Nota Pastoral da Assembleia Plenária da Conferência Episcopal Portuguesa
INTRODUÇÃO
1 - Em boa hora a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou o ano de 2001 como Ano Internacional dos Voluntários. Não queremos deixá‑lo chegar ao seu termo sem uma palavra de apreço e estímulo para todos quantos, gratuitamente, dedicam o seu tempo e saber, a sua generosidade e entrega pessoal ao serviço dos que mais precisam e à defesa de causas nobres culturais e outras.
Registamos com agrado a forma como as celebrações deste ano contribuíram para evidenciar tão relevante serviço, praticado, de há muito, no seio das comunidades humanas. Todos nós temos consciência de que, se bastantes povos experimentam melhoria das condições de vida económica, social e cultural, continuam a existir muitos outros onde as carências de toda a espécie são ainda, infelizmente, uma realidade amarga. Acreditamos que o voluntariado continua a ser útil e necessário, quer nas sociedades ricas, quer nas sociedades pobres, no mundo culto e desenvolvido como no mundo em vias de desenvolvimento. Onde houver carências a colmatar ou grandes causas culturais, ecológicas e humanitárias a defender, aí haverá lugar para exercer o voluntariado.
A celebração do Ano Internacional dos Voluntários vem pôr em relevo vinte séculos de mensagem cristã, vivida e testemunhada na Igreja, nas suas variadas expressões de dedicação voluntária: vem apelar à intensificação dos serviços fraternos de generosidade, na entrega do nosso tempo e nossas vidas; vem interpelar as sociedades de consumo onde o "ter" e o "fazer" contam mais que o "ser" e o "dar‑se"; vem, enfim, relevar quanto o voluntariado depende muito mais do coração dum homem bem formado e sensível à dignidade humana, do que das determinações legais, por mais perfeitas que elas sejam.
Justamente porque a prática do voluntariado é tão importante em todas as fases da história e não pode limitar‑se à simples celebração dum ano a ele dedicado, queremos indicar aos nossos irmãos católicos e a todos os homens de boa vontade o caminho que resta ainda percorrer e o espírito com que ele há-de praticar‑se.
RAIZ DO VOLUNTARIADO CRISTÃO
2 - O voluntariado cristão radica na pessoa e vida de Jesus Cristo. Ele deu o maior testemunho da sua dedicação ao próximo e deixou como regra de vida, para quantos O queiram seguir, o serviço dos outros. Primeiramente, apresentou‑se como quem veio «não para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate por todos» (Mt. 20, 28). Depois realizou mesmo o que dissera ter vindo fazer: lavou os pés aos discípulos (Jo. 13, 12‑14), concluindo que dera esse exemplo para ser seguido. Finalmente, durante a Ceia, deu‑se como "corpo" entregue e "sangue" derramado (cf. Lc. 22, 19-20) e expirou, entregando o espírito nas mãos do Pai, no alto da cruz (cf. Lc. 23, 46). E tudo isso, pode e deve entender-se como acto final de uma vida inteira voltada para os carenciados: os pobres, os pecadores, os marginalizados.
A sua morte foi a suprema manifestação do amor que, n'Ele, se fez serviço gratuito à "multidão" dos homens. Deus enviou‑O ao mundo para que o mundo fosse salvo por Ele (cf. Jo. 3, 17). «O amor de Deus manifestou-se desta forma no meio de nós: Deus enviou ao mundo o seu Filho Unigénito, para que, por Ele, tenhamos a vida. É nisto que está o amor: não fomos nós que amámos a Deus, mas foi Ele mesmo que nos amou e enviou o seu Filho como vítima de expiação pelos nossos pecados» (I Jo. 4, 9-10). Conscientes da riqueza desta mensagem que ressalta da Pessoa e da Boa Nova anunciada por Jesus, os primeiros homens, seus seguidores, entenderam bem, logo desde as origens do cristianismo, qual era a sua missão neste mundo.
Guiadas pelos Apóstolos e inundadas pelo Espírito de Cristo, as comunidades primitivas puseram em prática a dedicação ao próximo, com grande sentido de partilha, vivendo unidas, pondo em comum os bens e distribuindo o dinheiro conforme as necessidades de cada um (cf. Act. 2, 44‑45).
E não o fizeram apenas no sentido social da partilha de bens materiais. Eles sentiam essa necessidade de servir, porque «tinham um só coração e uma só alma» (Act. 4, 32). Viviam unidos. E, antes de partilhar o pão da mesa, partilhavam a palavra, a oração, a Eucaristia e o amor fraterno (cf. Act. 2, 42).
