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Vigararia de Vila Real manifesta-se contra o aborto

Diocese de Vila Real
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O próximo referendo de 11 de Fevereiro é absolutamente diferente de todos os sufrágios a que estamos habituados. Numas eleições, escolhemos entre programas complicadíssimos e que pretendem cobrir os múltiplos âmbitos da vida em sociedade. Por isso, quase sempre acontece a muitos de nós, os que não somos subservientes aos partidos, que em uns aspectos concordamos com um determinado programa, mas noutros aspectos não. Escolhemos, pois, o que se nos afigura menos mau ou o que recolhe a nossa simpatia em mais âmbitos. Com a problemática do aborto, passa-se outra coisa: somos chamados a pronunciar-nos somente sobre um único tema. Mas assunto que se coloca na base da nossa concepção de vida, no centro da nossa mundividência. Por isso, trata-se de uma escolha muito mais «dramática» que um simples programa partidário. E que mexe muito mais com a nossa consciência. O que quer dizer que tem de ser um assunto muito bem estudado e reflectido: tem de ser analisado à base de uma inteligência reflexiva e não da simples emoção ou, muito menos, da orientação do líder do Partido X ou Y. Por este motivo, como forma de participação cívica e meio de mostrar toda a simpatia por tantas e tantas pessoas que se empenham no esclarecimento da problemática, esta Vigararia deseja chamar a atenção para os seguintes aspectos: 1. A evolução da cultura ocidental, que gerou as sociedades democráticas, conduziu –e muito bem- à laicidade. Esta é uma forma de fundamentar a verdade possível sem o recurso às verdades da religião. De qualquer forma, os grandes pressupostos sociais fundamentam-se em verdades que a pura racionalidade descobre. Vive, então, daquilo que os estudiosos chamam «estimativas éticas básicas». Uma delas é precisamente esta: “a vida é melhor do que a morteâ€. 2. Como consequência desta ideia, a cultura ocidental, desde há muito, chegou à conclusão de que, a não ser em raríssimas situações de legítima defesa (pessoal, familiar ou social), atentar contra a vida humana é sempre um mal enorme e chocante, seja qual for a modalidade desse acto ou as razões invocadas (homicídio voluntário, terrorismo, pena de morte, abortamento, infanticídio, genocídio, eutanásia, etc.). 3. O plano jurídico -o âmbito da regulamentação social por intermédio da lei- não tem que se identificar, sem mais, com o plano ético ou até com o cultural. Mas tem de integrar os valores que o desenvolvimento civilizacional e cultural já inventariaram, sob pena de se tornar um ordenamento jurídico do tempo das cavernas para pessoas da modernidade. 4. Qualquer lei que o não faça, não é digna de um «Estado de direito», mas de um Estado ditatorial ou, como às vezes dizemos, de uma qualquer república das bananas. Lembremo-nos que qualquer ditador promulga «leis». Por exemplo, os milhões e milhões de pessoas assassinadas por Lenine, Estaline e Hitler, também foram mortas «legalmente», isto é, à base de específicas «leis». Só que leis que envergonham o sistema jurídico. Leis iníquas. 5. A tentativa de legitimar um acto mau por intermédio da cobertura da vontade popular é absolutamente ridículo e indigno da democracia: não era pelo facto de os Césares de Roma terem o aval dos que assistiam às lutas de gladiadores, virando o polegar para baixo, nisso que poderíamos definir como referendo directo, universal e instantâneo, que a morte do vencido pelo vencedor se nos revela menos trágica, indigna, bárbara e absolutamente chocante. 6. É desonestidade intelectual e cultural afirmar-se ou insinuar-se que um acto mau já se justifica «se essa for a vontade da maioria». A história está cheia de manipulações e abominações de «maiorias». 7. É também manipulação ideológica pretender confundir o essencial com o acessório ou deslocar o problema do centro para a periferia. No caso concreto do aborto, o problema central é saber-se se se trata ou não de vida humana e, se sim, quem ou que facto concede legitimidade ética para se acabar com ela. O ser «aborto de vão de escada» ou de clínicas milionárias, ser à décima ou trigésima semana, etc., etc., são aspectos meramente derivados, quando não folclóricos. 8. Parece que a sociedade portuguesa não está a despender as mesmas energias e recursos que gasta com o aborto. E a alguém tem de se exigir responsabilidades. Apenas dois exemplos. Primeiro: não consta que as pessoas que se empenham nas causas ditas «fracturantes» devotem o mesmo interesse às causas da vida e das mães em dificuldade. Segundo: parece que a segurança social terminarou com o apoio, consignado em lei da Assembleia da República, aos Centros de Apoio à Vida surgido um pouco por todo o país depois do primeiro referendo ao aborto. Que legitimidade ética e cultural tem o Estado para assumir as despesas do aborto e não aumentar os ridículos abonos de família nem apoiar as grávidas em dificuldade? Estas e outras questões devem ser bem reflectidas para que o próximo referende seja um acto cívico de pessoas inteligentes, adultas e responsáveis. Vila Real, 25 de Janeiro de 2007 O Vigário episcopal da Cultura (Manuel da Silva Rodrigues Linda)


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