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«Vós sereis para mim um reino de sacerdotes, uma nação consagrada»

D. António Marcelino
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Homilia do Bispo de Aveiro no Encerramento do Congresso/ Dia da Igreja Diocesana/ Jubileu Sacerdotal

“A seara é grande, mas os trabalhadores são poucos. Pedi ao dono da seara que mande trabalhadores para sua seara… chamou a Si os Seus doze discípulos…e enviou-os depois de lhes dado as seguintes instruções: Não sigais o caminho dos gentios…Ide antes ás ovelhas perdidas…no caminho, pregai anunciando que está perto o Reino dos Céus…Recebestes de graça. Pois, dai gratuitamente”. 1. Os acontecimentos que estamos celebrando hoje, num enriquecido clima de Igreja Diocesana, ganham maior dimensão na celebração da Eucaristia. Numa perspectiva de fé, e um cristão consciente não pode ter outra, a nossa vida só adquire verdadeiro sentido à luz de Deus, e só pode ser oferta agradável a Deus, quando integrada na grande oferta de Jesus Cristo ao Pai. Encerramos o Congresso Eucarístico Diocesano, que procuramos fosse preparado nas comunidades de modo a que as mesmas pudessem tirar, desde então, grande proveito espiritual. Celebramo-lo, com uma alargada representatividade, num clima de recolhimento e de reflexão, como convêm a acontecimento desta natureza. Os resultados espirituais esperados nunca os veremos nem apreciaremos de modo total. A acção do Espírito e a livre colaboração humana são marcadas pelo silêncio interior, sempre fecundo para quem vive, dia a dia, preocupado com o essencial e sabe aguardar, pacientemente, a hora de Deus. Confiamos à Mãe de Jesus, perita exímia na capacidade de adaptar a vida e a vocação pessoal ao ritmo da graça, que nos ajude a que o Ano da Eucaristia, como dom espiritual e como apelo pessoal, não termine mais. Desejamos que os acontecimentos de sentido espiritual e pastoral que sinalizaram este Ano nas comunidades paroquiais e na comunidade diocesana, continuem a produzir o seu fruto, porque o amor à Eucaristia não é nunca um amor de passagem, mas sim de permanência e fidelidade. 2. O Dia da Igreja Diocesana marca o fim do ano pastoral, que é também de um plano pastoral trienal, vivido na preocupação de “ Rejuvenescer a Igreja Diocesana pelo Domingo e com os Jovens.” O Domingo nem sempre tem resistido, entre nós, à erosão vertiginosa, provocada pela secularização reinante. Houve uma renovação visível na celebração eucarística dominical: consciência de assembleia, valorização da Palavra, participação na comunhão eucarística, renovação dos cânticos, abertura aos ministérios litúrgicos, prolongamento da assembleia na comunhão aos doentes, cuidado dos templos. Mas temos de nos acautelar do perigo da rotina, que espreita a vida das comunidades e o nosso agir diário. Muitas iniciativas surgiram para dar ao Domingo o sentido cristão que o caracteriza. Porém, há ainda que andar uma longa caminhada para avivar e permitir uma vivência consciente da dimensão familiar e social do Domingo na vida concreta dos cristãos, ajudando esta mesma vida a ser vivida de modo a poder apresentar-se na Eucaristia dominical, como dádiva que Deus aceita, santifica e fortalece, para que possa, depois, produzir na família e na sociedade, frutos de amor, de perdão, de paz, de justiça, de verdade e de solidariedade fraterna. 3. A formação em todas as suas dimensões e o despertar vocacional estiveram presentes neste esforço de rejuvenescimento da Igreja Diocesana. Deram-se passos válidos, mas que não estão ainda, segundo pensamos, suficientemente consolidados, para que tenhamos uma séria garantia de continuidade. Porém, como se trata de acções permanentes na vida cristã e, por isso mesmo, na acção pastoral, há que continuar, com decisão e generosidade. Temos experiências em curso, propostas de acção, meios e instrumentos de apoio, gente preparada e disponível. Termina o plano do ano e a sua programação. Isto não quer dizer que termine o projecto de acção pastoral que responde a necessidades e situações que perduram. 4. Os jovens foram, neste triénio pastoral, uma presença reconfortante, uma preocupação constante, um desafio que não se pode nem desconhecer, nem iludir. Fizemos, com eles e sobre eles, uma caminhada em dinâmica sinodal, integrando no mesmo projecto os diversos membros do Povo de Deus. Hoje mesmo vamos entregar aos responsáveis e animadores da pastoral juvenil a nível diocesano, paroquial ou de movimentos apostólicos, as Orientações que surgiram do esforço de todos, ao longo de um ano penoso de reflexão e de procura. Dissemos, de muitas maneiras, que queríamos conhecer os jovens, os seus ideais, projectos, problemas e dificuldades, para com eles podermos ir mais longe, na acção e na presença activa aos seus ambientes e meio de vida. Não terminaram nem o propósito, nem o apelo, nem a urgência deste querer ir mais longe, empenhando aí as estruturas da pastoral juvenil. 