “Ética e Vida”, de Movimentos vários de leigos com iniciativa. É justo agradecer aos Médicos, Juristas e Moderadores que percorrera as Vigararias em missão de esclarecimento.
Seja qual for o resultado do Referendo, ganhámos a batalha da mobilização e do espaço laical que é hoje uma preciosidade na Igreja do Vaticano II. Importante, importante é que ninguém falta à mesa de voto no próximo Domingo.
D. João Miranda Teixeira, Administrador Apostólico da Diocese do Porto