A PRÁTICA MILENÁRIA DO VOLUNTARIADO CRISTÃO
3 - Dando corpo à mensagem recebida de Cristo através dos "Doze", a Igreja foi‑se desenvolvendo, no decurso dos séculos, à medida que ia levando a cabo a sua missão, em favor dos povos.
«O empenho em anunciar o Evangelho aos homens do nosso tempo, animados pela esperança, mas ao mesmo tempo torturados muitas vezes pelo medo e pela angústia, é sem dúvida alguma um serviço prestado à comunidade dos cristãos, bem como a toda a humanidade» [1].
Desde as suas origens até aos nossos dias, a Igreja sempre entendeu que a proclamação da Boa Nova é um serviço gratuito que Ihe é exigido por força da sua própria natureza e missão. S. Paulo assim o entendeu quando afirmou: «ai de mim se não evangelizar» (I Cor. 9, 16). Dessa missão evangelizadora arranca toda a dinâmica do serviço voluntário da Igreja.
Tal serviço prestado à humanidade, durante os vinte séculos da sua existência, é um verdadeiro voluntariado. Contam‑se por milhares de milhares os homens e mulheres, sacerdotes consagrados e leigos que, nestes dois milénios de era cristã, souberam dar o seu tempo, os seus bens, a sua vida em favor dos outros, sem procurar qualquer espécie de lucro que não fosse apenas o de fazer bem, por amor de Deus e do próximo.
Desde os mártires de todos os tempos que sacrificaram a própria vida por fidelidade à missão e aos valores da verdade, do amor e da justiça, até aos anunciadores da Boa Nova, passando pelo testemunho de abnegação e entrega de pessoas e comunidades inteiras, muitos têm sido os cristãos e outros homens de boa vontade que souberam viver de harmonia com o Evangelho, fazendo reverter o fruto da sua dedicação em favor daqueles que dela careciam.
O voluntariado de todos os tempos sempre se tem revestido duma forte dimensão social, que, como é fácil perceber, resulta directamente da prática da caridade como manifestação dum amor fraterno gratuito. Mas na Igreja não se tem limitado a essa dimensão. Sempre houve voluntários no anúncio do Evangelho; sempre houve voluntários na iniciação e aprofundamento da fé cristã. Toda a Igreja, em todos os tempos, foi Igreja de voluntários. Se alguma vez a profissão obscureceu a dedicação gratuita e a total entrega ao serviço da Boa Nova, nessa mesma hora a Igreja perdeu o seu significado e atraiçoou a sua vocação. O serviço da Igreja é voluntariado.
A Igreja sabe bem, na prática, o que é o voluntariado e tem grande apreço pelo bem que é feito, neste mundo, em favor dos desprotegidos. Ela que desde o início soube organizar‑se para ajudar os necessitados (cf. Act. 6, 1‑4), nunca mais, ao longo dos séculos, deixou de o fazer: pelo ministério da evangelização, pela assistência social, na remissão dos cativos, no campo da saúde, na promoção cultural, na libertação dos povos, na luta pela justiça e pela paz.
O VOLUNTARIADO CRISTÃO, HOJE
4 - Ao pensar na riqueza do voluntariado que, presentemente, é exercido nas mais de quatro mil paróquias em que está dividido o território nacional, não podemos ficar indiferentes. São milhares os catequistas que, organizada e gratuitamente, semana a semana, dão o seu tempo, o seu saber e o testemunho da sua fé às crianças, adolescentes, jovens e adultos em busca da iniciação e do aprofundamento da fé cristã. São muitos os professores e outras pessoas mandatadas que, em nome da comunidade, percorrem as nossas escolas, sobretudo do 1° ciclo, numa verdadeira cruzada de iluminação da vida à luz da fé, segundo o modelo proposto pelo Evangelho, formando nos valores da vida, com critérios de justiça, amor, verdade e rectidão. São também milhares os jovens e adultos que dão o seu tempo e partilham os dotes pessoais com as nossas comunidades, nos mais diversificados serviços da Liturgia (leitores, cantores, ministros...), sem outro tipo de recompensa que não seja a alegria de servir. Felizmente, e com alegria o dizemos, milhares são ainda os voluntários que, tocados pelo apelo da fraternidade, se lançam na aventura de serem um espelho do rosto de Deus, junto dos pobres, dos que sofrem, dos idosos, abandonados e solitários ou militam nas fileiras dos diversos movimentos e dos serviços sócio-caritativos. Vemos com muito agrado e incentivamos o trabalho voluntário que muitos dos nossos cristãos realizam a favor da comunidade nomeadamente nas prisões, nos hospitais, nos bairros degradados e nas terras de missão.