5. Este último ano do plano pastoral coincidiu com o Ano da Eucaristia. Um ano de graça, como todos o sentimos. Procuramos sintetizar o projecto do ano pastoral com uma ideia, que é compromisso e apelo: “ A Eucaristia gera fraternidade”. Aquele pão lindo e enorme dos cartazes é pão que recebemos de graça e somos convidados a partilhar. Neste pão está simbolizado, pelo sentido que se lhe dá, o Pão Eucarístico, como dom recebido e nele as necessidades sentidas e a urgência do gesto reconciliador e fraterno. O Senhor Jesus vincou bem as palavras do direito, sem restrições, de o pão ser partilhado em favor dos que Nele crêem, de ser para todos o Pão que Ele é. “ Tomai e comei todos: Isto é o Meu corpo entregue por vós ”. Nas mãos e no coração dos que comungam está a responsabilidade de fazer chegar a todos o Pão que dá a Vida ao mundo, para que se sintam filhos integrados numa família de irmãos. Outras partilhas necessárias precedem a comunhão do Pão Eucarístico. A partilha do pão que mata a fome; a partilha de vida com o outro, que se destrói na sua solidão; a partilha do tempo da visita voluntária e do diálogo respeitoso que desfaz a sensação de se sentir inútil; a partilha na luta pela justiça, que dá consciência de que direitos não respeitados não são direitos inexistentes; a partilha da verdade, que abre horizontes novos à vida e aquece corações regelados; a partilha de fé, que exorciza medos e desalentos… Sempre pão partilhado! Tudo, a partir da Eucaristia, como dom recebido, é acção que gera fraternidade, amor consequente, experiência de Deus, vida em comunidade fraterna. Pode este propósito, carregado de graça e de responsabilidade, alguma vez se considerar já realizado por completo? 6. DIA DA IGREJA DIOCESANA é dia de revisão de caminhos andados e propósitos formulados, de voltar ao essencial da missão, de descobrir a Diocese como a Igreja na sua expressão de universalidade e vivência em comunhão, como família alargada e próxima, sempre necessária para se sentir a alegria da fé e a certeza de que se procura o caminho certo, na ligação afectiva e efectiva ao Bispo que preside à comunhão. Comunhão eclesial onde não cabem individualismos estéreis, projectos paralelos, indiferenças inúteis, cisões perigosas, onde todos, sem excepção, têm reconhecido o seu lugar e mérito. Dia para recobrar energias da fé e do ardor apostólico, tomar consciência do dever missionário, avivar o sentimento da unidade e da comunhão, agradecer a Deus o ano pastoral que termina, partilhar, no possível, as experiências vividas, abrir-se ao novo ano com entusiasmo, alegria e zelo. 7. Ocorre neste ano e nestes dias, a data jubilar da minha ordenação sacerdotal. Num gesto fraterno que me confunde, quis o nosso Santo Padre Bento XVI, com uma carta autografada, unir-se à oração de louvor e de acção de graças, que todos vós e muitos outros, partilhais hoje aqui comigo. Peçamos a Deus que defenda, conserve e fortaleça o Papa na sua missão e auspicioso pontificado. Entre os Bispos de Portugal, muitos dos quais os trabalhos pastorais não lhes permitiram deslocar-se a Aveiro nesta tarde, alguns, esforçadamente, puderam estar comigo numa expressão de comunhão e de amizade, e associar-se com todos vós, à minha acção de graças. Permiti que distinga, entre todos os presentes, por razões facilmente compreendidas, o meu antecessor, senhor Dom Manuel, de quem sempre recebi e continuo a receber, pela sua amizade e testemunho, estímulo diário para vos servir, com a dedicação e o amor com que ele, também, sempre serviu a Igreja de Aveiro. A todos vós, queridos irmãos bispos, agradeço a vossa oração e a presença amiga e reconfortante. Por vontade da Diocese a celebração deste jubileu coincide com o encerramento do Congresso e o Dia da Igreja Diocesana. Uma coincidência natural, dado que os 50 anos de ordenação se concluíram no passado dia 9, em 1955 Festa do Corpo de Deus. Hoje, dia 12, então também Domingo, foi a Missa Nova, que me permitiu prolongar, no meio do povo que me viu nascer, me amparou e que muito amo, a graça da ordenação sacerdotal. Agradeço-vos, Irmãos e Irmãs, por quererdes dar graças a Deus comigo pelo dom do sacerdócio ministerial, que há 50 anos me acompanha, e que há quase 25 anos vivo convosco e para vós, em Terras de Aveiro. Agradecei também a Deus a mesma graça do Sacerdócio dos Padres Artur Tavares de Almeida e José Martins Belinquete, que festejam 50 anos de ordenação sacerdotal e serviço generoso à Igreja Diocesana, a 3 de Julho. Ninguém é padre por causa de si ou para si próprio. A vocação é sempre dom de Deus para serviço aos outros. A fidelidade e a dedicação a Deus e aos seus filhos marcam, assim, o itinerário diário da vida do