Dossier

A entidade reguladora da saúde

Alexandre Laureano Santos
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Alexandre Laureano Santos, Médico. Consultor da Comissão Episcopal das Comunicações Sociais

1 - No orçamento geral do Estado, recentemente aprovado, a despesa atribuída aos cuidados de saúde ascende a 6,5 mil milhões de euros (mil e trezentos milhões de contos), a qual traduz um crescimento de 3,6 % relativamente ao ano anterior. Considerando que os portugueses pagam directamente do seu bolso cerca de 40 % dos custos reais da saúde, os quais não estão incluídos nos números apontados, apercebemo-nos que estes correspondem a valores muito elevados (6,7 % da riqueza produzida no nosso país). Acresce que as dívidas acumuladas no sistema de saúde (medicamentos, equipamentos e fornecedores de serviços) constituem um quarto da despesa orçamentada. Segundo os números oficiais cada português gasta 862 euros por ano com a sua saúde. Mas nos países da união europeia gasta-se, em média, mais do dobro. Deve admitir-se que estes custos, tendo aumentado permanentemente nas últimas dezenas de anos, terão, no futuro, um crescimento ainda mais pronunciado. Nos Estados Unidos os gastos actuais com a saúde atingem mais de 14 % da sua riqueza produzida. No nosso país o Estado nos domínios da saúde, é o principal fornecedor, o principal financiador, o principal comprador, o principal empregador, o principal segurador, o principal pagador e o principal gestor das instituições. Simultaneamente é ainda o legislador. As escolas e as universidades que preparam os prestadores dos cuidados de saúde referem-se quase todas ao Estado. São demasiadas tarefas num domínio tão complexo para uma única entidade, ainda que esta seja o Estado. O crescimento económico de há algumas dezenas de anos nos países ocidentais permitiu a atribuição de enormes quantidades de fundos às políticas sociais e à criação de sistemas de saúde dirigidos a toda a população, centralizados, razoavelmente eficazes e com escassa participação financeira dos cidadãos. Não é possível manter esta situação na actualidade, por múltiplas ordens de razões. O aumento generalizado da procura dos cuidados de saúde, o alongamento da vida das populações, a emergência de novas doenças endémicas, o aparecimento de mais agressivas feições das doenças antigas e a utilização indispensável de novos e dispendiosos meios de intervenção terapêutica, sendo quase todos sinais de uma melhoria das condições de vida, impõem necessariamente uma reflexão de todos os cidadãos, das instituições, das instâncias políticas e dos órgãos do Estado sobre os cuidados de saúde. O Presidente da República foi muito oportuno na insistência sobre o debate destes temas na Sociedade Portuguesa. 2 – No programa do actual governo incluía-se a gestão de hospitais públicos e de centros de saúde segundo modelos empresariais; propunha-se também a construção e a gestão de novas instituições de saúde por operadores privados. As regras modificaram-se. É preciso garantir que os destinatários de todos os cuidados de saúde – os doentes e as pessoas ameaçadas pela doença – não vejam diminuídos os seus direitos básicos. As reformas tendo em vista a racionalização do sistema e o controlo da despesa pública têm que fazer-se no sentido de melhorar as condições de equidade no acesso aos cuidados (em primeiro lugar aos cuidados primários) e a satisfação das necessidades dos seus destinatários, sobretudo os de mais baixos recursos. Recentemente foi promulgado o diploma que cria a Entidade Reguladora da Saúde. A designação desta nova instituição é suficientemente vaga para nela caberem múltiplas funções cujo desempenho se encontra actualmente disperso por outras instâncias do poder político, administrativo e judicial do Estado. São-lhe atribuídas funções de regulação, de supervisão e de acompanhamento das actividades de todas as unidades prestadoras de cuidados de saúde, dos sectores público, privado e social. Ficam aparentemente fora da sua jurisdição as farmácias, os armazenistas de medicamentos e a indústria farmacêutica, como se de entidades estranhas ao nosso sistema de saúde se tratassem. As funções daquela entidade exercem-se sobretudo nos domínios da avaliação das condições de igualdade no acesso aos cuidados, da qualidade, da segurança e do cumprimento dos direitos dos doentes. Incumbe à Entidade Reguladora da Saúde emitir recomendações, normas e directivas, zelar pelo cumprimento dos regulamentos de cada instituição e dos códigos de conduta dos profissionais, pelas regras de boa prática e pela carta dos direitos dos doentes. A entidade detém poderes sancionatórios, podendo punir os prevaricadores que violem a garantia do acesso, da qualidade e da segurança, que induzam artificialmente a procura e o consumo de cuidados e que desrespeitem as condições e as obrigações impostas. Trata-se de funções muito vastas que seguramente se irão sobrepor às funções de outros órgãos existentes que a estes domínios se referem. Alexandre Laureano Santos, Médico. Consultor da Comissão Episcopal das Comunicações Sociais


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