É um número incontável de voluntários que importa ter em consideração neste ano a eles dedicado, para lhes manifestarmos a nossa gratidão, Ihes dizermos do nosso apreço pela sua generosa entrega e os estimulamos a prosseguir nesta senda de «fazer bem sem olhar a quem». A dedicação voluntária destes servidores da Igreja constitui «uma importante expressão de apostolado» [2], que gostaríamos de ver ainda mais implementado a partir deste ano.
HUMANISMO E VOLUNTARIADO
5 - No comunicado final da nossa Assembleia Plenária, de 26 de Abril último, já expressámos o nosso sentimento positivo de esperança pelo contributo que o voluntariado pode prestar ao mundo contemporâneo (cf. n° 7). A Igreja vê com muita alegria a forma como se está a expandir em todo o mundo, o espírito do voluntariado e como vão surgindo organismos de voluntários nos mais variados sectores da actividade humana. Tenham-se presentes os milhares de colectividades de matriz cívica ou religiosa nas quais milita um numeroso exército de voluntários ao serviço da cultura, do desporto, da promoção humana e do socorro em situações de emergência a todo o tipo de carenciados.
Ficamos felizes por vermos assim reconhecido, na prática, que o voluntariado nasce do coração humano e é um sinal de nobres valores ditados pelo sentido dum humanismo assente na dignidade humana, o qual será profundamente potenciado pelos valores que a Boa Nova de Jesus anuncia e veicula.
A diferença entre voluntariado cristão e outras espécies de voluntariado reside sobretudo nas bases que motivam um e outros e não tanto nos objectivos que em grande parte coincidem. Os cristãos são voluntários por motivos da sua fé em Cristo, praticam o voluntariado por fidelidade ao Evangelho, e pelo sentido de caridade fraterna que os faz ver em cada destinatário a imagem do próprio Cristo. Os outros tipos de voluntariado terão a sua base em ideais filantrópicos, certamente válidos, e justificadores da sua dedicação a quem precisa ou ao bem comum (defesa do ambiente, promoção de direitos, etc). Mais que as diferenças dos princípios pesam aqui os resultados dos objectivos: que quem precisa possa ser ajudado e dignificado.
INSTITUCIONALIZAÇÃO CIVIL DO VOLUNTARIADO
6 - Ao longo dos tempos, sempre a generosidade humana, exercida a favor dos irmãos, encontrou e continuará a encontrar formas de se exprimir, tanto informalmente, através de indivíduos e grupos, como de forma institucionalizada.
Nos nossos dias, por influência do ambiente secularizado em que vivemos, a par das numerosas associações de fiéis, recentes umas, de longa tradição outras, multiplicaram‑se os grupos e associações civis com o objectivo de socorrerem ou apoiarem, gratuitamente, os cidadãos que, pelas mais variadas razões, estão carecidos de ajuda.
Os Governos e as instâncias internacionais, reconhecendo o valor social e cívico desses grupos e organizações que, voluntariamente, se dedicam a ajudar o próximo, procederam gradualmente ao seu enquadramento legal, com a consequente definição dos parâmetros de acção. Comungando do mesmo espírito humanitário, também o Estado Português procedeu ao enquadramento legal do voluntariado [3].
No contexto legal, o voluntariado é apresentado como serviço gratuito e desinteressado que se desenvolve no âmbito da cidadania, por aqueles que conquistaram o exercício da autonomia individual, da participação social e da solidariedade para com os que precisam. Mas nem toda a acção de bem fazer é considerada voluntariado. Em sentido legal, voluntariado é um trabalho organizado em grupo, por instituições devidamente credenciadas, com objectivos e programação comuns, com distribuição de tarefas, sujeitas a avaliação, num clima de responsabilidade grupal e participativa.
O grupo é constituído por pessoas que, para além dos deveres familiares e profissionais, dedicam algum do seu tempo ao voluntariado, não meramente para ocuparem os tempos livres, granjearem amigos ou simpatias pessoais e, muito menos, para fornecer mão de obra barata ao Estado.
O objectivo fundamental dos voluntários é ajudar gratuita e livremente os indivíduos, as famílias ou os grupos, em cooperação com outros voluntários, sendo claro que a eficiência do seu serviço depende tanto das atitudes como da competência. Dentre as atitudes, saliente‑se a disponibilidade que há‑de ultrapassar o entusiasmo momentâneo e prolongar‑se na responsabilidade assumida com alegria. Do voluntário, mais do que acções de solidariedade, espera‑se que ele próprio seja solidário e goste de ajudar quem precisa, oferecendo com amor os seus conhecimentos e os seus préstimos aos que vivem mergulhados nos problemas e precisam de mão amiga que os ajude a sair deles e a ultrapassá‑los.