padre. Da capacidade pessoal para ouvir e responder ao Senhor que chama, nos fala o Evangelho, mostrando o coração compassivo de Cristo pela multidão afadigada e abatida, como ovelhas sem pastor, e apontando a oração, como caminho permanente a favor das vocações de serviço do Evangelho. Esta capacidade nasce e desenvolve-se no seio da família, na catequese paroquial, na atenção e acolhimento do pároco às famílias, crianças e jovens, na estima e apreço da comunidade cristã e vai-se cimentando com a experiência de fé, a oração, a abertura aos outros e à missão da Igreja, a ajuda e colaboração daqueles que Deus põe no nosso caminho, no tempo da formação e, depois, no lugar e no trabalho que nos é pedido e confiado. No dar se recebe. Quem dá, com alegria e entusiasmo, a sua vida aos outros, por escolha e dom de Deus, sente-se cada dia recompensado e, com motivos redobrados, para agradecer e se disponibilizar para o que lhe é e será pedido, com total dedicação à missão a que foi chamado. A verdadeira realização humana e sacerdotal está na entrega pessoal e na disponibilidade incondicional e permanente para com Deus e o Seu projecto de amor universal. Sempre senti, vo-lo digo com a simplicidade de um irmão, que, tal como ao profeta, Deus me escolheu, me chamou, me enviou, me tomou pela mão e me conduz, cada dia, com desígnios de salvação. O mesmo acontece com todos os que um dia se sentiram amados, chamados e enviados. Louvado seja o Senhor pela Sua misericórdia, a expressão maior e mais clara do Seu amor gratuito e da Sua infinita bondade! Retomei, na pequena recordação que vos será distribuída, o mote do dia da ordenação: a necessidade do padre para que todos possam beneficiar do dom da Eucaristia, bem como o dever de cada cristão e de cada comunidade se empenharem, pelos meios ao seu alcance, para que nunca faltem à Igreja as vocações sacerdotais necessárias. 8. Nesta celebração, com um dos nossos seminaristas, que será apresentado como candidato próximo ao diaconado e com uma jovem religiosa de uma comunidade que testemunha a sua consagração numa paróquia Diocese e vai partir, dentro de pouco tempo, em missão para as Ilhas Maurícias, 22 jovens serão enviados em missão para Moçambique e para o Brasil. Receberão, também, uma palavra de estímulo os cerca de 100 jovens que rumam, no próximo mês de Agosto, até à Alemanha, a fim de participarem, com o Papa, na Jornada Mundial da Juventude. Na aceitação de um compromisso apostólico que se renova, jovens e adultos, animadores, de diversos modos, da pastoral juvenil, receberão, das minhas mãos, as Orientações Pastorais, fruto da caminhada sinodal sobre os jovens, feita durante um ano na Diocese, e que são chamados agora a implementar. Esta tónica de juventude dá-me ensejo para dizer aos jovens presentes e a todos os jovens cristãos da Diocese, que o apelo de Jesus para que O sigam, é um apelo diário, que devem sentir e ouvir na sua vida concreta. Não se pode desvalorizar nem esquecer. Ele tem, com o amor de Quem chama, a exigência e a graça de uma resposta livre, que não admite limites nem condições, bem como o horizonte de uma generosidade viçosa, que liberta de atavios que paralisam e proporciona uma felicidade crescente. Para todas as decisões que implicam um projecto de vida e traduzem uma opção vocacional, há que olhar mais para Deus e para a força determinante do Seu Espírito, que para a nossa fraqueza, medos e debilidades e sentir que “Tudo podemos NAQUELE que nos dá força”. Queridos jovens, se o testemunho do vosso bispo vos pode ajudar e estimular, aqui estou a dizer-vos que é preciso arrumar a mediocridade e não ter medo de abrir o coração a Deus e de entrar na aventura apaixonante da doação total e do caminho sem regresso. Nada mais gratificante que sentir que, à maneira de Jesus Cristo, a nossa vida se vai gastando para que outros tenham Vida, Vida abundante, Vida que permanece. É isto o que significa ser padre. Vós tendes fibra para ir mais longe. A Africa, o Brasil ou agora a Alemanha não são senão etapas válidas, é certo, de uma caminhada que não termina com o acontecimento. O que é apenas ocasional, não faz história. Só o que de bom perdura, ganha sentido e dá sentido à vida. Uma vida enriquecida com pequenas experiências que vos firmam o propósito de chegardes vencedores, à meta que Deus marcou. 9. Na primeira leitura desta Eucaristia, Deus disse-nos, através de Moisés: “Vós sereis para Mim um reino de sacerdotes, uma nação consagrada”. Toda a celebração nos predispõe para aceitarmos e entrarmos neste projecto divino. Que ele seja para cada um de nós e para a Igreja Diocesana, um projecto, acolhido e vivido na alegria da fé, para louvor e glória de Deus, nosso Pai. Aveiro, 12 de Junho de 2005, D. António Marcelino, Bispo de Aveiro


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