Acima de tudo, o voluntário é alguém dotado de maturidade humana, afectiva e espiritual; mais disposto a dar do que a receber; capaz de estabelecer relações profundas com os outros, gozando de boa inserção no grupo e no meio ambiente. Mas, além das qualidades pessoais, requer‑se também a conveniente formação. Só assim poderá ficar garantida a desejada e necessária competência.
ALGUNS RISCOS A TER EM CONTA
7 - A institucionalização do voluntariado não está isenta de riscos, que urge relevar e prevenir.
Um dos riscos está associado ao tipo de organização e profissionalização que têm vindo a ser implementadas em boa parte das instituições de voluntariado e de acção social. Reconhecemos que elas são indispensáveis quer para assegurar o bom funcionamento quer para garantir a eficácia das instituições. No entanto, os benefícios organizativos não podem implicar a perda daquilo que é genuinamente característico do voluntariado ‑ a gratuidade e a espontaneidade.
Outro risco grave pode advir da dependência financeira e jurídíco‑administrativa do Estado. Mesmo que se celebrem acordos, eles «nunca poderão significar uma relação de dependência perante o Estado, nem a transferência, para ele, da solicitude da comunidade» [4]. A caridade cristã é sempre inseparável da justiça, da paz e do desenvolvimento solidário. E este vínculo não poderá ser sacrificado à dependência dos bens materiais nem aos ditames legislativos.
Um terceiro risco está ligado à tendência para aumentar o peso da assistência institucionalizada, com prejuízo da promoção social, do desenvolvimento e da aposta na transformação sócio-cultural. É imperioso contrariar essa tendência, porque o desenvolvimento e a transformação social só são possíveis com a implicação de todos, mesmo dos que carecem de assistência, coisa que dificilmente fará quem reduz a sua actividade ao interior dos equipamentos sociais, onde não é possível abranger a totalidade dos problemas sociais e individuais. Mais promoção social para que seja necessária menos assistência: seja esse o lema a guiar os voluntários.
Quando, numa paróquia ou noutra instituição, a articulação entre equipas de intervenção social, centro social e comunidade cristã não é bem conseguida, corre‑se o duplo risco da desarticulação do trabalho ou do predomínio exagerado de um dos elementos, em detrimento dos outros. É fundamental que se definam algumas bases mínimas, aceites por todos, como normas de acção, tomando o crescimento pessoal, o desenvolvimento comunitário e a fecundidade do trabalho como parâmetros de uma avaliação periódica que há‑de ajudar a progredir com segurança.
Não podemos deixar de lembrar ainda, a propósito deste assunto, as dificuldades que estão associadas à falta de compreensão exacta do que é o voluntariado. Com efeito, tendo em conta o enquadramento legal, não se pode confundir voluntariado e associativismo, voluntariado e amadorismo, voluntariado gratuito com acção não estruturada e informal.
DESAFIOS E APELOS
8 - A concretização dos objectivos subjacentes à institucionalização do voluntariado constitui um autêntico desafio para os seus promotores, que devem ter em conta um conjunto de requisitos indispensáveis à consecução de suceeso da sua acção, tal como referimos em seguida.
A boa organização continua a ser um desafio às instituições e às pessoas. Não se pode trabalhar em grupo, com um mínimo de eficiência, sem uma norma orientadora. E não basta a boa vontade de quem se oferece, nem um sistema de selecção bem estruturado. É a organização sem constrangimento que está na base do sucesso. Se pretendemos um voluntariado com poder de intervenção social, temos que começar por nos organizar, combatendo o excessivo informalismo reinante, evitando a confusão e duplicação de competências e promovendo as instâncias representativas intermédias e superiores.
O bom funcionamento e a eficácia dos grupos depende tanto da cooperação e da complementaridade, suscitadas pelo sistema de coordenação, como da responsabilidade individual, assumida por cada um. Só é verdadeiramente voluntário quem é responsável.
A área de acção e o nível de intervenção de cada voluntário dependem, antes de mais, da formação previamente adquirida. Mas tendo em conta o evoluir das situações e o grau de competência que se exige a uma intervenção de qualidade, o voluntário deve estar sempre aberto a uma formação contínua, feita na acção, na partilha de experiências e no confronto permanente com os outros membros do grupo. Recomendamos aos responsáveis institucionais que, pondo de parte a formação avulsa, avancem para um tipo de formação estruturada.
O autêntico voluntário tem a noção dos seus limites. Sabe que não pode resolver todos os problemas. Mas nem por isso deixa de estar aberto a todas as necessidades humanas. Se tem um coração universalista, está aberto à cooperação com todas as instituições, cujas parcerias se revelem eficazes na concretização dos objectivos programados. Pois, como é sabido, em muitos casos, o êxito dos projectos só pode ser assegurado por uma cooperação interdisciplinar.
A criação de redes locais de voluntariado é, sem dúvida, mais um dos desafios que hoje se colocam sobretudo às instituições de solidariedade. Através dessas redes locais, fáceis de criar, poderia fazer‑se uma distribuição mais racional das pessoas que se oferecem como voluntários.
EXORTAÇÃO FINAL
9 - Embora o voluntariado não seja prática exclusiva de um país, de um movimento, de uma região ou de qualquer confissão religiosa, na Igreja Católica ele encontra, felizmente, uma dimensão muito expressiva [5]. Tendo isso em conta, queremos fazer aqui uma exortação aos filhos da Igreja, a propósito da celebração do Ano Internacional dos Voluntários, prestes a chegar ao seu termo, reafirmando que «precisamos de uma autêntica cultura da solidariedade» [6].
Nestes tempos, eivados de materialismo hedonista, saibam os cristãos abrir‑se aos valores do Evangelho, pela doação do seu tempo e das suas vidas aos irmãos necessitados. Esta abertura ao Evangelho levará à partilha dos dons que cada um recebeu de Deus, num compromisso de caridade fraterna, empenhada na promoção dos que mais precisam. Se a partilha for guiada pelas palavras de Cristo: «sempre que o fizeste a um destes pequeninos, foi a Mim que o fizestes» (Mt. 25, 40), tornar‑se‑á um sinal imediato e visível do amor infinito do Pai Celeste.
Aprendam os cristãos a organizar‑se naquilo que fazem, unindo forças entre si, para que o trabalho voluntário se torne mais fecundo e eficaz. E, ao responder aos apelos que Ihes chegam, tenham em conta o esforço que os outros grupos, mesmo não cristãos, empregam na solução dos problemas humanos. Mas realizem a sua actividade «com estilo especificamente cristão... sem nunca ceder à tentação de reduzir as comunidades cristãs a agências sociais» [7]. É que as nossas comunidades e os cristãos voluntários nunca poderão deixar atrofiar a riqueza dos valores do voluntariado, a troco de subsídios oficiais.
Esforcem-se os pastores por criar as condições adequadas a uma boa formação dos cristãos comprometidos nas diversas actividades de voluntariado, em ordem a «desenvolver formas de acção preventiva, educativa e promocional»[8]. Visto que uma cuidada coordenação dos serviços diocesanos e paroquiais poderá contribuir, em larga escala, para uma acção mais eficaz, prestem um especial cuidado à sua organização.
Com os olhos postos em Maria, serva do Senhor, que em casa de Isabel e nas bodas de Caná nos deu um sublime exemplo de dedicação e serviço, imploramos do Verbo Incarnado o dom da generosidade e do amor para todos os voluntários.
Fátima, 15 de Novembro de 2001
Notas
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[1] PAULO VI, Evangelii Nuntiandi, 1975, nº 1.
[2] JOÃO PAULO II, Christifideles Laici, 1988, nº 41.
[3] Cf. Lei nº 71/98, de 3 de Novembro, e Decreto-Lei nº 389/99, de 30 de Setembro. Nestes dois instrumentos legais define-se o conceito de voluntariado, especificam-se as áreas de intervenção e enumeram-se os direitos e os deveres dos voluntários.
[4] CONFERÊNCIA EPISCOPAL PORTUGUESA, Acção Social da Igreja – Instrução Pastoral, 1997, nº 27.
[5] CONFERÊNCIA EPISCOPAL PORTUGUESA, Alguns Aspectos da Actual Sociedade Portuguesa – Mensagem dos Bispos ao Povo de Deus no Ano da Doutrina Social da Igreja, 1991, nº 24.
[6] Idem, Crise de Sociedade, Crise de Civilização – Nota Pastoral, 2001, nº 8.
[7] JOÃO PAULO II, Novo Millennio Ineunte, 2001, nº 52.
[8] CONFERÊNCIA EPISCOPAL PORTUGUESA, Acção Social da Igreja – Instrução Pastoral, 1997, nº 24.